Processo
016/2022
Relator
Dr. Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Dr. Bartolomeu José Hangalo
Segundo Adjunto
Dra. Marta Marques
Descritores:
Acórdão. Recurso de Agravo. Acção de Reivindicação de Propriedade com Processo Ordinário. Revogado despacho recorrido.
I – O teor das normas, quer do número 3 do artigo 2º da Lei que altera as alçadas, quer os artigos 142º e 462º do CPC comportam regras de aplicação da lei no tempo; sendo que a 2ª parte do número 3 do citado artigo que dispõe: “…excepto quando se trate de causas relativas a bens imoveis, que deverão ser reguladas pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção…” é um regime desviante e exclusivo para as acções relativas aos bens imóveis anteriores a nova lei. O sentido que se alcança na norma é de que deve manter-se o processo na forma ordinária, tal como vinha qualificada inicialmente. A invocação do artigo 462º do CPC, só faz sentido, para as acções posteriores a entrada em vigor da lei nova (Lei 5-A/21, de 5 de Março).
II. O autor no poder livre de accionar o Tribunal tem a liberdade de selectivamente configurar na acção as partes e o objecto que melhor satisfaçam a concretização da sua pretensão em juízo. Mesmo que as excepções dilatórias sejam de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 493º do CPC; e sendo a ilegitimidade uma delas; ainda assim o Juiz só pode conhecê-la se decorrendo da lei ou do negócio se imponha a intervenção de vários interessados, como dispõe o número 1 do artigo 28º do CPC.
ACÓRDÃO
Processo n.º:
016/2022
Relator:
Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data do acórdão:
29 de Junho de 2023
Votação:
Unanimidade
Meio processual:
Agravo
Decisão:
Revogado despacho recorrido
Palavras-chaves:
Acção de reivindicação de propriedade; alteração da forma do processo;
ilegitimidade passiva do réu.
Sumário do acórdão
I – O teor das normas, quer do número 3 do artigo 2º da Lei que altera as
alçadas, quer os artigos 142º e 462º do CPC comportam regras de aplicação da
lei no tempo; sendo que a 2ª parte do número 3 do citado artigo que dispõe: “…excepto quando se trate de causas
relativas a bens imoveis, que deverão ser reguladas pela lei em vigor ao tempo
em que foi instaurada a acção…” é um regime desviante e exclusivo para as
acções relativas aos bens imóveis anteriores a nova lei. O sentido que se
alcança na norma é de que deve manter-se o processo na forma ordinária, tal
como vinha qualificada inicialmente. A invocação do artigo 462º do CPC, só faz
sentido, para as acções posteriores a entrada em vigor da lei nova (Lei 5-A/21,
de 5 de Março).
II. O autor no poder livre de
accionar o Tribunal tem a liberdade de selectivamente configurar na acção as
partes e o objecto que melhor satisfaçam a concretização da sua pretensão em
juízo. Mesmo que as excepções dilatórias sejam de conhecimento oficioso, nos
termos do artigo 493º do CPC; e sendo a ilegitimidade uma delas; ainda assim o
Juiz só pode conhecê-la se decorrendo da lei ou do negócio se imponha a
intervenção de vários interessados, como dispõe o número 1 do artigo 28º do CPC.
Os Juízes desta Câmara reunidos em conferência,
acordam em nome do povo:
I. RELATÓRIO.
Na
sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Comarca do Lubango, Autora A, solteira
maior, de nacionalidade (…), natural da Namíbia- Windhoek, filha de (…) e de (…),
nascida aos 28 de Abril de 1972, titular do Passaporte nº (…), de 23 de Janeiro
de 2017, residente habitualmente em (…), e Autora
B, Solteira maior, natural do Lubango, Província da Huíla, nascida aos 24 de Junho de 1977, portadora do
passaporte (…), de 07 de março de 2005, residente habitualmente na (…), representadas, por C, Divorciada, natural do Lubango e residente
nesta cidade do Lubango, Bairro (…), portadora do B.I nº. (…), de 31 de março
de 2017,
intentaram Acção de Reivindicação de Propriedade com Processo Ordinário,
contra:
O Réu/R; solteiro, natural da
Humpata, residente nesta cidade do Lubango, Bairro (…), titular do B.I n.º (…),
pedindo seja o réu condenado:
a) A reconhecer o direito de propriedade das Autoras, e a entrega livre de pessoas e bens sem encargos, do prédio urbano sito na Av. Dr. António Agostinho Neto, Arco Iris, município do Lubango, com área total de 93.5000 m2, matriz predial n.º 1620, inscrito na Conservatória dos Registos da Comarca da Huíla, sob ficha do prédio nº. 2483 e;
b) A pagar
as custas, procuradoria condigna, dos honorários do Advogado das Autoras a
serem arbitradas na Execução da Sentença.
Em
despacho de fls. 105 foi ordenada a Inspecção sobre o imóvel em litígio, tendo o
conteúdo do seu relatório sido notificada as partes; em consequência vindo as
AA, mediante Requerimento, opor-se ao relatório da Inspecção, discordando do
seu teor. Na ocasião juntaram, Caderneta Predial urbana, ofício, Contrato de
arrendamento, Termo de quitação, Certidão e Escritura pública de Compra e Venda
(fls. 138 a 146).
Em acto subsequente foi o réu notificado para
pronunciar-se sobre o teor do requerimento apresentado pelas autoras (fls. 147,150
e151).
Posteriormente
proferiu-se Despacho-Saneador, (fls. 153 a 155), absolvendo o réu da instância
por ilegitimidade.
Notificadas
as partes, da Sentença e inconformada com a mesma, veio A. interpor recurso de
agravo (fls. 163), juntando a posteriori
as suas alegações, de fls. 171 a 179, concluindo:
Quanto ao despacho saneador:
1. O fundamento da forma do processo que o Tribunal a quo alega, não colhe por incorrecta interpretação e aplicação do n.º 3 do art.º 2º, da lei n.º 5-A/21 de 05 de Março (Lei que altera a actualização das custas judiciais e alçadas dos tribunais); Assim sendo, tratando-se de bens imóveis, nos termos do n.º 3 do artigo 2º da referida lei acima, e artigo. 142º do CPC, a forma correcta do processo, deverá ser regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção e não sumária, como alega o tribunal a quo;
2. Que o Tribunal a quo alega que o agravado não é parte legítima, entendendo que a senhora X, também tem interesse directo em contradizer por ser parte ocupante do imóvel, o que não colhe por violação do princípio do dispositivo, uma vez que a nomeação á acção só pode ser feita pelo réu aqui apelado, cabendo assim a este a legal imposição de nomear á acção, terceiros;
3. É vedada à agravante a possibilidade de nomear um terceiro á acção, mesmo vindo a tomar conhecimento posterior a propositura da acção; assim, o recorrido ao não chamar à acção o terceiro, acarreta com as consequências estabelecidas na lei;
4. Que o recorrido na sua contestação alega que detém a posse de boa-fé do prédio urbano em litígio, sem alegar qualquer outro ocupante, como fundamenta o Tribunal a quo, sendo que, a agravante inconformada com o conteúdo do relatório da inspecção judicial realizada ao imóvel em litígio, juntou aos autos documentos que provam que o proc. n.º 0032/2019-B, que corre no Tribunal a quo, nada tem a ver com o objecto do litígio por serem totalmente distintos, conforme doc. 2, junto aos autos;
5. Logo, não há razões para o Tribunal a quo confundir o objecto do litígio inscrito na Conservatória dos Registos da Comarca da Huíla a favor de Y, sob ficha do prédio n.º 2483, da Matriz predial n.º 1620, com o prédio da Matriz predial n.º 1553, que pertence a W, confiscado pelo Estado, ocupado pela Sra. X. E como resposta ao conteúdo vertido no relatório da inspecção, a agravante provou documentalmente tratar-se de imóveis totalmente distintos, como ilustram as coordenadas geográficas dos croquis de localização, escritura pública, caderneta predial e registo predial;
6. A agravante entende que, dos factos resultam que o agravante é parte legítima na acção, porque tem interesse directo em contradizer, logo a excepção dilatória declarada pelo Tribunal que obsta a que este conheça do mérito da causa, dando lugar a absolvição do réu da instância, improcede por erro na interpretação da lei;
7. A agravante deu entrada da acção de reivindicação de propriedade contra o réu ora agravado, este por sua vez contestou alegando ser único ocupante do imóvel objecto de litígio. Em momento algum foi colocada em causa a legitimidade quer processual, quer substantiva das partes; vindo a ser questionada apenas em sede da sentença;
8. As partes deviam ter tido a oportunidade de se pronunciarem quanto a questão da legitimidade, ademais, em regra ao julgar a acção, o Tribunal a quo, não poderá socorrer-se de factos que as partes não tenham alegado por não integrarem no âmbito do julgamento que lhe foi solicitado;
Terminou pedindo:
a) A
improcedência do presente recurso, e em consequência revogar o douto despacho
proferido pelo Tribunal a quo, por
violação da lei e;
b) Julgar
procedente os pedidos, e em consequência reconhecer a propriedade da Apelante e
ordenar a entrega imediata do imóvel inscrito na Conservatória dos Registos da
Comarca da Huíla, sob ficha do prédio n.º 2483, atriz n.º 1620, livre de
pessoas e bens e de qualquer encargo.
Entregues os autos nesta instância e feita a
revisão proferiu-se despacho nos termos do artigo 701º do CPC, admitindo-se o
recurso como sendo o próprio e com o efeito atribuído.
Notificado
o recorrido das alegações, por efeito do despacho de fls. 195, veio este
contra-alegar (fls. 199 a 202), em suma, nos termos e fundamentos seguintes:
1. O recorrido detém a posse do referido prédio rústico desde 1976, altura em que o proprietário abandonou o país; e inglória foi a tentativa da recorrente, uma vez que o prédio rústico sobre o qual o recorrido exerce a posse é distinto daquele que a recorrente reclama, conforme provado pelo Tribunal;
2. A recorrente, não apresenta conclusões, formulando somente pedidos como se tratando de uma contestação, em desconformidade ao preceituado no n.º 2 do artigo 690º do CPC, cuja consequência é o não conhecimento do recurso;
3. Os argumentos usados pela recorrente são contrários aos factos provados e são desprovidos de fundamentação idónea;
4. A recorrente pretende desvalorizar o relatório da Inspecção Judicial, que prova que a recorrente no proc. n.º 0032/19- B, reivindica a propriedade do prédio ocupado pela Sra. X, e que apesar de ter uma Matriz predial distinta, trata-se do mesmo prédio rústico reclamado por ela recorrente, e disto fez prova a douta decisão do Tribunal a quo;
5. Em
conformidade ao conceito de legitimidade trazido pelo art. 26º do CPC, o
recorrido concorda com a decisão do Tribunal a quo, termos em que terá interesse em participar deste processo a
Sra. X, por se tratar de
um prédio rústico misto; ou seja, havendo no presente processo mais de um
possuidor do prédio rústico misto, em nome próprio com interesse em contradizer
a pretensão da autora é manifesto o interesse processual dos autores ocupantes
do referido prédio, artigo 1311º do C. Civil;
Termina
pedindo a manutenção da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Aberta
vista ao MºPº, nos termos do nº1 do art. 752º do CPC, veio este promover, a
improcedência do presente recurso, por falta de observância de formalidades
legais essenciais, das quais resultou vício de nulidade dos actos praticados
(fls. 215 a 218).
Posto isso, seguiram-se os vistos
legais sucessivos aos Juízes adjuntos (fls.219/v e 220).
*
* *
II.
OBJECTO DO RECURSO
Face as conclusões apresentadas pelas
agravantes, que delimitam o objecto do recurso, para além das excepções de
conhecimento oficioso, que decorrem do disposto nos artigos 660º nº 2, 664º,
684º nº 3 e 690 nº1, todos do Código de Processo Civil; emerge como questão a
apreciar e decidir em sede do presente recurso saber se:
O réu é
parte ilegítima na presente acção.
Antes de atentarmos a questão suscitada em
recurso, impõe-se pela sua pertinência escorrermos sobre as seguintes;
QUESTÕES PRÉVIAS:
1. Notificada a autora do despacho-Saneador aos 03 de Novembro de 2021, conforme certidão de fls. 159; veio esta dar entrada do requerimento de interposição de recurso no dia 4 do mesmo mês e ano (fls. 163). Porém, o despacho a pronunciar-se sobre a admissão do recurso só seria proferido pelo Mmº. Juiz aos 12 de Outubro de 2022, como se vê em fls. 183;
2. Importa realçar que no mesmo acto em que se admitiu o recurso ordenou-se a subida do mesmo, para o Tribunal da Relação, tendo-se, por conseguinte notificado em simultâneo as partes, do acto de admissão na mesma altura da subida. Isto é, não houve antes as notificações às partes para efeitos de contagem de prazos para as alegações e/ou contra-alegações como se pode ver em fls. 183 e verso;
3. Embora a agravante tenha juntado aos autos as
alegações 1 mês e 22 dias antes do despacho de admissão, o que só pode ter
acontecido por cautela já que processualmente o agravante só deve apresentá-las
dentro de 8 dias, após notificação do despacho que admite o recurso, nos termos
do número 1 do artigo 734º do CPC; tal anormalidade processual terá certamente
impedido que o agravado pudesse ad tempus
fazer uso da faculdade de contra-alegar, querendo.
4. Os actos processuais estão sujeitos a disciplina dos prazos legais ou fixados por despacho do Juiz. Sendo assim não é despiciendo referir que a agravante inconformada com a decisão interpôs recurso no dia 06.01.2021, tendo o despacho de admissão sido proferido 11 meses depois, conforme fls. 183 e verso, cuja notificação às partes só viria ocorrer, para a agravante 23 dias depois e para o agravado 3 meses e 13 dias mais tarde (fls. 129 e 132); situação, de todo repreensível; atento ao prazo fixado no nº 1 do artigo 743º do CPC. Nem mesmo a tolerância decorrente de várias vicissitudes, justificaria tanta demora;
5. Os Juízes no seu munus judicandi praticam actos (despachos e Sentenças ou Acórdãos,
quando em colectivo), cuja forma obedece a um ritual descrito pela lei
angolana. No presente processo a
decisão ora impugnada proferida pelo Meritíssimo Juiz, a parte decisória com a
excepção da assinatura foi mecanografada, conforme se vê em fls. 155.
Ora, não se tratando de uma decisão proferida oralmente, em acta e em
audiência, tal como prevê o artigo 157º/3 do Código Civil, situação em que não
é exigível manuscrever a decisão; o Mmº. Juiz a quo deixou de cumprir com as formalidades impostas no número 1,
do mesmo artigo; pois, os Juízes juram obediência a Constituição e as leis.
Isto é o que resulta do nº 1 do artigo 179º da Constituição da República. Ainda
que não se menospreze a “fertilidade” inovadora de alguns Juízes; há, no
entanto, limites inultrapassáveis, enquanto vigorarem as leis e Códigos que
servem de farol de actuação processual; pois diferente de outros ordenamentos
jurídicos, não temos por ora, no nosso processo, assinaturas eletrónicas que
dispensem a manuscrição da decisão. Ainda que já tenhamos tratado em outros
Acórdãos desta Câmara Aliás, esta é uma questão que parece continuar a fazer
sentido chamarmos atenção.
Quanto a forma atribuída ao presente processo.
A acção deu entrada em juízo em 08 de Outubro
de 2018, segundo termo de fls. 3, com o valor em Kz. 3.000.000,00 (três
milhões), tramitando por este efeito, como uma acção ordinária até a fase do
saneador.
No despacho impugnado, o Tribunal alterou a
forma do processo, para sumário, em suma, com fundamento, de que tendo havido
alteração das alçadas, introduzidas pela Lei nº 5-A/21, de 5 de Março,
conjugado com o artigo 462º do CPC, esta era a forma adequada (fls. 153).
A agravante veio em alegações “insurgir-se”
contra esta alteração da qualificação da acção para sumária, feita pelo
Tribunal, com o fundamento de que a acção é ordinária e que a modificação feita
resulta de uma errada interpretação do número 3 do artigo 2º da Lei 5-A/21, de
5 de Março, e dos artigos 142º e 462/1 ambos do CPC, porém:
a) O que está ínsito no artigo e número da Lei
trazida pela recorrente para sustentar a “insurreição” pela alteração da forma
do processo é o regime da admissibilidade de recursos, cujo fim único é a
preservação das espectativas jurídicas na realização da justiça por via
recursória. Entendido doutra forma, a pretensão de recorrer numa acção relativa
a bens imóveis, que tenha dado entrada em juízo, antes da citada Lei, que
altera as alçadas, não é turbada de modo algum;
b) O teor das normas, quer do número 3 do artigo
2º da Lei que altera as alçadas, quer os artigos 142º e 462º do CPC comportam
regras de aplicação da lei no tempo; sendo que a 2ª parte do número 3 do citado
artigo que dispõe: “…excepto quando se
trate de causas relativas a bens imoveis, que deverão ser reguladas pela lei em
vigor ao tempo em que foi instaurada a acção…” é um regime desviante e exclusivo
para as acções relativas aos bens imóveis anteriores a nova lei. Quer da
leitura que se faz da norma, quer ao espírito contido na doutrina semelhante expendida
em Alberto dos Reis, in Código do Processo Civil, Anotado Vol. II, 3ª ed. 1948,
Reimpressão, Coimbra Ed. 2005, p. 300-302; o sentido que se alcança na norma é de
que deve manter-se o processo na forma ordinária, tal como vinha qualificada
inicialmente e;
c) A invocação do artigo 462º do CPC, só faz
sentido, para as acções posteriores a entrada em vigor da lei nova (Lei 5-A/21,
de 5 de Março).
* * *
III. APRECIANDO
Posto isso debrucemo-nos sobre a questão suscitada em recurso.
O Réu é
parte ilegítima na presente acção?
Quem fixa a
parte, contra quem se litiga num determinado processo, salvo, situações
laterais de incidentes de intervenção principal, previstas no artigo 351º e
seguintes do CPC, quando não sejam a
priori, fáceis de descortinar é quem concebe a acção, olhando para a
substância da relação controvertida, para a posição das partes e aos interesses
nela perseguidos; tal como é exaurido em doutrina consagrada, no nosso Código
de Processo Civil, no seu artigo 26º.
Proferida a decisão, esta veio trazer como
fundamento a ilegitimidade passiva do réu, por não estar outra parte nos autos,
que identificou como sendo X e com isso absolveu àquele da instância.
Inconformada com o decidido, a autora veio
interpor recurso alegando inexistir qualquer ilegitimidade do réu, contra o
conformismo do recorrido que vem nas suas contra-alegações anuir os fundamentos
da decisão recorrida, e pugnando pela sua manutenção.
Na verdade, o que o recorrido, tal
como fundamentado na decisão impugnada, pretende sustentar que há outra
interessada na causa que não foi trazida aos autos, no caso X, por alegadamente esta,
ocupar outra parte do imóvel reivindicado pela recorrente.
No mesmo sentido e com fundamentos diversos
veio o MºPº, aquando da sua vista (fls. 215 a 218) invocar inobservância de
formalidades legais essenciais, alegando para o efeito que o réu é arrendatário
do Instituto Nacional da Habitação e por conseguinte este órgão e o Mº Pº deveriam
ter sido citados para os termos da acção, pois, de contrário a decisão não
produziria efeito em relação ao Instituto.
Aqui importa significar que, quer o Instituto Nacional
de Habitação, quer o MºPº em momento algum deveriam ser citados, pelo facto de
nunca terem figurado como partes na acção. Aliás, o MºPº, só intervém na acção,
representando ou assistindo partes constituídas nos autos. Não sendo assim,
nunca poderia intervir nesta acção, salvo em incidente posterior de intervenção
de terceiro; o que nem sequer se verificou, quando o réu poderia, se quisesse
lançar mão, não estando dependente da fase do processo.
Assim dito, a invocação da violação do número
2 do artigo 200º do CPC, está em desalinhamento com o que defende o MºPº, na
sua vista, por não existir tecnicamente qualquer revelia.
Todavia, sendo certo que na acção podem sempre
intervir terceiros, quer quando chamados à autoria, à demanda, coligando-se com
a partes primitivas, ou ainda como
assistentes, nos termos dos artigos 320º a 358º do CPC., o recorrido em momento
algum anterior accionou o correspondente incidente.
Olhando
para o que foi o desenvolvimento da instância, facilmente se depreende que foi
para o réu uma surpresa, que a sua ilegitimidade tenha sido suscitada oficiosamente
pelo Tribunal, tanto assim é que só no decurso das alegações é que veio apoiar-se
na decisão, quanto a esta questão de ilegitimidade.
Se o
julgador no âmbito do poder do inquisitório deve sindicar a regularidade das
partes, quanto a sua legitimidade, sendo de conhecimento oficioso, por força dos
artigos 288º e 494º e 495º do CPC; no entanto, indicar quem deve ser parte,
contra a vontade da autora, quando esta a excluiu por documentos autênticos,
mostrando inexistir qualquer interesse pela parte ocupada, por quem não figura
na acção e nem sequer a sua intervenção foi suscitada por nenhuma parte; é ir
para além do seu dever de ofício.
Ademais,
as pessoas exercem o seu direito de reivindicar na dimensão que melhor satisfaz
os seus interesses. No âmbito dos direitos disponíveis, as pessoas são livres
de abrir mão, em parte ou no todo, de um direito que detenham, sem que isso
signifique ilegitimidade da pessoa, que detenha a posse de outra parte do bem,
contra a vontade do titular, quando este entenda reivindicá-lo. Por isso o
hipotético litisconsórcio não é o previsto no número 1 do artigo 28º do CPC, porque
não decorrendo da lei, nem de convenção negocial; e nem mesmo do número 2, do
mesmo artigo.
O
autor no poder livre de accionar o Tribunal tem a liberdade de selectivamente
configurar na acção as partes e o objecto que melhor satisfaçam a concretização
da sua pretensão em juízo.
No
entanto, X não é, nem
pode ser parte interessada porque não prejudicada com uma eventual decisão, nos
termos e limites em que a petição é formulada na acção, pelo facto de o direito
por si titulado nunca ter sido posto em causa pela autora. Aliás, basta atentar
nos autos na alínea c) do requerimento de fls. 138 e 139, onde a autora deixa
claro que a parte ocupada por X já tem o direito de titularidade definido, por
escritura pública de compra e venda, instruída com título de arrendamento e que
juntou em fls.141 a 146.
A
autora assume claramente uma posição vincada de exclusão objectiva e subjectiva
da X, em relação a
presente acção. Aliás no âmbito da referida liberdade de disposição das partes,
mesmo que por hipótese não fosse, ainda assim a autora poderia sempre abrir mão
de uma parcela do seu direito detida por alguém, sem que isso significasse
ilegitimidade passiva, decorrente do litisconsórcio necessário para a
prossecução da acção.
Em
definitivo não acolhemos o sentido e os fundamentos vertidos na decisão
recorrida; e as razões podem ser afloradas nos seguintes termos:
1. X, habita o imóvel cuja propriedade era titulada por seu esposo XX, mediante escritura pública de compra e venda emitida em 2010 (fls. 142, 143, 144, 145 e 146);
2. R ocupa o imóvel em litígio, ostentando a qualidade de inquilino, mediante o título de arredamento emitido em 27 de Abril de 2016 (fls.68 e verso);
3. O R sendo a parte objectivamente interessada na decisão definidora de direitos sobre o imóvel em conflito teria interesse processual em chamar à demanda, mediante incidente próprio, quem entendesse com interesse semelhante, o que não o fez. E parece inclusive surpreendido pela decisão fundada na sua ilegitimidade passiva;
4. Em toda fase dos articulados não houve divergência das partes quanto a legitimidade de qualquer uma delas, até se proferir Sentença;
5. Mesmo que as excepções dilatórias sejam de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 493º do CPC; e sendo a ilegitimidade uma delas; ainda assim o Juiz só pode conhecê-la se decorrendo da lei ou do negócio se imponha a intervenção de vários interessados, como dispõe o número 1 do artigo 28º do CPC;
6. Ainda que por hipótese se suscitasse a questão do litisconsórcio necessário passivo; o que não foi em momento algum; impunha-se ter em conta:
a) Os documentos constantes nos autos e da expressa exclusão feita pela autora, em relação a X e;
b) De
quem seriam os interesses a serem potencialmente prejudicados com a decisão que
viesse a ser tomada pelo Tribunal.
Não
conseguimos compreender objectivamente o meio pelo qual terá a decisão
impugnada se apoiado para chegar a tal entendimento, se não tiver sido por mero
lapso de interpretação; porque elementos bastantes, no caso, o requerimento de
fls. 138 e documentos com ele instruído, deixam de forma clara, a falta de
qualquer interesse de X,
na Acção.
Se
por hipótese, parecia nebulosa a questão de se decidir de imediato a legitimidade, no âmbito da sindicância, a luz
da alínea d) do artigo 288º e alínea a) do número 1 do artigo 510º do CPC; não
tendo sequer sido suscitada pelo réu, nos seus articulados; a prudência seria
levar até a final, atento ao número 2 deste artigo, que dispõe o: “ As questões a que se refere a alínea a) do
número 1 só podem deixar de ser
resolvidas no despacho se o estado do processo impossibilitar o juiz de se
pronunciar sobre elas, devendo neste caso justificar a sua abstenção”. E
mesmo neste caso, sublinhe-se, é quando suscitada a ilegitimidade. Nesta
situação, não tendo sido em momento discutida, a decisão acabou por ser
surpresa para todas as partes.
Havendo
potencialmente outra parte, com interesse na acção; esta não é certamente, X, por tudo que consta nos
autos. O Tribunal ao ter absolvido o réu por ilegitimidade, esteve mal posicionado.
Qualquer
posição defendida na decisão recorrida, pelo réu a posteriori e pelo MºPº, dir-se-ia que haveria quando muito, a
preterição do litisconsórcio necessário passivo, suprível mediante incidentes a
que nos referimos acima, havendo nisso interesse.
A
realização da Justiça e definição de direitos, porque visam a paz social;
quando requeridas não devem ser proteladas por questões processualmente
ultrapassáveis, através de incidentes próprios, por acto das partes.
Esta
é a situação em que se justifica remover o estorvo suscitado, para o prosseguimento
normal da acção, não estando verificada a ilegitimidade passiva do réu, que
fundamentou a decisão impugnada.
Os processos estão sujeitos as custas, decorrentes da responsabilidade
de quem dá causa a acção ou dela tira proveito, nos termos combinados do nº 1
do artigo 446º do CPC, e do artigo 1º Código das Custas Judiciais. No caso e,
em sede de recurso, não tendo havido oposição nesta instância, tal
responsabilidade deve ser suportada pelos agravantes nos termos do artigo 446º
nº1/2ª parte do CPC.
Tudo visto e ponderado, eis, o momento de
proferir;
IV. DECISÃO
Nestes termos e fundamentos acima expendidos, os Juízes desta Câmara
acordam em conceder provimento ao presente recurso e, em consequência, revogam
o despacho recorrido e declaram o Agravado, parte legítima, devendo os autos
prosseguir a sua tramitação normal.
Custas pela agravante com a taxa de
justiça fixada em ½.
Registe e notifique.
Lubango 29 de Junho de 2023
Os
Juízes Desembargadores
Relator: Domingos Astrigildo Nahanga
1.º Adjunto: Bartolomeu José Hangalo
2.º Adjunto: Marta Daniel Marques