Processo
001/2023-LAB – H
Relator
Dr. Bartolomeu Hangalo
Primeiro Adjunto
Dra. Marta Ngueve
Segundo Adjunto
Dr. Domingos Nahanga
Descritores:
RECURSO EM MATÉRIA DISCIPLINAR SOB A FORMA SUMÁRIA
ACÓRDÃO
Processo nº 001/2023-LAB – H
Os
Juízes da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da
Relação do Lubango, reunidos em conferência, em nome do povo, acordam:
I
– RELATÓRIO
Na
1ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Comarca de Moçâmedes,
AA, solteiro, maior de idade,
natural de ------, província de ------, residente na cidade de ------, no ------,
no bairro ------, intentou a presente ACÇÃO DE RECURSO EM MATÉRIA DISCIPLINAR
SOB A FORMA SUMÁRIA, que fez seguir contra a empresa BB, com sede em ------, e filial em ------, na ------, na pessoa de
seu representante legal, pedindo a procedência da acção e a declaração da
nulidade do despedimento e, consequentemente, a condenação da Requerida no
pagamento de:
a)
Todos
os salários que deixou de receber;
b)
Os
complementos relativos à indemnização por despedimento ilegal;
c)
Os
encargos processuais;
d)
Compensação
por danos morais no valor de 600 000,00 Kz (Seiscentos Mil Kwanzas);
e)
Honorários
advocatícios no valor de 3 000 000,00 Kz (Três Milhões de Kwanzas).
Para
sustentar o seu pedido, alegou que:
Em
Maio de 2014, celebrou com a Requerida um contrato de trabalho por tempo
indeterminado para exercer a função de agente financeiro e administrativo na
filial de ------, tendo passado a auferir 597 946,00 Kz (Quinhentos e
Noventa e Sete Mil, Novecentos e Quarenta e Seis Kwanzas);
Durante
os mais de sete anos de trabalho para a empresa nunca recebeu uma advertência;
No
dia 30 de Agosto do ano em curso (2021), recebeu um correio electrónico vindo
da sede da empresa que lhe convocava para uma entrevista que seria realizada no
dia 8 de Setembro do mesmo ano;
Por
correio electrónico, o senhor FF solicitou ao Director Adjunto da empresa para
ser autorizado a conduzir pessoalmente o processo disciplinar contra o
Requerente;
O
processo foi pessoalizado e ele prejudicado;
A
entrevista foi realizada por vídeo conferência no dia 8 de Setembro de 2021 e
no dia 13 do mesmo mês foi aplicada a medida de despedimento;
Que
o senhor FF aproveitou para humilhar o trabalhador, dizendo que tinha apenas
cinco minutos para retirar as suas coisas e sair, e informou ainda que se algo
acontecesse com a senhora DD, a BB é uma empresa forte que faria de tudo para
lhe arruinar a vida, terminando por colocar um comunicado na porta da empresa
informando que o senhor CC já não trabalha mais ali, algo vexatório e
desnecessário já que lá trabalhavam apenas duas pessoas – fls. 52-64.
Constituiu
advogado e juntou documentos – fls. 15, 65-71.
Regularmente
citada (fls. 79) a Requerida contestou, defendendo-se por impugnação alegando
que:
Relativamente
à desvinculação do Requerente do quadro de trabalhadores da Requerida, o mesmo
não narra os factos como efectivamente aconteceram;
O
Requerente foi indiciado de ter retirado sem autorização do caixa da empresa
45 000,00 Kz (Quarenta e Cinco Mil Kwanzas) para a compra de três resmas
de papel;
E
também foi indiciado de ter desrespeitado a sua superiora hierárquica;
Em
face disso, instaurou contra o Requerente o respectivo processo disciplinar
para apurar a veracidade dos factos;
No
dia 1 de Setembro de 2021, foi entregue ao Requerente a convocatória com a
descrição detalhada dos factos que lhe estavam a ser imputados, para uma
entrevista agendada para o dia 8 de Setembro de 2021;
A
entrevista foi realizada via Teams (vídeo conferencia) tendo em vista as
medidas de prevenção e controlo da propagação do vírus SARS-Cov-2 e da
Covid-19;
Em
sede de entrevista, o Requerente reconheceu que retirou do caixa da empresa os
45 000,00 Kz (Quarenta e Cinco Mil Kwanzas) para comprar as 3 caixas de
papel e que dirigiu-se de uma forma pouco educada para a sua superiora
hierárquica dizendo que perdeu a consideração que tinha por ela;
No
processo disciplinar concluiu-se que: (i) a sra. ZZ não deu autorização ao
Requerente para retirar dinheiro do caixa e comprar as resmas de papel; (ii) o
Requerente não cumpriu os procedimentos internos da empresa; (iii) o Requerente
apenas efectuou a compra de duas caixas de papel e não três; (iv) o Requerente subtraiu
os valores do caixa para fins inconfessos que constituem fraude às normas e
condutas da Requerida ; (v) o Requerente dirigiu-se à sua superiora hierárquica
dizendo que “não tenho medo de ti, perdi total consideração sobre ti”;
No
âmbito do processo disciplinar ficaram demonstrados os factos acima referidos
tendo por isso sido aplicada a medida disciplinar de despedimento por justa
causa;
O
processo disciplinar cumpriu com os procedimentos estabelecidos na lei;
Ficou
demonstrado que não era exigível à Requerida manter o Requerente ao seu
serviço;
A
conduta do Requerente gerou descontentamento e abalou a confiança que deve
existir entre as partes.
Concluiu
por requerer a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.
Findos
os articulados, foi proferido despacho saneador com especificação e
questionário – fls. 90-95.
O
despacho saneador proferido foi notificado no dia 17 de Março de 2022 apenas à
empresa Requerida – fls. 96.
Depois
da notificação do despacho saneador, foi proferido despacho a ordenador a
notificação das partes para, no prazo de 5 (cinco) dias, juntarem aos autos os
róis de testemunhas.
Na
sequência, no dia 19 de Abril de 2022, a Requerida deu entrada de um
requerimento a reclamar da notificação para apresentar o rol de testemunhas e
concluiu por requerer que não se dê “provimento à notificação para a
apresentação do rol de testemunhas e que seja proferida a decisão”, por
entender, resumidamente, que as acções de recurso em matéria disciplinar não
comportam tal fase, cabendo ao Tribunal decidir findos os articulados – fls.
104-107.
Aberto
termo de conclusão, foram proferidos dois despachos consecutivos, ambos com
data de 11 de Maio de 2022.
O
primeiro, a fls. 109, com o seguinte
teor:
“Na
presente acção especial de Recurso em Matéria Disciplinar, em que é requerida a
empresa BB, foi notificada do despacho saneador, nos termos do nº 2 do art.
511º do CPC, veio, a fls. 103 a 105, reclamar não da especificação e do
questionário, mas, da tramitação do processo, nos termos aí constante.
Importa
referir que o procedimento disciplinar que culminou com o despedimento do
requerente suscitou questões por resolver sob o ponto de vista formal e
material, dando lugar a produção de mais provas no processo.
Sempre
que tal acontece cabe ao juiz, após a fase dos articulados, elaborar o despacho
saneador, seguindo-se ulteriores trâmites do processo sumário de declaração,
conforme dispõe o nº 3 do art. 18º da Lei nº 22-B/92 de 9 de Setembro e ar.
787º por remissão ao art. 511º ambos do CPC. Não sendo esta reclamação sobre a
especificação e o questionário elaborado conforme disposto no art. 511º do CP,
mas, sobre como o Tribunal deve proceder na tramitação do processo, e
considerando-se este um acto supérfluo, nos termos do art. 448º do C.P.C.,
indefere-se a referida reclamação.
Custas
a cargo da requerida que fixo em 1/8 da taxa de justiça, conforme disposto no
art. 38º do Código das Custas Judiciais.
Notifique.”
No
segundo despacho, designada data para audiência de discussão e julgamento que
ficou marcada para o dia 20 de Junho de 2022, pelas 10 horas – fls. 110.
Na
data marcada, aberta a audiência, constatou-se que as partes não se fizeram
acompanhar de testemunhas. Em consequência, a sessão foi adiada para ter lugar
no dia 29 de Julho de 2022, pelas 10 horas.
Por
despacho em acta, foi ordenado que o Cartório notificasse os senhores AZ, DB, o
chefe dos Recursos Humanos, AF e o senhor SV Nova, trabalhador da ------ – fls.
117 e 117 verso.
Foi
em seguida aberto termo de conclusão datado de 27/05/2022 – fls. 136, a seguir
ao qual foi proferido despacho datado de 30 de Junho de 2022, a indeferir e a
ordenar o desentranhamento com a consequente devolução de uma reclamação na
qual a Requerida fez constar que, em caso de não ser atendida, que fosse então
considerada como sendo um recurso de agravo. – fls. 137-141.
Em
seguida, no dia 6 de Julho de 2022, a Requerida deu entrada da reclamação
contra o despacho de indeferimento do recurso.
Cumpridas
as formalidades legais, o Venerando Juiz Presidente do Tribunal da Relação do
Lubango, por despacho datado de 14 de Setembro de 2022, atendeu à reclamação
apresentada e determinou que fosse admitido o recurso e a junção das respectivas
alegações. (fls. 37 a 39 da Reclamação ainda em apenso).
Baixada
a reclamação, no Tribunal “a quo” foi proferido despacho com o seguinte
teor:
“Procedi
à leitura do despacho do Venerando Tribunal da Relação do Lubango, que atendeu
a pretensão do reclamante, admitindo o recurso.
Notifique.”
Depois
de notificadas as partes, a Requerida deu entrada das suas alegações – fls. 179-193.
Depois
de pagas as custas do incidente de recurso, ordenou-se a remessa dos autos ao
Tribunal da Relação do Lubango – fls. 203.
II
– OBJECTO DO RECURSO
II.1
– QUESTÃO PRÉVIA
Sendo
certo que o âmbito e o objecto do recurso são delimitados, para além das meras
razões de direito e das questões de conhecimento oficioso, pelo inserto nas
conclusões das alegações (artigos 660º, nº 2; 684º, nº 3; 690º, nº 1, 713º, nº
2 e 749º, todos do Código de Processo Civil), afigura-se existir, no caso
concreto, questão relacionada com a própria admissão do recurso, que obsta ao
conhecimento do objecto do recurso, ao abrigo do disposto no art. 704º nº 1 c/c
749º do C.P.C.
Foi
omitido o despacho de admissão do recurso.
O
art. 741º do C.P.C., dispõe que: “no despacho que admita o recurso deve declarar-se
se sobe ou não imediatamente e, no primeiro, se sobe nos próprios autos ou em
separado; deve declarar-se ainda o efeito do recurso”.
Na
situação de indeferimento do requerimento de recurso, o Código de Processo
Civil vigente faculta ao recorrente a possibilidade de reclamar para o
presidente do Tribunal que seria competente para conhecer do recurso – nº 1
art. 688º do C.P.C.
Decidida,
a reclamação baixa para ser incorporada no processo principal.
No processo principal, o Juiz
lavrará despacho em conformidade com a decisão superior – art. 689º, nº 3,
C.P.C.
Vejamos então se a Meritíssima Juíza
lavrou despacho em conformidade com a decisão superior.
Já dissemos e assim consta no relatório
que, vendo indeferida a sua pretensão de recorrer, a Requerida reclamou para o
Venerando Juiz Presidente do Tribunal da Relação do Lubango, que atendeu à
reclamação e determinou que fosse admitido o recurso.
Entretanto,
baixados os autos, o Tribunal “a quo”, manteve a reclamação por apenso,
sem qualquer termo de apensação e limitou-se a proferir despacho nos seguintes
termos:
“Procedi
à leitura do despacho do Venerando Tribunal da Relação do Lubango, que atendeu
a pretensão do reclamante, admitindo o recurso.
Notifique.”
O
despacho acabado de transcrever, não configura, seguramente, um despacho de
admissão de recurso, pois não diz de forma inequívoca que está a admitir o
recurso, ainda que em cumprimento da decisão do Juiz Presidente do Tribunal da
Relação.
Tal
irregularidade não pode ser suprida pelo Tribunal de recurso, pois de acordo
com a doutrina e a jurisprudência, os recursos são meios legais para impugnar
decisões e corrigir erros cometidos na decisão judicial. São meios que permitem
provocar a reapreciação das decisões judiciais, configurando-se, pois, como
simples remédios jurídicos destinados a modificar a decisão recorrida e não a
criar novas decisões sobre matérias que não foram objecto de apreciação pelo
Tribunal recorrido, salvo questões de conhecimento oficioso.
A
lei impõe ao Juiz relator, no seu despacho preliminar, verificar se o recurso é
o próprio, se deve manter-se o efeito que lhe foi atribuído e o regime de
subida – art. 701º e 751º do C.P.C.
No
caso concreto destes autos, não é possível verificar se o recurso é o próprio,
se deve manter-se o efeito que lhe foi atribuído ou se deve ser alterado o
regime de subida, já que há uma omissão completa quanto à fixação da espécie de
recurso, à atribuição do efeito e ao regime de subida.
Mais
é de referir que a lei impõe que, depois de admitido o recurso, findos os
prazos concedidos às partes para alegarem, autuadas as alegações do agravante e
do agravado, abre-se termo de conclusão ao Juiz para sustentar o despacho ou
reparar o agravo – art. 744º do C.P.C.
No
caso dos autos, além da omissão do despacho de admissão do recurso e da
ausência de contra-alegações, também foi omitido o despacho de sustentação ou
de reparação.
Depois
de pagas as custas do incidente de recurso, os autos foram remetidos para este
Tribunal da Relação sem a observância das formalidades legais que se impunham
como é o caso de se proferir despacho de admissão do recurso e de sustentação
ou de reparação do agravo, que observassem minimamente o que determinam os
artigos 741º, 744º e seguintes do C.P.C.
A
tramitação do recurso adoptada pela 1ª instância se mostra inquinada pelas
omissões descritas e impõe-se a revogação do despacho que ordenou a remessa dos
autos a este Tribunal e determinar-se que os autos baixem à primeira instância
com vista a cumprir o que dispõem os art. 689º, nº3, 741º, 744º e seguintes do
C.P.C., devendo para o efeito: - incorporar a reclamação no processo principal;
- proferir despacho de admissão do recurso que fixe a sua espécie, declare o
regime e momento de subida e atribua efeito ao recurso; - e, findos os prazos
concedidos para as partes alegarem e contra-alegarem, sustentar ou reparar o
agravo.
III
– DECISÃO
Nestes
termos e por estes fundamentos, os juízes da Câmara do Cível, Administrativo,
Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação do Lubango, reunidos em conferência,
em nome do povo, acordam em não conhecer o recurso interposto e, em
consequência, declaram inválida a remessa dos autos a este Tribunal e determinam
a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para:
-
Incorporar a reclamação no processo principal;
-
Proferir despacho a admitir o recurso, fixando a sua espécie, declarando o
regime, o momento de subida e o efeito;
-
Findo o prazo para as contra-alegações, sustentar ou reparar o gravo.
Sem
custas.
Registe
e notifique.
Lubango,
25 de Abril de 2023
Bartolomeu
Hangalo
Marta
Marques
Domingos
A. Nahanga