Processo
005/2022
Relator
Dr. Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Dr. Bartolomeu José Hangalo
Segundo Adjunto
Dra. Marta Marques
Descritores:
Acórdão. Recurso de Agravo. Providencia Cautelar de Restituição Provisória de Posse. Revogada decisão na parte recorrida
I. Na restituição provisoria da posse o que se pretende é averiguar tão só a perfunctoriedade da prova do direito invocado, pois esta basta-se pela posse anterior, o esbulho e a violência. Só na reivindicação da propriedade se exigirá o título e isto sobre coisas imóveis ou móveis sujeitos a registo, não sendo o caso dos geradores;
II. Se há prova da titularidade, há posse anterior a favor da agravante; se há desapossamento, há esbulho; e se há uso da força, seja de que espécie for, há violência.
Processo
n.º:
05/2022
Relator:
Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data
do acórdão:
27 de Julho de 2022
Votação:
Unanimidade
Meio
processual:
Agravo
Decisão: Revogada
decisão na parte recorrida
Palavras-chaves: Providência
Cautelar, Restituição de Posse; Geradores Caterpillar.
Sumário
do acórdão
I. Na restituição
provisoria da posse o que se pretende é averiguar tão só a perfunctoriedade da
prova do direito invocado, pois esta basta-se pela posse anterior, o esbulho
e a violência.
Só na reivindicação da propriedade se exigirá o título e isto sobre coisas
imóveis ou móveis sujeitos a registo, não sendo o caso dos geradores.
II. Se
há prova da titularidade, há posse anterior a favor da agravante; se há
desapossamento, há esbulho; e se há uso da força, seja de que espécie for, há
violência.
Em conferência, os Juízes
desta Secção e Câmara, acordam em nome do povo:
I. RELATÓRIO.
Na
Sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Comarca do Lubango, a XY, Sociedade
comercial por quotas, com sede no Lubango, Av. Dr. António Agostinho Neto n.º
100, registada sob nº (…), da Conservatória dos Registos predial da Comarca da
Huila e com o nº fiscal nº (…), representada por XW, solteiro, residente no
Bairro (…), na cidade do Lubango, titular do B.I. nº (…), de 5 de Dezembro de
2018; intentou a providencia cautelar de restituição provisória de posse, dos
dois geradores e das chaves do XY, contra:
HD,
solteiro, residente no bairro Comercial nº (…) andar, na cidade do Lubango.
Realizada
audiência de inquirição de testemunhas foi posteriormente proferida sentença, que
julgou parcialmente procedente, e em consequência ordenou a restituição das
chaves do XY e a não restituição dos dois geradores a favor da requerente
Após
notificação feita do teor da sentença, proferida nos autos em fls. 73 a 78, a
requerente inconformada com a decisão veio interpor recurso de agravo (fls. 87),
pedindo seja parcialmente reformada a decisão recorrida, na parte que indefere
a restituição provisória da posse dos geradores, e que sejam os mesmos
restituídos, imediata e incondicionalmente.
Na
ocasião juntou doc. dos geradores e retrato fotográfico de parte do hotel, o
que foi admitido em despacho de fls. 127; tendo para o efeito apresentado as
seguintes conclusões:
1. A
agravante é dona e lídima proprietária dos geradores esbulhados pelo agravado, mediante
uso de meios pesados e várias pessoas com a destruição do tecto da casa de
implantação dos mesmos no hotel;
2. Que
está privada da retenção e fruição de energia eléctrica fornecida pelos seus
geradores, por efeito do esbulho perpetrado pelo agravado, decorrendo elevados
prejuízos morais e patrimoniais na sua esfera, para além de estar a pôr em
causa a integridade e funcionalidade dos geradores, ameaçando seriamente o uso
e usufruto dos referidos geradores pela agravante;
3. Não é verdade o alegado desentendimento entre o agravante e agravado sobre o preço das obras realizadas no hotel infundadamente referido no nº 5 da alínea A, do capitulo III da douta Sentença agravada.
4. Não são verosímeis e não colhem os fundamentos vertidos nos parágrafos 7, 8 e 9 do capitulo IV da douta Sentença.
5. A prova da titularidade dos geradores possuídos pela agravante está revelada em documentos anexos e o esbulho violento da posse é constatável pela forma como foram retirados do local da implantação, pela confissão do agravado e depoimentos das testemunhas.
6. Que
os pressupostos para decretação da providência de restituição provisoria dos geradores
ficaram sobejamente demostrados, nomeadamente a posse, o esbulho e a violência,
bem como perigo que deriva da mora de sua restituição, dado o prejuízo
irreparável na esfera patrimonial da agravante; não assistindo ao agravado qualquer
direito de retenção dos geradores.
Entregues
os autos nesta instância de recurso e feita a revisão, foi proferido despacho
nos termos do artigo 701º do CPC, com as notas nele insertas, admitindo-se o
recurso como sendo o próprio (fls. 148 e 149).
Notificado
o agravado, veio este contra-alegar começando por invocar como questão prévia, o
facto de não lhe terem sido entregue os duplicados bem como as provas que
fundamentam os factos e contra-alegou concluindo em suma no seguinte:
Os
geradores, pertencem a agravante e encontrando-se no seu estaleiro viu-se
obrigado a exercer o direito de retenção, condicionando a entrega dos mesmos, a
restituição dos valores em dívida, resultante das benfeitorias feitas, não
havendo por isso o esbulho e sim intenção da agravante em não restituir os
valores das benfeitorias e;
Que
por se tratar de mero expediente dilatório, e intenção de locupletamento, o
pedido da agravante deve ser negado total provimento, mantendo-se a decisão
recorrida.
Aberta
vista ao MºPº este veio, no seu último parágrafo de fls.163 a 167, expressar o
seguinte:
“Havendo necessidade de se
esclarecer a verdade e tendo em atenção o disposto no artigo 535º do Código de
Processo Civil, segundo o qual, o Tribunal pode, por sua iniciativa ou mediante
sugestão de qualquer das partes, requisitar informações… ou outros documentos
necessários ao esclarecimento da verdade e tal requisição pode ser feita a
organismos oficiais inclusive, o
Ministério Público requer que se oficie o Tribunal a quo no sentido de remeter a esta instância cópia ou certidão ou
informação que ateste a existência das benfeitorias e seu valor”
(sic).
Posto
isso, seguiram-se os vistos legais sucessivos aos Juízes adjuntos (fls. 168/v e
169).
II. FUNDAMENTAÇÃO
Do
rol da matéria de facto em que se fundou perfunctoriamente a decisão em
apreciação, consta a seguinte:
1. A requerente é uma Sociedade Comercial de direito angolano, conforme documentos de fls.33 a 43 dos autos;
2. O prédio urbano objecto do presente procedimento cautelar é um estabelecimento comercial designado XY, localizado na Avenida Dr. Agostinho Neto, cidade do Lubango, província da Huila, e está registada em nome da requerente, conforme documento de fls. 27 a 33;
3. A requerente entrou na posse do referido hotel por meio de entrega judicial no dia 30 de Novembro de 2018, conforme documentos a fls. 65;
4. Em data não especificada, a requerente e o requerido de forma verbal, celebraram um contrato para a execução de obras diversas pelo referido Hotel;
5. No decurso da execução das referidas obras no hotel, as partes desentenderam-se quanto ao montante já gasto pelo requerido para a execução das obras;
6. No presente momento, o hotel
encontra-se encerrado, sem obras a serem executadas, conforme declarações a
fls. 57 a 61 e;
O
Tribunal a quo em relação a parte
recorrida, não deu por provado indiciariamente os seguintes factos:
1. As características e a propriedade dos
2 (dois) geradores industriais, a favor da requerente e;
2. A propriedade e características das
chaves cuja posse se pede a restituição.
III.
OBJECTO DO RECURSO
Face as conclusões apresentadas pela
agravante, que delimitam o objecto do recurso, para além das excepções de
conhecimento oficioso, que decorrem do disposto nos artigos 660º nº 2, 664º, 684º
nº 3 e 690 nº1, todos do Código de Processo Civil; emerge como questão a
apreciar e decidir, em sede do presente recurso, a seguinte:
Se
assiste razão a agravante, XY, quanto a restituição dos 2 (dois) geradores, no
âmbito da presente providência cautelar.
* * *
Atentemos
a questão suscitada em recurso, sem antes, escorrermos brevemente, sobre as seguintes,
não menos importantes;
Questões prévias:
1. Os actos processuais estão sujeitos a disciplina dos prazos legais ou fixados por despacho do Juiz. Sendo assim não é despiciendo referir que a agravante inconformada com a decisão interpôs recurso no dia 06.01.2021, tendo o despacho de admissão sido proferido 3 meses depois, conforme fls. 87 e 127, seguido do despacho do Juiz, cuja notificação às partes, só viria a ocorrer, para a agravante 23 dias depois e para o agravado 3 meses e 13 dias mais tarde (fls. 129 e 132); situação, de todo repreensível; atento ao prazo fixado no nº 1 do artigo 743º do CPC. Nem mesmo a tolerância decorrente de várias vicissitudes, justificaria tanta demora;
2. Os
Juízes no seu munus judicandi
praticam actos (Despachos e Sentenças ou Acórdãos, quando em colectivo), cuja forma
obedece a um ritual descrito pela lei angolana.
No presente processo a
decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz, ora impugnada, a semelhança do
relatório, a parte decisória com a excepção da assinatura foi mecanografada,
conforme se vê em fls. 77 e 78.
Ora, não se tratando de
uma decisão proferida oralmente, em acta e em audiência, tal como prevê o
artigo 157º/3 do Código Civil, situação em que não é exigível manuscrever a
decisão; o Juiz a quo deixou de
cumprir com as formalidades impostas pelo mesmo artigo no seu número 1; ao que
desde já chamamos atenção e correcção para os próximos actos; pois, os Juízes
juram obediência e ao cumprimento da Constituição e da lei, enquanto estiverem sujeitos
as leis e Códigos vigentes em Angola. Isto é o que resulta do nº 1 do artigo
179º da Constituição da República.
Ainda
que não se menospreze a “fertilidade” inovadora que alguns Juízes têm; há, no
entanto, limites inultrapassáveis, enquanto vigorarem as leis e Códigos que
servem de farol a actuação processual; pois diferente de outros ordenamentos
jurídicos, não temos por ora, no nosso processo, assinaturas eletrónicas que
dispensem a manuscrição da decisão.
Aliás, esta é uma questão
que parece fazer sentido chamarmos atenção, se considerarmos que já foi tratada
no Acórdão nº 001/2022-T-Apelação,
de 30 de Julho de 2022, da 1ª Secção desta Câmara; embora se reconheça ser muito
recente, para dela, já se cobrarem efeitos.
3. O
agravado veio reclamar o facto de a notificação ter-lhe sido feita
desacompanhada do que chama de provas com que foi instruído o agravo, fazendo
uma equiparação ao que é imposto pelo artigo 152º do CPC, em relação aos
duplicados.
Sendo certo que os
elementos de prova carreadas nos autos, podem ter a utilidade no contraditório,
porém, diferente do que ocorre no direito português; não é todavia, exigência
legal no nosso ordenamento jurídico, atento ao disposto do invocado artigo 152º
do CPC, angolano, a entrega de documentos ou outros elementos de prova, quando este
se refere tão só aos articulados; ainda que que tal soasse “igualdade de armas”,
isto é também o que resulta do entendimento vertido nas anotações do Prof.
Alberto dos Reis in Código do Processo Civil, anotado Vol. I,
3ª ed. 1948 Reimpressão, Coimbra Editora 2004, quando cita os articulados
como sendo: a petição inicial, contestação, réplica e tréplica,
os tais em que se exige duplicados.
De resto, embora esta
seja uma mera reclamação, continuamos, todavia, na senda em que semelhante
situação, pelo menos em fundamentos, foi retratada no Acórdão nº 008/2022-CIV3, de 22, de Junho,
desta Secção e Câmara, em que fazendo alusão comparativa das normas dos Códigos
de Processo Civil angolano e português, deixa claro a inexigibilidade da
entrega de documentos, porque não fazendo parte das formalidades essenciais de
citação ou notificação nos termos dos artigos 242º e 256º do CPC angolano em
que é jurisdicionalizado o presente caso.
Assim compreendido, não
assiste razão ao agravado, quanto ao direito de receber documentos ou provas da
contraparte, como duplicados ou como acompanhantes destes, pois o artigo
invocado faz mera referência ao número de duplicados, entendidos como sendo o
arrazoado petitório ou os papeis em que estão vertidos os factos carreados pela
contraparte.
4. Outrossim,
aquando da vista do MºPº, veio este requerer que se oficiasse o Tribunal a quo para remeter a esta instância, cópia
ou certidão ou ainda informação que atestasse a existência das benfeitorias e
seu valor, fazendo alusão ao artigo 535º do CPC, cujo comando nele ínsito é: “o Tribunal pode, por sua iniciativa ou
mediante sugestão de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres
técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos
necessários ao esclarecimento da verdade”. (o itálico é nosso).
A este propósito e olhando para a qualidade
em que intervém nestes autos não é despiciendo o facto de vir aqui requer seja
diligenciado junto do Tribunal recorrido, para este remeter os documentos que esclareçam
alguma verdade, pelo seguinte:
i.
Salvo,
doutrina marginal, ao nosso raio de conhecimento, pouco, diga-se; não é de
ignorar, em sede de recurso de agravo com efeito suspensivo e subida nos
próprios autos, atento ao artigo 738º/1/a), que na primeira instância não fica
nada, relacionado com o processo, que não seja tão só os triplicados, ao que a
lei designa “exemplar do articulado”
para as eventuais reformas previstas no artigo 152º/3 do CPC; a não ser que se
baixasse os presentes autos para o cumprimento de tal diligência;
ii.
Mesmo que
por hipótese se viesse a dizer que correm termos naquela instância, o processo
principal, ainda assim este, no rigor, não serviria, para nele se praticarem
actos, para suprir a falta de prova, que só neste poderiam ser praticados; a
não ser que o Juiz da primeira instância praticasse actos “avulsos”;
iii.
Ademais,
em sede de providência cautelar, como é a situação presente, não é vocação do
Tribunal conhecer do mérito da questão, juízo só reservado a acção principal;
iv.
O que se
pretende aqui é tão só a prova perfunctória, que se basta com o juízo de
probabilidade formado, olhando para os elementos testemunhais e/ou documentais
constantes nos autos;
v.
Qualquer
requisição de elementos de prova interessaria unicamente as partes e no momento
apropriado, atento ao disposto nos artigos 302º, aplicado por força do artigo
381º, todos do CPC;
vi.
No
Tribunal de recurso, não sendo o caso de julgamento em primeira instância, não
pode produzir-se factos novos, no sentido de que são desconhecidos pelas partes
e julgador recorrido, sob pena de estar a perverter o julgado e o recorrido em
primeira instância. E pior do que isto, correr o risco de proferir decisão
“surpresa” em relação a todos os sujeitos processuais.
vii.
Aliás,
nesta instância não se está em sede de saber o que é formal ou materialmente
verdade ou inverdade, sobre o que seja invocado pelas partes;
viii.
Não se
conseguindo extrair tal entendimento das normas invocadas; só mesmo uma
“elasticidade” interpretativa chegaria a tanto. Seja qual for o entendimento
que se possa tirar; ainda assim, nos parece um passo muito largo, para o caso
em análise; razão
porque não tendo, ad tempo sido
provido o requerimento do MºPº; é aqui e agora, desatendido pelas razões
expedidas.
* * *
IV. APRECIANDO
Posto isso adentremos na questão suscitada
na providência.
Em
sede de procedimento cautelar, instrumento processual privilegiado para a
protecção eficaz de direitos subjectivos ou de outros interesses juridicamente
relevantes, como é entendido por Geraldes,
António Santos Abrantes, in Temas de reforma do processo civil. III
Vol. 4ª ed. Revista e actualizada, 5. Procedimento cautelar comum, p. 36,
Almedina, o pedido de
reapreciação e revogação da decisão é movida pelo facto de as razões de restituição
dos geradores, em que assentam a posse, esbulho e a violência, não terem sido
atendidas pelo Juiz a quo.
Da
matéria fáctica que foi objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido, não se alcança em lugar algum de toda
narrativa, donde viria resultar a decisão impugnada, a menção do facto de o
agravado ter retirado os geradores do hotel com uso de gruas, destruição do
tecto do lugar em que se encontravam, e sem consentimento nem autorização da
agravante, como verificado ou não verificado, sendo este, um facto relevante, para
daí se retirar a decisão tomada.
Este
facto que consta do requerimento da interposição da providência (artigos. 7 e 8)
e dos depoimentos das testemunhas (fls. 59, 60 e 61), não mereceu qualquer
crítica objectiva, embora na fundamentação da decisão recorrida, o Juiz invoque
que a sentença foi fundada nos depoimentos das testemunhas (III-C fls. 74). Na
verdade, o Juiz passou ao lado em relação a este facto, sobre os geradores,
atendo-se tão só na propriedade, quando no caso, impunha-se saber: quem
removeu os geradores do hotel, como os removeu, e que meios e força utilizou?
Que posição a tomar em relação a este
facto, se provado ou não provado indiciariamente?
Ora,
o julgador no momento da proferição da decisão, só dispunha de documentos
constantes nos autos, das testemunhas, da versão da requerente e da sua convicção
como julgador da providência; não tendo havido lugar ao contraditório.
Da
análise que fazemos sobre este facto crucial, olhando para os indícios
exigíveis na ocasião, é visível através das fotografias, a inexistência da
cobertura dos anexos, onde se alega terem estado os geradores, o que leva a
presumir que, não mais estando lá, houve sim, retirada do tecto e dos geradores
(fls. 26 e 27). E por quem? Por parte do agravado, conforme resulta dos
depoimentos das testemunhas que não foram contraditadas e alínea C) do
requerimento de fls. 68 a 71.
Quanto
a forma da retirada, os geradores foram removidos a força, o que resulta não só
dos meios usados, da forma como logrou este objectivo, destruindo-se o telhado,
como também na falta de consentimento e autorização da proprietária.
Assim,
com este olhar, damos aqui este facto por provado indiciariamente.
E então, em que se funda a decisão impugnada?
O
julgador a quo, depois de fazer um
percurso sobre os pressupostos das providências cautelares, conclui na sua
Sentença (fls. 77), o seguinte:
“Quanto
aos dois geradores industriais, não existindo provas da sua propriedade em nome
da requerente, muito menos das suas características e da posse em nome da
requerente, não se verificam, concomitantemente, os dois outros requisitos de
que depende o procedimento cautelar de restituição provisória da posse”
(o itálico e negrito é nosso).
Como
se retira do silogismo formado pelo julgador é que os pressupostos: posse,
esbulho e violência dependem da titularidade.
Isto é, não se verificando este; inexistem àqueles; ou por outras palavras, não
se verificando o título de propriedade a favor de quem reivindica a
restituição, não se tem por preenchidos aqueles pressupostos exigidos na
providência.
Ora,
sem pretendermos ser exaustivos, na caracterização dos requisitos da
restituição provisória da posse, vamos, todavia, verificar se estão ou não
preenchidos, para justificar a decisão impugnada, atento aos artigos 393º do CPC:
-Posse, como sendo o poder que se manifesta
quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade ou outro direito real (art.1251º C.C.), como de resto, já referido
pelo Juiz a quo;
-Esbulho,
entendendo-se como o acto praticado por quem não sendo proprietário do bem, com
ou sem conhecimento do legítimo dono, se apossa do exercício efectivo dos
direitos de disposição de quem é titular do direito de propriedade. Ou por
outras palavras há um cerceamento na capacidade de uso e de disposição.
-
Violência,
como sendo uso da força ou meios ilícitos que constrangem de alguma forma,
o possuidor primário na sua liberdade e capacidade de uso do bem por si detido
ou na sua vasta esfera de domínio.
Quanto
a isso, atentemos aos seguintes factos e a sua relação com a verosimilhança,
exigível nas providências de restituição provisória de posse:
A). Em relação ao primeiro (posse)
O
julgador a quo não dá por provado a
propriedade dos geradores a favor da requerente e serve-se deste fundamento
para a não restituição; quando o que aqui se pretende é averiguar tão só a
perfunctoriedade da prova do direito invocado, pois a restituição provisória,
basta-se pela posse anterior, o esbulho e a violência. Só na
reivindicação da propriedade se exigirá o título e isto sobre coisas imóveis ou
móveis sujeitos a registo, não sendo o caso dos geradores, embora aqui, conste
nos autos inclusive a titularidade da agravante, documentos juntos com as
alegações, em fls. 106, 107, 108 e 109, que supostamente terão sido vistos pelo
Juiz a
quo, antes de ter ordenado a subida dos autos; o que só vem derrubar a
convicção por ele formada, quando sustenta a não restituição por falta de prova
da titularidade a favor da agravante.
Tratando-se
de uma unidade hoteleira, o ter gerador como fonte alternativa de fornecimento
de energia, para o funcionamento ininterrupto do estabelecimento, não pode ser
ignorado; pois num país que é Angola, em que até ao momento, o fornecimento de
energia tem as dificuldades, por todos conhecidas; o ter-se geradores como
fontes alternativas, chega a ser um facto
de todo inquestionável. Aliás, não é expectável que uma pessoa, na posição de
um “homem médio”, ponha em dúvida, a
titularidade dos geradores a favor do hotel, ainda que no extremo, fosse tão só
presuntivo, que é o que bastava, na providência, não havendo prova contrária.
Ademais,
em requerimento do agravado de fls. 68 a 71, na alínea C), o mesmo reconhece a
propriedade dos geradores como pertença da agravante quando afirma:
“Caso a restituição não ser realizada dentro
do prazo ora estalecido, o aqui representado arroga-se ao direito de reter as
chaves do XY, bem como dos geradores
industriais afectos ao hotel, até que a restituição se efective” (o
negrito e itálico é nosso).
Consta
da Sentença, fls. 75, &6 o seguinte:
“Alega a requerente que, em virtude de
discrepâncias quanto aos valores gastos para a execução das obras, o Requerido
retirou do hotel dois (2) geradores industriais e das chaves do hotel” (o
itálico e negrito é nosso).
Embora,
não se consiga captar nos autos, o vertido na 1ª parte; no entanto, o julgador a quo a contrário do conteúdo da 2ª
parte, segue provando que as imagens do logradouro onde estavam instalados os
geradores, não dão ideia de terem existido e tão pouco as suas características.
Entende o julgador, pela construção lógica, que não poderia haver esbulho sem
objecto.
Ora, se esta era a dúvida que pairava; os
documentos juntos com as alegações só vêm confirmar o contrário. E não
ignoramos que todo o percurso dos autos indica terem existido os geradores, no
hotel.
Dispõe
o nº 3 do artigo 1278º do CC: “é melhor
posse a que for titulada; na falta de título a mais antiga; e se tiverem
igual antiguidade a posse actual” (o negrito é nosso).
A
agravante sempre teve a posse, decorrente do título de propriedade, demostrado
nos autos, e isso mesmo é confirmado pelo próprio agravado e todas as testemunhas
inquiridas; não sendo assim, de todo sustentável a posição vertida no paragrafo
da decisão, cujo teor é: “ora as
referidas imagens não são susceptíveis de, em abstrato, inculcar a ideia de
existência naquele local de geradores, muito menos das características dos
mesmos geradores, portanto, nada provam sobre a existência dos geradores e suas
características” (o itálico é nosso).
Se,
se prova a posse do hotel em relação a requerente, ora agravante, conforme
afirma o Juiz a quo, e ordenada em
consequência disso, a entrega das chaves à agravante; como não provar que os
geradores estavam na sua posse, sendo eles, partes do hotel, no sentido
funcional?
O
Tribunal “a quo” na restituição do hotel,
mesmo com insegurança, nas evidências demostradas, deveria ter ainda assim, presumido
que os bens que lhe estão afectados funcionalmente, também deveriam ser
restituídos, porque, verifica-se de igual modo e em relação a eles, a posse
anterior a favor da requerente. Doutro modo, não se consegue razoavelmente
perceber.
Entendido
deste modo, o pressuposto posse em relação aos geradores está suficientemente
preenchido, a favor da agravante.
B). Em relação ao segundo (esbulho)
O
agravado nesta instância veio alegar a não restituição, dos geradores invocando
o direito de retenção. E no mesmo diapasão veio o MºPº, aquando da sua vista
referenciar, isto mesmo, como sendo uma faculdade usada nos marcos em que são
admitidos, valorando dentre outras coisas, como se retira do seu visto, o
existir um crédito sobre a agravante, resultante das benfeitorias feitas no
hotel.
Embora,
não seja este o lugar e momento para reflectir sobre a questão, porque não foi
suscitado na instância recorrida, e por isso mesmo o Juiz a quo, sensatamente não poderia atentar a isso; não é, todavia,
desvalor referir que a relação de gastos juntada aos autos não pode ser tida
como formalmente relevante, ante a manifesta contradição. Aliás só assim
justifica o requerimento do MºPº solicitando elementos de prova, como já, acima
referido. E mais, a luz do artigo 754º do CC, o direito de retenção só recai
sobre o bem que gera o crédito que se pretende ver pago e não sobre qualquer
outro bem.
O
agravado ao invocar o direito de retenção, sobre os geradores, 1º, está a
reconhecer, se não, a propriedade da agravante, pelo menos a posse desta,
anterior a detenção dos geradores. E daqui suscita uma questão que é saber de
que forma o agravado ingressou na posse dos geradores.
A
alegada posse, do agravado, não tem as características do exercício
correspondente ao direito de propriedade, se não vejamos: o agravado reconhece
não ser titular de qualquer direito sobre os geradores, quando afirma que os mesmos
estão afectos ao hotel. Tal significa, que a mera detenção ou posse precária,
nem sequer resulta da tolerância do titular, considerando a forma em como foram
retirados do hotel.
Aliás,
importa realçar que a referência que é feita pela agravante de que os geradores
foram retirados do lugar e no hotel, onde sempre estiveram, sem o seu conhecimento
nem consentimento, e usando meios pesados, com a remoção do telhado é bem
revelador do pressuposto esbulho, entendendo-se este, como
sendo o acto pelo qual alguém priva
outrem, total ou parcialmente, da posse de uma coisa (Prata, Ana Dicionário Jurídico, 4ª Edição Actualizada
e Aumentada, 2ª Reimpressão da Edição de Março/2005, Direito Civil, Direito
Processual Civil Organização judiciaria, p. 503, Almedina).
Nos
termos em que se reivindica a restituição dos geradores e o modo controvertido
em que se alega ter o agravado entrado na posse, esta não é e nem pode ser tida
como de boa fé e nem pacífica, em sede da presente providência.
Assim
visto, o pressuposto esbulho está de igual modo preenchido.
C). A última questão é saber se houve ou não
violência.
Aqui,
tendo sido alegado pela recorrente que o agravado já tinha sido destituído e provado
nos autos mediante a revogação da procuração que conferia poderes ao agravado, HD
(fls. 25) e não resultando dos autos, com a inquirição feita, prova contrária;
tem que se presumir, verdade a perda da qualidade em que até então actuava, em
nome da agravante.
E
assim sendo qualquer acto por este praticado sobre bens, sem consentimento da proprietária
e nos termos em que foi, constitui violência sobre as coisas que, diga-se, tem
o condão de constranger de algum modo a proprietária.
O
agravado teve que vencer o obstáculo do telhado e paredes, removendo-os, porque
doutra forma não conseguiria retirar os geradores, do local onde estavam
instalados, dado o peso e dimensão dos mesmos.
Visto
doutra forma; se houve violência, como refere a sentença (fls. 77,) em relação
ao imóvel; pelas mesmas razões devem ser restituídos os geradores, sendo bens
móveis e autónomos, dada a sua acessoriedade, como se depreende do artigo 210º
do CC, mas que se encontravam no interior do hotel e importantes para a sua
actividade. Não é possível fraccionar o direito requerido, quando uma e outra
coisa, com a diferença de serem bens de categorias diferentes, há uma Inter-afectação
corporizando para efeitos económicos e funcionais o mesmo bem, qual seja: o
estabelecimento hoteleiro, XY.
Mais, parece-nos que a
convicção do julgador em restituir as chaves do hotel resultou dum ambiente do
quase “disse e não disse” ou pelo
menos, de muita dúvida, se olharmos para o ponto III-A, facto (3), dado
por provado indiciariamente, que diz:
“A
requerente entrou na posse do referido hotel por meio de entrega judicial no
dia 30 de Novembro 2018, conforme documentos a fls.65” e;
Contrário a isso, está o facto de não ter sido
dado por provado indiciariamente o ponto III-B,
facto (2), cujo teor é: “A
propriedade e características das chaves cuja posse se pede a restituição”.
Como
se pode constatar, esta contradição (não sendo aqui relevante, em respeito ao
princípio da proibição da reformatio in
pejus, consagrado no nº 4 do artigo 684º do Código de Processo Civil, onde
dispõe: “os efeitos do julgado, na parte
não recorrida não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela
anulação do processo); só a chamamos aqui à colação, pela justificada
relação no tocante aos geradores,
objectos do presente recurso. Mas, tem que dizer-se, que mesmo diante da
titubeação em reconhecer indiciariamente a posse das chaves e consequentemente
do hotel a favor da agravante; ainda assim, o Juiz acabou e menos mal, por
deferir a restituição das chaves.
O
agravado esteve na posse das chaves por mandato conferido mediante procuração,
nunca houve qualquer violência de apossamento nem intenção manifesta de ficar
com as chaves do imóvel; diferente dos geradores, porque aqui exerceu-se
efectivamente violência sobre coisas, se olharmos para a forma em que foram retirados
do espaço onde estavam instalados.
Estando
o agravado na posse precária dos geradores, dada a qualidade em que os detém e
ainda por cima contra a vontade da proprietária, e demostrado que está nos
autos, por confissão do agravado; a sua acção, nunca poderia ser premiada com a
manutenção da posse, só porque alegadamente não se prova a propriedade a favor
da requerente, ora agravante, quando neste caso, até há prova documentada e
testemunhal.
A
atitude do agravado consistiu em privar totalmente a agravante da posse dos
geradores, constrangendo-a na liberdade e autonomia de vontade e cerceando o
poder de disposição e mantendo a situação de posse contestada. Tendo sido esta posse
precária e obtida sem o consentimento da agravante, com o acto de destruição e remoção
da cobertura dos anexos em que estavam instalados os geradores, mediante
utilização de gruas, como todas as testemunhas foram unânimes em depor; deve
esta acção caracterizar-se como violenta.
Não
é objectivamente percetível, que o julgador da causa não tenha atentado aos
depoimentos das três testemunhas inquiridas na audiência convocada para o
efeito, nomeadamente: testemunha 1, testemunha 2 e testemunha 3. E mais imperceptível
ainda é o facto de nem sequer fazer uma crítica, ao menos desacreditadora, do
valor dos depoimentos das testemunhas inquiridas, para proferir a decisão no
sentido em que foi, em relação aos geradores.
Ademais,
dada a natureza das providências e na ausência do contraditório, em primeira
instancia, o que é a situação presente, o “juízo” do julgador deveria guiar-se
pela presunção da verdade dos factos invocados pela requerente, não se
retirando dos autos, o contrário. De resto, este entendimento resulta do
disposto no artigo 349º do CC, que dispõe: “Presunções são as
ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”
(o itálico é nosso).
Alberto
dos Reis, quanto a isso deixa expresso o seguinte: “o que se espera do Tribunal, no acto jurisdicional da emissão da providência,
é um mero juízo de probabilidade ou verossimilhança quanto ao pretenso direito
do requerente”. (Código de
Processo Civil Anot. Vol. I, 3ª edição 1948, Reimpressão, p. 668, Coimbra Editora
2004).
Se
é verdade que o jugador é livre de fazer a apreciação dos factos e aplicar o
direito; o certo é que esta liberdade deve ter um mínimo de correspondência a
um conjunto de elementos inferíveis, nos autos ou produzidos, na inquirição de testemunhas.
Não
conseguimos, pois, alcançar razoavelmente os fundamentos em que o julgador se
terá ancorado para não deferir a providência, no tocante aos geradores, sendo
que estes, como já referimos estavam dentro do hotel, cujas chaves foram
ordenadas restituição, a favor da agravante.
Decidir
num ou noutro sentido, carece de fundadas razões, extraídas dos documentos
constantes nos autos, dos depoimentos e da experiência do julgador, ainda que
perfunctórias. E se há porventura fundamentos, para o sentido que a decisão
tomou; somos tentados a concluir, que os mesmos seguiram uma lógica enviesada.
Ora,
se há prova da titularidade, há posse anterior a favor da agravante; se há
desapossamento, há esbulho; e se há uso da força, seja de que espécie for, há
violência.
Em
suma, se há este perfilado de pressupostos, nada mais devido, que repor o statu quo ante restituindo-se os dois
geradores Caterpillar modelo Olympian
GEH- 250 e GEP-165 (facturas de fls. 106 e 107, 108 e 109), a sua proprietária,
no caso a XY.
Os
processos estão sujeitos as custas, decorrentes da responsabilidade de quem dá
causa a acção ou dela tira proveito, nos termos combinados do nº 1 do artigo
446º do CPC, e do artigo 1º Código das Custas Judiciais. No caso, e em sede de recurso
e providência cautelar, e tendo havido oposição nesta instância; tal responsabilidade,
deve ser suportada pelo agravado em ½, nos termos conjugados dos artigos 37º do
Código das Custas Judiciais, 3º nº 3 da Lei nº 5-A/21, de 5 de Março e 453º nº1/2ª
parte do Código de Processo Civil.
Chegado
aqui e a luz do nº 1 do artigo 158º e do C.P.C., eis o momento de proferir;
V. DECISÃO
Assim, com os fundamentos acima expendidos,
os Juízes da 2ª Secção desta Câmara acordam em conceder provimento ao presente
recurso, e em consequência revogam a decisão na parte recorrida, devendo-se
restituir os dois geradores de marca Caterpillar. Modelo Olympian GEH-250 e
GEP-165 à Agravante.
Custas
pelo agravado, nos termos acima fixados;
Lubango,
27 de Julho de 2022
Os
Juízes Desembargadores
Relator:
Domingos Astrigildo Nahanga
1.º
Adjunto: Bartolomeu José Hangalo
2.º
Adjunto: Marta Daniel Marques