Processo
003/2022
Relator
Dr. Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Dr. Bartolomeu José Hangalo
Segundo Adjunto
Dra. Marta Marques
Descritores:
Acórdão. Recurso de Apelação. Acção Declarativa Ordinária de Condenação. Anulada decisão recorrida e absolvição dos apelantes do pedido.
I– A imputação da responsabilidade indemnizatória tem que resultar de apuramento dos factos, da sua autoria e sobretudo do nexo de causalidade.
II. Em sede de processo ordinário, em que nos encontramos, não estando nos autos a contestação, depois de cumpridas as formalidades de citação, a revelia é operante, cujo efeito é dar-se por confessados os factos articulados pelo autor. Porém, o estar-se na revelia operante neste processo, não é e nem pode significar necessariamente a condenação dos apelados no pedido, efeito este, automático quando se trate de processo sumário e sumaríssimo, nos termos dos artigos 784º/2 e 794º/1, todos do CPC., o que não é o presente caso. O que é importante não são os documentos em si, e sim o teor que os mesmos comportam. Para isso era exigível que a Juíza da causa extraísse dos documentos o que era relevante para a decisão, indicando, tanto quanto possível, o lugar em que se retirou.
III. Há falta de análise crítica dos factos, quanto a fundamentação é o corolário do princípio da imparcialidade, do dever ético a que os Juízes estão adstritos, enquanto “embecados”, no seu múnus judicandi. E isto é de resto, o que decorre da boa administração da Justiça em nome do povo. Ressalta-se que, o que há não é uma insuficiência de fundamentação e sim, total falta de fundamentação.
IV. Não basta a simples invocação de que os factos foram confessados, sendo necessário, a sua descrição. Pois, é nisso que reside a fundamentação da decisão, como impõe o artigo 158º do CPC. As decisões devem trazer consigo a clareza e precisão. Não devem elas mesmas, criarem mais desinteligências do que visam resolver; não devendo, pois, ancorar-se na simples invocação literal do artigo 484º do CPC, como se fez aqui.
V. As partes podendo alegar e pedirem o que quiserem, estão, todavia, sujeitos a obrigação de provar as suas pretensões, pois “aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342º/1 do CC). Quando assim não é, tem-se por ultrapassados os limites da boa fé, caindo-se no abuso do direito, previsto no artigo 334º do mesmo Código.
VI. Para que o comportamento do apelado seja reconduzido a litigância de má fé e as consequências previstas no nº 1 do artigo 456º do CPC, sabendo-se que houve efectivamente lesões físicas; seria necessário um somatório de evidências circunstanciais. Não há um entornar do excesso do direito por parte do apelado, para se chegar a convicção de que, este fez uso indevido dos meios processuais; e nem se pode subtrair a intenção de locupletamento, só pelo facto de se ter atido, em documento inidóneo, para reclamar a indemnização.
Processo n.º:
03/2022
Relator:
Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data do acórdão: 20
de Setembro de 2022
Votação:
Unanimidade
Meio processual:
Apelação
Decisão:
Anulada decisão recorrida e absolvição dos apelantes do pedido.
Descritores: Ofensas corporais, tratamento de ondontologia, danos colaterais invisíveis, indemnização,
litigância de má-fé.
Sumário do acórdão
I– A imputação da
responsabilidade indemnizatória tem que resultar de apuramento dos factos, da
sua autoria e sobretudo do nexo de causalidade.
II. Em sede de processo
ordinário, em que nos encontramos, não estando nos autos a contestação, depois
de cumpridas as formalidades de citação, a revelia é operante, cujo efeito é
dar-se por confessados os factos articulados pelo autor. Porém, o estar-se na revelia operante neste
processo, não é e nem pode significar necessariamente a condenação dos apelados
no pedido, efeito este, automático quando se trate de processo sumário e
sumaríssimo, nos termos dos artigos 784º/2 e 794º/1, todos do CPC., o que não é
o presente caso. O que é importante não são os documentos em si, e sim o teor
que os mesmos comportam. Para isso era exigível que a Juíza da causa extraísse
dos documentos o que era relevante para a decisão, indicando, tanto quanto possível,
o lugar em que se retirou.
III. Há falta de análise
crítica dos factos, quanto a fundamentação é o corolário do princípio da
imparcialidade, do dever ético a que os Juízes estão adstritos, enquanto
“embecados”, no seu múnus judicandi. E
isto é de resto, o que decorre da boa administração da Justiça em nome do povo.
Ressalta-se que, o que há não é uma insuficiência de fundamentação e sim, total
falta de fundamentação.
IV. Não basta a simples
invocação de que os factos foram confessados, sendo necessário, a sua
descrição. Pois, é nisso que reside a fundamentação da decisão, como impõe o
artigo 158º do CPC. As decisões devem trazer consigo a clareza e precisão. Não
devem elas mesmas, criarem mais desinteligências do que visam resolver; não
devendo, pois, ancorar-se na simples invocação literal do artigo 484º do CPC,
como se fez aqui.
V. As partes podendo
alegar e pedirem o que quiserem, estão,
todavia, sujeitos a obrigação de provar as suas pretensões, pois “aquele que invocar um direito cabe fazer a
prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342º/1 do CC). Quando assim não é, tem-se por
ultrapassados os limites da boa fé, caindo-se no abuso do direito, previsto no
artigo 334º do mesmo Código.
VI. Para que o
comportamento do apelado seja reconduzido a litigância de má fé e as
consequências previstas no nº 1 do artigo 456º do CPC, sabendo-se que houve
efectivamente lesões físicas; seria necessário um somatório de evidências
circunstanciais. Não há um entornar do excesso do direito por parte do apelado,
para se chegar a convicção de que, este fez uso indevido dos meios processuais;
e nem se pode subtrair a intenção de locupletamento, só pelo facto de se ter
atido, em documento inidóneo, para reclamar a indemnização.
* * *
Em conferência, os Juízes
desta Secção e Câmara, acordam em nome do povo:
I. RELATÓRIO.
Na Sala do Cível
e Administrativo do Tribunal de Comarca do Lubango, foi decidida a acção
declarativa ordinária de condenação, em que é autor XX, solteiro, de 31 anos de idade, portador do B.I. nº (…), de 25
de Janeiro de 2013, emitido pelo Arquivo Nacional de identificação, portador do
telem. nº (…) e réus:
R1, filho de (…) e de (…), casado,
nascido em 28.06.1978, portador do B.I. nº (…), de 10.02.2017. Agente dos Serviços
de Bombeiros e Protecção Civil da Huila, utente do telemóvel nº (…) e;
R2, Agente da Unidade de Polícia de
Intervenção Rápida da Huila, residente no Bairro (…).
A acção cujos pedidos formulados pelo autor consistem
na condenação dos réus, no pagamento das despesas com o tratamento médico
orçado em Kz. 1.474.500,00 (um milhão e quatrocentos e setenta e quatro mil e
quinhentos), acrescidos de uma indemnização no valor em Kz. 2.000.000,00 (dois
milhões kwanzas) e no pagamento da cirurgia e aquisição de próteses no valor em Kz. 300.000,00 (trezentos mil kwanzas); não foi contestada pelos réus, tendo-se seguido despacho,
ordenando o cumprimento do artigo 484º do CPC (fls. 34).
Proferida Sentença de fls. 46 a 49, que julgou à
revelia, declarou parcialmente provada e condenou os réus.
Notificados os réus da decisão, estes inconformados
com a mesma, vieram interpor o presente recurso de apelação (fls. 75 a 86),
pedindo a revogação da decisão recorrida, absolvição dos pedidos e
ainda a condenação do apelado por litigância de má fé.
Para o efeito os apelantes apresentaram em suma as
seguintes conclusões:
1. O apelante R2 é oficial da Policia Nacional e encontrava-se no dia 13 de Outubro de 2015 em serviço na 5ª Unidade da Polícia de Intervenção Rápida da Huila;
2. Como agente de autoridade e por inerência de funções interveio no conflito, não sendo por isso parte nem sujeito da relação material controvertida;
3. O apelante R1 no dia 13 de Outubro estava na entrada da rua que dá acesso a sua residência, no bairro (…) e o apelado XX é vizinho de um dos apelantes e estava a ser transportado numa viatura Toyota Hilux, conduzida pelo cunhado YY t.c.p. “(…)”;
4. Não é verdade o vertido na Sentença, como estando o apelante ao volante da viatura Toyota Hilux, que transportava o apelado, no dia 13 de outubro de 2015;
5. Os dois carros encontraram-se na rua estreita que dá acesso as suas residências, daí a controvérsia, tendo a briga sido começada pelo apelado XX contra o apelante R1;
6. Os apelantes não contestaram e o Tribunal limitou-se a verificar se a acção estava contestada, quando nem sempre, a não contestação implica confissão dos factos articulados pelo autor;
7. O apelante R2 estava em serviço do Estado e não se convidou a intervenção do Ministério Público nos termos do artigo 20º do CPC, o que constitui uma nulidade, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º, do CPC; e nem foi convidado a constituir advogado;
8. A sentença carece de fundamento pois o apelante R2 em momento algum agrediu o apelado;
9. O apelado fez consulta na Clínica Guiodente, Lda no dia 22 de Dezembro de 2016, 1 ano depois e pagou apenas 3.500,00 (três mil e quinhentos; sendo que é este valor que deveria ser reivindicado aos órgãos policiais;
10. Os valores do orçamento do tratamento constante nos autos não correspondem com a verdade porque os serviços nunca foram prestados e o Tribunal ao não apreciar esta matéria, constitui nulidade, nos termos do nº 1 da alínea d) do artigo 668º do CPC;
11. O apelado quis enganar o Tribunal para tirar proveito ilícito a custas dos apelantes, o que configura litigância de má fé e;
12.
O Tribunal condenou parcialmente
os apelantes no pedido, invocando o artigo 284º do CPC, que trata como e quando cessa a suspensão,
tornando mais confuso ainda, o fundamento da decisão para além de que, o termo
parcialmente não limita a quantidade nem a qualidade da matéria do pedido a que
se pretendia condenar os apelantes, constituindo, desta maneira, uma nulidade
de Sentença, previstas na alínea c), do nº 1 do artigo 668º, do CPC.
Na ocasião juntaram oficio do Comando da Policia Nacional
na Huila, escala de serviço e correspondência da Clínica de medicina dentária
(doc.87 a 91).
Admitido o recurso foi ordenada a subida dos autos
a este Tribunal (fls. 92), tendo as partes sido notificadas, conforme certidões
de fls. 95 e 96, 105 e 106.
Entregues os
autos nesta instância de Recurso e feita a revisão (fls. 116), com as notas
nele insertas, foi proferido despacho, nos termos do artigo 701º do CPC,
admitindo-se o recurso, como sendo o próprio (fls. 117).
Notificado o
apelado, veio este contra-alegar, concluindo em suma no seguinte:
1.
O Tribunal a quo tomou a decisão, mais acertada e favorável e que melhor se adequa
a ele e as partes são legítimas;
2.
Que não há ilegitimidade das partes
e que elas em tempo devido e tempestivo foram citadas para o contraditório só
não o tendo feito por alegado desconhecimento;
3.
Que os apelantes sejam condenados
nos termos da decisão recorrida.
Juntou
fotografias, Título de Alta, Relatório Médico e Orçamento.
Aberto o termo
de vista ao Mº Pº, este veio, fazer uma breve incursão sobre o justo
impedimento, o princípio do contraditório e uma apreciação do decidido, como se
pode ver em fls. 134 a 137, deixando completamente marginal o dever legal que
decorre do nº 1 do artigo 707º do CPC; o que não nos parece irrelevante, fazer
nota, dada a qualidade em que intervém nos presentes autos e a razão porque é
aberto o termo.
Posto isso,
seguiram-se os sucessivos vistos legais aos Juízes adjuntos (fls. 140/v).
II. FUNDAMENTAÇÃO
Contendo a
sentença, todos os factos alegados pelo autor, na sua petição inicial, extraímos
dela como fundamentos cruciais em que assentou a decisão o seguinte:
1.
O Tribunal deu por
provado por confissão nos termos do artigo 484º, nº 2 do CPC, todos os factos
alegados pelo autor na sua petição inicial e;
2.
Deu ainda por
reproduzidos todos os documentos juntos ao processo. (fls. 48)
III. OBJECTO DO RECURSO
Face as conclusões apresentadas pelos apelantes, que delimitam o objecto do
recurso (para além das excepções de conhecimento oficioso), que decorrem do
disposto nos artigos 660º, 664º, 684º nº 3 e 690º nº1, todos do Código de Processo
Civil; emergem como questões a apreciar e decidir, em sede do presente recurso,
as seguintes:
1.
Se há nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação;
2.
Se há factos, donde resulta a obrigação dos apelantes no pagamento a favor
do apelado, XX em:
a)
Kz. 1.474.500, referentes ao tratamento do apelado,
b) Kz. 300.000,00
(trezentos mil), referentes a cirurgia e aquisição de próteses e;
c)
Kz. 2.000.000,00 (dois milhões) de indemnização.
3.
Se do comportamento do apelado resulta a responsabilidade por litigância de
má-fé.
* * *
Atentemos as
questões suscitadas em recurso, sem antes, debruçarmo-nos de forma breve, sobre
as seguintes, não menos importantes;
IV Questões prévias:
i.
As pessoas quer sejam
físicas ou jurídicas que intervenham como partes no processo devem ser
suficientemente identificadas nos autos, por todos os sinais como sejam nome,
profissão, nº do B.I., morada, sede habitual ou ocasional ou qualquer outro
elemento de distinção, tal como resulta do artigo 467º nº 1 alínea a) do CPC.
Na decisão recorrida não foi devidamente cuidada a identificação das
partes, mesmo entendendo-se que no processo, elas são as que nela figuram;
ainda assim, as sentenças são peças capazes de “voar” para fora do processo,
por isso devem trazer consigo a certeza de quem sejam as partes.
Se é verdade que os
autos podem conter todos os elementos de identificação para onde podem ser
remetidos; a sentença deve ser autossuficiente na identificação dos sujeitos
processuais, a semelhança do que ocorre com qualquer termo, a luz do artigo 163º
do CPC.
Verificando-se a falta ou
insuficiência de identificação na petição inicial, deveria a Mmª. Juíza no
âmbito do poder de disciplina e condução do processo, convidar a parte a
completar ou corrigir as insuficiências ou falta. Tal necessidade se impõe para
evitar-se qualquer eventual homonímia e se saiba com certeza, de que sujeito se
referem os autos;
ii.
Em fls. 34 dos autos consta o
despacho da Mmª. Juíza cujo teor é: “…cumpra-se
com o art. 484º do CPC” (o itálico é nosso).
Notificado o autor, nos
precisos termos do despacho, no dia 28 de Junho de 2018, conforme certidão de
fls. 37, veio este juntar alegações (fls. 39, 40 e 41).
Em 11 de Julho de 2019,
isto é, um ano depois, veio o autor reclamar da morosidade do processo (fls. 43
e 44), tendo de seguida o mesmo sido concluso a magistrada, que proferiu a
sentença ora impugnada (fls. 46 a 49).
No entanto, não sendo de
ignorar, o nível de pendência na primeira instância, que pode em certas
situações protelar a proferição de decisões, nos processos; o certo é que há
espectativas na realização da justiça, que só podem ser acauteladas, com a
pronta resolução dos casos, que são submetidos ao Tribunal, daí ser obrigação
do Juiz proferir decisões atempadas, tanto quanto possível.
O despacho que ordena o
cumprimento do artigo 484º de fls. 34, não foi notificado aos apelados, que já
haviam constituído advogado, conforme se vê em fls. 23. E disso, atento ao que dispõe
o número 2, resulta uma violação ao princípio do contraditório, previsto no
número 1 do artigo 3º do CPC; que embora tal não tenha sido suscitado, todavia,
é relevante fazer nota, que aquele artigo contém dois números, cujos comandos
diferem, nos seus efeitos.
No número 1º, a confissão,
cominação semi-plena, da revelia absoluta, por não contestação e o 2º, que
impõe o exercício do contraditório, nesta fase, atento a tramitação anómala, e
só depois disso então, o Juiz profere sentença.
Contudo, a confissão nem
sequer é automática, porque dependente da verificação ou não das circunstâncias
previstas no artigo 485º do mesmo Código. Isto quer significar, que a Juíza
deveria no despacho, pronunciar-se sobre a existência da confissão, de acordo
com a observância ou não das circunstâncias aludidas, e não se limitar ao “cumpra-se
com o artigo 484º do CPC”,
porque devido aos diferentes efeitos que podem resultar desta norma; não se
pode extrair uma ou outra consequência, sem que para tal haja fundadas razões
casuisticamente identificadas pelo Juiz.
iii.
O có-réu, R2,
mediante requerimento de fls. 55, veio interpor recurso em 04.12.2019 e juntadas
as alegações, foram os autos, mandados subir por despacho da Mmª. Juíza (fls.
92).
Em 27.10.2020, isto é, 4
meses depois; a Mmª. Juíza dá sem efeito o despacho de subida, com o fundamento
de não ter admitido o recurso. E em acto
subsequente, 10 meses depois, veio admitir o recurso ordenando na ocasião, novamente
a subida dos autos (fls. 98 e 103).
Ora, ao vir a Magistrada,
ordenar a subida do recurso e 4 meses depois, dar sem efeito àquele, depois de as
partes terem sido devidamente notificadas, conforme se vê em fls. 95 e 96; e em
outro acto subsequente, proferir o 2º despacho de subida; tal, nos termos em
que é feito, se não é; fica muito próximo de um “disse e não disse”.
As partes vendo-se
confrontadas com esta situação de indefinição de posição, pode criar nelas uma
verdadeiramente instabilidade na tramitação e insegurança do decidido, o que,
os Juízes devem evitar, de todo.
Embora o despacho que
ordena a subida dos autos, seja para regular a tramitação do processo, podendo
assim ser reconduzido ao de mero expediente, a luz do nº 2 do artigo 679º do
CPC; o certo é que o efeito que dai deriva para as partes desencadeia espectativas
legítimas, atento a fase e momento em que o processo se encontra, isto é, fase
terminal ou de esgotamento do Juiz a quo,
quanto a intervenção substancial, na 1ª instância.
O poder de condução do
processo, que é incumbido ao Juiz, por ser o titular da jurisdição, impõe-lhe o
correlato dever de observância do princípio da legalidade e imparcialidade,
para a realização dos fins ao serviço do qual se encontra vinculado,
qual seja: a Justiça.
Os actos e decisões dos
Juízes, podendo deles resultar consequências, quer para o curso normal da
tramitação do processo, como substancialmente para uma ou outra parte, devem
sempre provir de uma maturada ponderação; razão porque, não sendo despiciendo,
chamamos aqui e agora, a oportuna e devida atenção a Mmª. Juíza, da decisão recorrida.
iv.
Quanto a excepção de ilegitimidade
arguida pelo réu R2.
Quem fixa a parte,
contra quem se litiga num determinado processo (salvo, situações laterais de
incidentes de intervenção principal, previstas no artigo 351º e seguintes do
CPC, quando não sejam a priori, fáceis
de descortinar) é quem concebe a acção, olhando para a substância da relação
controvertida, para a posição das partes e aos interesses nela perseguidos.
O facto de ser-se agente
policial e alegadamente encontrar-se em serviço, não afasta de per si a qualidade de parte. Mesmo em
serviço e decorrente da autonomia da vontade, a pessoa não está livre de
praticar actos fora do mandato profissional ou da missão de serviço acometida.
A questão que eventualmente
poderia colocar-se é se mesmo dentro do mandato, poderia praticar excessos e
sendo assim, qual seria a responsabilidade; se individual ou da corporação
policial em que é efectivo?
Ora, sendo certo que o
Estado responde pelos actos dos seus agentes em serviço, nos termos do nº 1 do
artigo 75º da Constituição da República de Angola, sem prejuízo do direito de
regresso; contudo, quer se esteja ou não nas vestes de agente do Estado e em
serviço deste; a verdade é que não deixaria de ser parte legítima, tendo interesse
em contradizer. Quando muito e usando da
qualidade de agente policial em cumprimento da missão de serviço, poderia
suscitar o incidente de intervenção provocada, nos termos do artigo 356º e
seguintes do CPC.
Assim entendido, tal
como já exaurido em doutrina consagrada, no nosso Código de Processo Civil, no
seu artigo 26º, resulta não estar verificada a ilegitimidade arguida, pelo aqui co-apelante,
R2.
***
Posto isto,
adentremos no objecto do recurso, que resulta das conclusões dos apelantes.
1.
Quanto a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação.
Os recorrentes alegam terem sido condenados nos termos em que foram, sem
que da decisão se perceba a delimitação da condenação parcial, no pedido e nem a
determinação do quantitativo, havendo falta de apreciação da matéria de fundo,
o que torna confusa a decisão e em consequência nula.
Sobre a não
indicação ou descrição dos factos confessados.
A Mmª. Juíza, depois
de transcrever no relatório da sentença todos os factos alegados pelo autor, na
sua petição inicial, ancorou a sua decisão, no seguinte (que por revelar-se
útil, a uma melhor percepção, transcrevemos aqui, em parte a sentença recorrida
de fls. 46 a 49):
“…
Atento o disposto no art. 484º, nº1, do CPC, foram considerados confessados
os factos alegados pelo autor na sua petição inicial.
Damos ainda por reproduzidos todos os documentos juntos ao processo.
A aquele que é judicialmente demandado reconhece a lei o direito de defesa.
De forma a poder exercer tal direito é citado para, querendo, contestar, no
prazo e com os requisitos legalmente fixados para o efeito.
Está, porém, na livre disponibilidade do demandado exercer ou não o direito
que a lei lhe reconhece, sendo certo que a falta de contestação faz a mesma lei
corresponder determinados efeitos jurídicos àquele desfavoráveis, tomando por
confessados os factos articulados pelo autor.
Cabendo ao réu exercer ou não o direito de defesa que lhe é garantido, deve
o mesmo ser esclarecido no acto de citação das consequências da sua falta de
contestação para que possa decidir de forma informada.
Esse esclarecimento foi prestado aos apelados aquando da sua citação, tendo
sido os mesmos advertidos das consequências da sua falta, vide certidões de
fls.17 e 18 dos autos.
Ora, a Aperância da revelia leva a que assuma como verificado nos autos o
quadro factual alegado na petição inicial, deixando de subsistir qualquer
controvérsia acerca do mesmo, limitando-se então o Juiz a decidir conforme for
de direito
Dispõe a jurisprudência que, se a resolução da causa revestir manifesta
simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da
necessária identificação das partes e da fundamentação sumaria do julgado.
Atento aos elementos existentes nos autos, a resolução da causa reveste uma
natureza simples, razão porque se adere aos fundamentos de direito invocados
pelo autor nas suas alegações.
Nestes termos e no mais de direito, digo dou por parcialmente provada a
acção e condeno os réus no pedido.
Custas pelo autor.
Registe e notifique.
Lubango aos 12 de Novembro de 2019” (sic).
* * *
Olhemos então
para os factos e o decidido.
Não tendo a Mmª.
Juíza se debruçado sobre os factos, como alegam os apelantes, que caminho e de
que forma o terá percorrido, para chegar a conclusão de que, só em parte se
prova a acção? E se assim é, como construiu o silogismo em que a conclusão
conduziu a condenação dos apelantes no pedido, tratando-se de uma acção
ordinária, atento ao seu valor e ainda por cima, com vários pedidos?
Da sentença, não
se consegue extrair, em que parte e quantitativo, os apelantes foram condenados.
A Juíza não descrevendo
os factos em que deveria assentar a decisão, socorre-se de uma doutrina “original”
portuguesa aditada no número 3 do artigo 484º do CPC português, sem que, no
entanto, tenha curado tratar qual o critério da simplicidade a aplicar aqui, atento
a natureza das questões suscitadas, como por exemplo: violência a integridade física, em que seria necessário apurar a
sua gravidade, mediante intervenção do direito penal.
E mesmo que aos
olhos de quem decidiu parecesse simples, ainda assim tal simplicidade não
dispensaria, por razões de imparcialidade e objectividade, a indicação dos
factos que se dão por provados por confissão, sendo admissível, que sustentariam
a decisão.
O alegado facto
gerador da indemnização poderia reconduzir-se ao crime de violência a integridade
física, nos termos do Código Penal angolano e sujeito a apuramento. Aqui, não se
estando no âmbito dos direitos disponíveis, olhando para suposta gravidade, nem
a confissão resultante da revelia teria a significação que a Mmª. Juíza atribuiu;
não sendo líquido concluí-la, diante dos elementos nos autos. Aliás nem mesmo em
sede de processo penal, a confissão desacompanhada de outros elementos, equivaleria
de per si a condenação de preceito pela
imputação material dos factos aos apelantes. A verdade é que a imputação da
responsabilidade indemnizatória tem que resultar de apuramentos dos factos, da
sua autoria e sobretudo do nexo de causalidade. O que não parece verificar-se
aqui, se atentarmos ao facto de que o tal pedido de indemnização se baseia num
orçamento feito um ano depois das agressões, quando a esta altura era suposto,
existirem facturas de despesas efectuadas, com o tratamento ou com a aquisição
do que quer, que fosse.
Na revelia, os
efeitos podem variar de cominatório semi-pleno a pleno, dependendo, seja o
processo ordinário ou sumário e sumaríssimo.
Em sede de
processo ordinário, em que nos encontramos, não estando nos autos a contestação,
depois de cumpridas as formalidades de citação, a revelia é operante, cujo
efeito é dar-se por confessados os factos articulados pelo autor.
Porém, o estar-se na revelia operante neste
processo, não é e nem pode significar necessariamente a condenação dos apelados
no pedido, efeito este, automático quando se trate de processo sumário e
sumaríssimo, nos termos dos artigos 784º/2 e 794º/1, todos do CPC., o que não é
o presente caso. E mais, o dar-se por reproduzido todos os documentos, sem os
especificar e descortinar, não passa de um apego a lei do menor esforço. O que é importante não são os documentos em
si, e sim o teor que os mesmos comportam. Para isso era exigível que a Juíza da
causa extraísse dos documentos o que era relevante para a decisão, indicando, tanto
quanto possível, o lugar em que se retirou.
Importa ainda
realçar que a revelia nos termos aqui retratados sujeita o julgador a um maior
dispêndio de esforço de interpretação sobre o emudecimento do réu ou réus e os
factos, segundo as regras das presunções, não devendo, pois, ancorar-se na
simples invocação literal do artigo 484º do CPC, como se fez aqui.
O número 2, última
parte, do referido artigo dispõe: “…em
seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito”.
Ora, diante dos
factos e documentos não era expectável que a julgadora retirasse do “o conforme for de direito”,
necessariamente a condenação dos réus; quando o que nela está ínsito é o dever
de escalpelização dos factos e das normas a eles subsumíveis, para se subtrair
a Justiça dela emergente (o itálico e sublinhado é nosso).
A simples
invocação da confissão, não tem a significação de cominação, no sentido de,
dele resultar necessariamente consequências jurídicas ou de outra espécie para
os réus ou dito doutro modo, não é sinónimo de uma “seca” condenação, tratando-se,
pois, de uma acção declarativa ordinária.
O Juiz não deve
fazer da norma referida, uma almofada “adormecedora”, para não mais dissecar os
factos e encontrar o amparo dos mesmos no direito.
Se o esmero é
exigível em todas as circunstâncias de julgamento; por maioria de razão é aqui,
onde mais se impõe do julgador a razão do direito, sobre o sentido da sua
decisão.
Para além de não
ser exigível aos apelantes, a indemnização a favor do apelado, nos termos em
que é pedida e decidida, com os fundamentos no orçamento de despesas; a decisão
é contraditória. E esta contradição decorre do facto de a Mmª. Juíza ter dado a
acção parcialmente procedente, sem especificar em que parte; e vir concluir com
a condenação dos apelados, não estando descriminada a porção da condenação e em
que pedidos. Esta imprecisão, dependendo dos interesses de quem a interpreta, poderia
induzir a uma condenação no todo ou em parte do pedido.
Ressalta-se que,
o que há não é uma insuficiência de fundamentação e sim, total falta de
fundamentação. Há falta de análise crítica dos factos, quando a fundamentação é
o corolário do princípio da imparcialidade, do dever ético a que os Juízes
estão adstritos, enquanto “embecados”, no seu múnus judicandi. E isto é de resto, o que decorre da boa
administração da Justiça em nome do povo.
Não basta a
simples invocação de que os factos foram confessados, sendo necessário, a sua
descrição. Pois, é nisso que reside a fundamentação da decisão, como impõe o
artigo 158º do CPC.
As decisões devem
trazer consigo a clareza e precisão. Não devem elas mesmas, criarem mais
desinteligências do que visam resolver. O dar por provado parcialmente a acção
e condenar no pedido, olhando para a pretensão do autor, ora apelado, configura
contradição.
Por tudo que
antecede, não conseguimos descrever doutra forma senão expressar isto: a
Juíza a quo enveredou pelo caminho
mais difícil, para chegar a decisão que tomou, em detrimento do lógico, o que a
torna nula; a luz dos termos conjugados do nº 1 do artigo 158º e da alínea b)
do nº 1 do artigo 668º do CPC.
***
Ora, sendo nula a decisão recorrida pelas razões acima expendidas, atentemos
ao artigo 715º do CPC, que dispõe:
“Embora o Tribunal de recurso declare nula a
sentença proferida na 1ª instância, não deixará de conhecer do objecto da
apelação” (o itálico é nosso).
Sendo assim, olhemos
agora, para os factos e o alegado nos autos:
2.
Se há factos, donde resulta a obrigação dos apelantes no pagamento a favor
do apelado, XX em: Kz. 1.474.500, referente ao tratamento do apelado, Kz. 300.000,00 (trezentos
mil Kwanzas), referente a cirurgia e aquisição de próteses e Kz. 2.000.000,00
(dois milhões kwanzas) de indemnização:
a)
Quanto ao valor em Kz.
1.474.500 (um milhão e quatrocentos e setenta e quatro mil e quinhentos kwanzas),
referente ao tratamento do Apelado.
O apelado invoca
ter tido despesas com o alegado tratamento maxilo-facial a que foi submetido
por causa das lesões causadas pela agressão.
Se é verdade que
o que se deduz das fotos e do relatório médico de fls. 10 e 11 é que terá
havido, pelo menos lesões e intervenção médica; também é verdade que tal terá
ocorrido no Hospital Central do Lubango, Centro Hospitalar Público, não havendo
qualquer prova de despesas feitas nesta instituição sanitária, donde se pudesse
aferir efectivamente as despesas feitas, resultantes das lesões, que se diz terem
sido provocadas pelos apelantes.
O que há na
verdade é a menção do custo da consulta feita no valor em Kz. 3.500,00 (três
mil e quinhentos) e um orçamento emitido pela Clínica Guiodente, a pedido do apelado, cujos actos médicos, ali
descritos nunca foram realizados nem pagos, conforme se extrai do teor do 3 &
do doc. de fls. 90, emitido pela referida clínica, que descreve:
“o paciente XX não mais retornou para quaisquer
consultas ou tratamento clínico de odontologia junto desta Clínica de Medicina
Dentária” (sic).
Não sendo de
ignorar, que sempre haverá despesa e danos colaterais, visíveis e invisíveis numa
situação destas; a pretender-se ver ressarcidas por quem as terá dado causa é
exigível no mínimo a sua demostração. No caso, o que é trazido pelo apelado, em
que se apega para pedir indemnização é um orçamento, que não passa disso mesmo;
emitido pela instituição sanitária em que nem sequer foi o lugar onde se terá
tratado; senão tão só o lugar onde se submeteu à consulta, 1 ano e 2 meses,
depois da ocorrência dos factos; pois a alegada agressão foi em 13.10.2015 e a
consulta 22.12.2016, conforme se pode ver na P.I., no título de alta e
relatório médico (fls. 90, 128 e 129). Diferente
seria se este documento fosse emitido pelo Hospital Central, onde esteve internado;
mesmo sabendo-se que, por esta ser uma unidade hospitalar da rede pública, em
que os pacientes internos estão isentos de pagamento de emolumentos, tornaria
tarefa árdua, dar fé aos gastos que o apelado alega ter feito, para justificar
o ressarcimento, que de todas as formas é contestado pelos apelantes, no que
diz respeito a autoria da causa dos mesmos, e pelo valor que se atribui.
Se o que se prova
nos autos é tão só o valor gasto pela consulta feita na Clínica Guiodente, em
Kz. 3.500,00 (três mil e quinhentos kwanzas), valor realmente desembolsado pelo
apelado, 1 ano e 2 meses depois, do ocorrido, sem que haja outras despesas
efectivamente pagas e demostradas; não é sensatamente esperada, a atitude de
cobrança de um prejuízo não verificado na esfera patrimonial ou outra espécie,
no montante em que se pede.
Da petição do
apelado, não deixa de ser curioso que insista no pagamento das despesas, quando
em momento algum da sua argumentação considera essas despesas como tendo sido
efectivamente pagas. Repetitivamente trata-as como “orçamentadas” e ainda por
cima documenta-as como tal, vindo a Clínica emitente do orçamento, dizer na
correspondência, que o cliente depois de o ter pedido, nunca mais lá retornou
para quaisquer consultas ou tratamento (fls. 90).
Ora, se o
paciente não foi tratado na Clínica que emitiu o orçamento e nem em qualquer
outra, pelo menos, na ausência de outra prova, a ter existido tal tratamento, o
mesmo não foi comprovadamente quantificado. E se não é quantificado, não pode
pedir-se o pagamento do mesmo aos apelantes, nos termos em que o faz.
Como se pode
compreender e chamando a colação os conceitos contabilísticos, uma coisa é
orçamento, que é um valor provável necessário para execução de uma despesa,
calculado a partir de uma estimativa baseada nos preços correntes no mercado; e
outra coisa completamente diferente é o pagamento efectivo de despesas, que
resulta da liquidação, cuja fonte pode ter a ver previamente com o orçamento ou
não e expressa em factura. Entendido doutra forma, falar de orçamento não é
necessariamente a mesma coisa, que pagamento, embora aquele possa conduzir a
este.
A cirurgia até
pode ter sido prescrita pela Clínica Guiodente, aquando da consulta posterior,
como se pode ver em doc. de fls. 11. Contudo, a sua realização não tendo sido
efectivada e nem o seu custo quantificado, não se pode com justeza exigir de
quem pode ter dado causa a ela. Ademais não é de se ignorar que dependendo do
serviço de saúde, em que ocorra, se público ou privado, poderá ser ou não
exigível.
b)
Quanto ao valor em Kz.
2.000.000,00 (dois milhões kwanzas).
Para além do
valor em Kz. 1.474,500 (um milhão e quatrocentos e setenta e quatro mil e
quinhentos kwanzas), o apelante pede também a indemnização em Kz. 2.000.000,00
(dois milhões kwanzas), pelos danos causados a sua integridade física.
Olhando para o
aspecto ensanguentado, retratado nas fotografias e Título de Alta de fls. 127 e
128, não é de ignorar de todo, que tenha existido o evento e facto que justificasse
a intervenção médica cirúrgica capaz de ressarcimento.
Como já nos
referimos, numa acção em que resulta danos físicos, podem estar associados
outros danos colaterais invisíveis cujas consequências podem ser de natureza física,
social estética ou psicológicas, com repercussões não fáceis de quantificar
numericamente. Olhando para este aspecto é de admitir-se que o valor pedido não
seria de desprezar, de todo. Mas, os factos carreados nos autos e a decisão,
não nos dizem se as lesões foram causadas por quem se alega, nem há indicações
de ter havido outro procedimento, em que se tenha provado e condenado os protagonistas
da alegada agressão; já que afinal está-se perante agressões cuja relevância,
consubstanciaria violação a integridade física, previstas no Capítulo II do
Código Penal angolano, que sempre carecem de nexo de causalidade para responsabilização
indemnizatória, nos termos gerais do artigo 483º do CPC. Não se conseguindo extrair aqui
tal nexo, inexiste a obrigação de ressarcimento.
c)
Quanto ao valor em Kz.
300.000,00 (trezentos mil kwanzas)
O apelado, pelas
mesmas razões veio pedir a condenação dos apelantes, neste valor, como sendo
referente a aquisição de duas próteses, superior e inferior.
Embora da
decisão resulte a condenação do pedido, supondo por isso, ganho da acção, a
favor do apelado; todavia, insistimos que a decisão recorrida, não especifica
em que quantitativo, os apelantes foram condenados. E este imbróglio advém do facto
de a Mmª. Juíza, tendo dado parcialmente procedente a acção, acabou, no
entanto, por condenar os apelantes no pedido, não se sabendo em qual dos
pedidos.
Desta forma, a
posição assumida pela julgadora torna árdua a tarefa, se não mesmo impossível de
extrair dela, a decisão a sujeitar aos apelantes.
A existir por
hipótese direito a indemnização neste montante; e não havendo aqui elementos
concludentes para se chegar a este juízo definitivo, esta pretensão não deve, nem
deveria ser provida, por inexistência do correlato dever de reparação por parte
dos apelantes, dada a ausência da descrição de factos, que conduziriam a esta
decisão.
3.
Se do comportamento do apelado, resulta a responsabilidade por litigância
de má-fé e a consequente indeminização a favor dos apelantes.
Os apelantes vêm
pedir, que o apelado seja condenado na indemnização por litigância de má fé,
quer pela sua atuação, como pelos pedidos indevidos formulados.
Contudo, importa
antes realçarmos, que embora este Tribunal possa substituir em situações de clara
omissão ou “mau” julgamento; não tendo a litigância de má fé sido suscitada na
1ª instância e, por conseguinte, não tendo sido objecto de julgamento, no
Tribunal a quo, Qual é atitude do Tribunal de recurso diante deste “dilema”?
Dispõe o artigo
660º /2 do CPC: “O Juiz deve resolver todas
as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação…não pode ocupar-se
senão das questões suscitada pelas partes…”.
Deste preceito
extrai-se, que na actividade judicandi, em
sede de recurso, o Tribunal deve ater-se as conclusões.
Se das
conclusões dos apelantes não se pudesse extrair o objecto do recurso, pois o
Tribunal nesta instância não pode julgar factos ex novos, que não tenham sido suscitados, nem sido objecto de
discussão e decisão que se impugna; a litigância de má fé não teria aqui espaço,
para sobre ela nos debruçarmos.
Ora, o livre
exercício de direitos e autonomia de vontade, quando mal mensurados, dão sempre
azo, a que se ultrapassem os limites da razoabilidade. As partes podendo alegar
e pedirem o que quiserem, estão,
todavia, sujeitos a obrigação de provar as suas pretensões, pois “aquele que invocar um direito cabe fazer a
prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342º/1 do CC). Quando assim não é, tem-se por
ultrapassados os limites da boa fé, caindo-se no abuso do direito, previsto no
artigo 334º do mesmo Código, que dispõe:
“É ilegítimo o exercício de um direito,
quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos
bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Na situação sob
juízo, há sinais de ter havido lesões, de resto, ilustradas pelas imagens fotográficas,
constantes nos autos. O empolamento do direito ou qualificação dos factos, que
se faz, podendo advir de um erro casuístico; não pode, contudo, resultar
automaticamente má fé; se tal não significar, manifesto propósito “ganancioso”
de enriquecer-se sem justa causa e empobrecer outrem, com a exposição pública
desnecessária ou obter vantagens indevidas, por esta via processual. Assim, para
que o comportamento do apelado seja reconduzido a litigância de má fé e as
consequências previstas no nº 1 do artigo 456º do CPC, sabendo-se que houve
efectivamente lesões físicas; seria necessário um somatório de evidências
circunstanciais.
Não resultando tal, desta a situação, não
conseguimos visualizar, um eventual “entornar” do excesso do direito por parte
do apelado, para se chegar a convicção de que, este fez uso indevido dos meios
processuais; e nem se pode subtrair daqui a intenção de locupletamento, só pelo
facto de se ter atido, em documento inidóneo, para reclamar a indemnização.
Assim, não temos
aqui por preenchidos os desencadeantes das consequências previstas no artigo 456º/1
do CPC, ou seja, não se tem por verificada a litigância por má fé, de que
reclamam inoportunamente os apelantes, atento ao momento e lugar em que o
exercitam.
Os processos estão sujeitos as
custas, decorrentes da responsabilidade de quem dá causa a acção ou dela tira
proveito, nos termos combinados do nº 1 do artigo 446º do CPC, e do artigo 1º
Código das Custas judiciais; sendo aqui e em sede de recurso, é de imputar tal
responsabilidade ao apelado em ½, nos termos do artigo 3º nº 2 da Lei nº 9/05,
de 17 de Agosto.
Tudo visto e
ponderado, importa proferir;
V. DECISÃO
Os Juízes da 2ª Secção,
desta Câmara acordam em dar parcial provimento ao presente recurso e em
consequência, anulam a decisão recorrida e absolvem os apelantes dos pedidos;
não havendo lugar a indemnização por litigância de má fé do apelado, a favor
dos apelantes.
Custas pelo apelado nos
termos acima fixados.
Lubango, 20 de Setembro
de 2022
Os Juízes
Desembargadores
Relator: Domingos
Astrigildo Nahanga
1.º Adjunto: Bartolomeu
José Hangalo
2.º Adjunto: Marta Daniel
Marques