Processo
0014/2022-CIV3-T
Relator
Dra. Tânia Pereira Brás
Primeiro Adjunto
Dra. Marilene Camate
Segundo Adjunto
Dr. Lourenço José
Descritores:
Providência Cautelar não Especificada
ACÓRDÃO
PROC. N.º 0014/2022-CIV3-T
Os Juízes da Câmara do Cível, Administrativo,
Trabalho, Família, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação do Lubango,
acordam em nome do Povo:
I.
RELATÓRIO
Na Secção da
Sala do Cível, Administrativo do Tribunal da Comarca de Caconda, AA, empresa de direito angolano, com o
NIF -----,com sede na -------, Rua -----, Casa nº------, registada sob a
matrícula -------, representada pelo seu Director Geral ---------, intentou uma acção de Providência Cautelar
não Especificada contra a empresa RR, com sede em -----, local
desconhecido, porém localizada no município do ------, zona --------, onde tem
instalado um acampamento mineiro, podendo ser notificada por auxilio da
requerente, para tal, os seguintes
fundamentos:
1.
A requerente é detentora do Título de
prospecção e Exploração Mineira nº-----------, DE 15 DE Dezembro, válido até 15
de Dezembro de 2037, para a exploração de ouro no Município do ------, região
do ------- com área de 664,33 km², província da -------, sendo por isso dona e
legítima possuidora do terreno da área de concessão, que era inicialmente detida
por sociedade ZZ, sócia maioritária do consórcio AA, com 60% da quota social.
2.
A criação do consórcio AA foi conferida
através do DECRETO – PRESIDENCIAL nº266/11, de 24 de Outubro, publicado no
Diário da República, Iª Série, nº205, pelo qual foi atribuído á XX, E.P., á ZZ,
EMPREENDIMENTOS, S.A e ainda a DD, INDUSTRIA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, S.A., que
apontava a autorização para uma parceria público - privada com vista a efectuarem a prospecção,
pesquisa, reconhecimento, exploração e comercialização de ouro.
3.
Começou a desenvolver a actividade
mineira, estabelecendo uma parceria com a TT, como operadora da mina, mediante
o Contrato de partilha de produção.
4.
Deu inicio a actividade de prospecção e
posterior exploração no passado mês de Janeiro de 2022, na região de
Sambassuca, num dos extremos da área da concessão, em parceria com a Empresa
chinesa NN, LDA, tendo para o efeito dado a conhecer as entidades competentes e
elas não só recepcionaram as cartas como também encorajaram a requerente a
prosseguir com a actividade.
5.
No passado dia 16 de Fevereiro de 2022,
enquanto os seus trabalhadores estavam no terreno a iniciar os trabalhos, foram
surpreendidos por um grupo de elementos fardados e armados, pertencentes á
empresa RR, SA, ora requerida, alegando que aquele espaço lhes pertencia.
6.
Que de imediato o pessoal da Requerente se
deslocou até á esquadra da Polícia Nacional, onde apresentou queixa e, após
serem chamados para justificar a sua posição, os referidos elementos da empresa
RR alegaram que possuíam documentos de concessão do espaço. A polícia Nacional
acabou por não resolver o litígio e a ora, Requerida continua instalada no
espaço, á força, exercendo a actividade mineira, na área de concessão da
Requerente.
Termina pedindo que a presente providência
seja provada e procedente por via disso, ser ordenada a suspensão de qualquer
actividade mineira ou quaisquer trabalhos preliminares, nomeadamente, trabalhos
de prospecção geológica, montagem de estaleiro, acampamento e equipamentos de
qualquer natureza e dimensão, a efectuar pela requerida no terreno em causa.
Com a petição inicial juntou
procuração forense e diversos documentos.
Devidamente citada, a Requerida,
contestou a providência, referindo, em síntese:
1.
Que
o ofício do MIREMPET n.--/DNRM-MIREMPET/2022, de 19 de Abril de 2022, atesta a
veracidade e a validade do Título de prospecção nº---/03/03/TP/ANG-MIREMPET/2021,
passado em nome da RR, S.A.
2.
O Titulo de Exploração nº---/12/01/T.E/ANG-MIREMPET/2017,passado
em nome da empresa AA, S.A. (Projecto Chipindo) aos 15 de Dezembro de 2017, já
não é válido, por ter sido redimensionado de acordo com o Despacho Ministerial
n.º159/2020, de 02 de Julho de 2020.
3.
Por fim, alega que o ofício da ANRM nº----/ANRM/GPCA/2022,
de 22 de Abril de 2022, atesta que a área da concessão da RR, S.A, não se
sobrepõe ás coordenadas geográficas que constam no Título de Exploração da AA,
S.A.
Juntou diversos documentos de fls 67
a 93 dos autos.
Continuando a marcha do processo, o
Juiz da causa, deferiu a providência requerida, condenando os requeridos e
requerentes a absterem-se de realizar qualquer actividade no espaço em causa,
até decisão definitiva em sede de acção principal.
Notificadas as partes da decisão,
inconformada, a Requerida interpôs recurso de agravo, admitido nessa espécie
com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo, fls. 122.
Em sede de alegações, o Agravante,
referiu, em síntese as seguintes conclusões:
1.
Que é detentora do Título de
prospecção nº----/03/03/T.P/ANG-MIREMPT/2021, no qual lhe foi outorgado o
direito de prospecção de ouro em área de 355km², no município -----, província ----,
com a validade de cinco anos.
2.
O Título de Prospecção e Exploração
Mineira nº----/12/01/T.E/ANG-MIREMPET/2017, concedido á AA, foi substituído por
outro de mesma numeração e código, mas com redução da área inicialmente
concedida de 664,33 km² para 221 km², nos termos do Despacho Ministerial nº---/2020,
de 02 de Julho de 2020.
3.
Que o MIREMPET, mediante a nota de
esclarecimento nº---/DNRM-MIREMPET/2022, ressaltou a invalidade do Título de
Prospecção e Exploração Mineira outorgado a agravada, em razão do
redimensionamento acima referido e como consequência, a decisão judicial
impugnada incorreu em manifesta contradição.
4.
O ofício nº----/ANRM/GPCA/2022, emitido pela
Agência Nacional de Recursos Minerais, comprovou a inexistência de sobreposição
entre as áreas outorgadas à favor de ambas as partes.
5.
Que o Titulo de Prospecção nº---/03/03/T.P/ANG-MIREMPET/2021,
emitido á favor da RR, tem prazo de validade de 5 anos, de modo de que caso não
se suspenda imediatamente a medida cautelar determinada nos autos, a RR
suportará considerável redução do prazo para a exploração da área concedida, caracterizando
prejuízo grave e de difícil reparação contra si.
Termina pedindo o provimento de
Recurso de Agravo interposto contra a decisão proferida, determinando o
levantamento da providencia cautelar e autorizando a retoma, pela Agravante das
actividades mineiras.
Remetido ao tribunal ad quem, o recurso foi
aceite como o próprio, interposto atempadamente e com legitimidade.
À vista, o Digníssimo Magistrado do
Ministério Público chama atenção para as falhas graves cometidas pelo tribunal
a quo a nível da tramitação processual da providência, bem como ao duplo
decaimento da acção em sentido diverso do pedido.
Termina pedindo ponderação para
garantia do efeito útil da decisão a proferir.
Correram os vistos legais, fls 338 e
339 dos autos.
Tudo visto, cumpre decidir.
II.
OBJECTO
DO RECURSO
Sendo
o objecto do recurso delimitado para além das meras razões de direito e das
questões de conhecimento oficioso, pelas conclusões formuladas pelas partes –
artigos 660.º n.º 2, 664 n.º 3, 684.º e 690.º n.º 1 todos do CPC – emerge como
questão única a apreciar saber se:
Estão ou não reunidos os pressupostos
para procedência da providência cautelar?
QUESTÃO PRÉVIA
Contudo, antes de resolver a única
questão suscitada, importa abordar de forma sucinta, as irregularidades
processuais referidas pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto
desta instância e reiteradas pela nota de revisão de fls 321 dos autos.
Tal abordagem é feita com sentido
didáctico e visa a observância das boas praticas processuais que devem os
tribunais obedecer na tramitação dos processos sob sua alçada.
Com efeito, os presentes autos não
respeitaram o formalismo processual adequado, encontrando-se ausentes
assinaturas, termos, mandados e certidões de notificação que devem acompanhar o
despacho do Juiz.
Outrossim, não houve preocupação com
o rigor e gradual cumprimento das custas e preparos devidos, não tendo sido
elaborada conta à final, ao arrepio do disposto no artigo 76.º do Código das
Custas Judiciais.
Por outro lado, atendendo ao disposto
no artigo 661.º n.º1 CPC, houve excesso de pronúncia do Juiz a quo na decisão, ao condenar ambas as
partes a se absterem de realizar qualquer actividade no espaço em causa.
Com efeito, o pedido da Requerente é
apenas a suspensão da actividade mineira da Requerida.
Ora, o limite da condenação previsto
no artigo mencionado, está em perfeita sintonia com o disposto no artigo 660.º
n.º 2, parte final, do CPC onde refere que o Juiz não pode ocupar-se senão das
questões suscitadas pelas partes.
Trata-se da concretização prática do
principio do dispositivo previsto no artigo 3.º do CPC que na sua concepção clássica e tradicional significava que “o
processo é coisa ou negócio das partes, é uma luta, um duelo entre as partes,
que apenas tem de decorrer segundo certas normas, cumprindo ao juiz arbitrar a
pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o
resultado” - Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”,
Coimbra Editora, 1979, pág. 373.
Contudo, é também a
realização do princípio do contraditório, que na sua atual dimensão positiva
proíbe a prolação de decisões surpresa ao salvaguardar a defesa e,
consequentemente, ao reconhecer às partes o direito de conduzirem activamente o
processo e contribuírem de forma plena para a decisão a ser nele proferida.
Não é despiciendo realçar
que o excesso de pronúncia do Juiz, sendo causa de nulidade da sentença –
artigo 668.º n.º 1 al e) CPC – não serviu de fundamento ao recurso de agravo e,
não sendo tal nulidade de conhecimento oficioso, não pode esta instância de
recurso, porque não arguida pela Agravante, declarar nula a decisão.
Pelo exposto, recomenda-se
de futuro ao tribunal a quo uma actuação pautada pelo integral
cumprimento dos princípios e normas processuais, de custas e demais regras legais
que visam a normal e correcta tramitação do processo, bem como a prolação de
uma decisão justa.
III.
FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
Da
sentença recorrida resultam provados indiciariamente os seguintes factos:
1. No
dia 21 de Dezembro de 2017 a Direcção nacional de Licenciamento e Cadastro
Mineiro realizou a entrega de forma do título de exploração, concedendo a
requerente o exercício da actividade de exploração de ouro, numa área de 664,33
KM2, situada no município de -----, província da -----.
2. Foi
aprovado o pacto social da requerente.
3. Mediante
Diário da Republica a empresa XX- foi autorizada a integrar a parceria público
– privada a ser constituída entre as empresas XX-, ZZ, S.A e a DD, com a
finalidade de efectuar prospecção, pesquisa, reconhecimento, exploração e a
comercialização de ouro.
4. Foi
assinado um contrato de partilha de produção entre as empresas AA, LDA e a
empresa TT.
5. Esclarecimento
por parte da Direcção Nacional de Recursos Minerais sobre o titulo de
prospecção n.º --/03/03/TP/ANG-MIREMPT/2021.
6. No
dia 01 de Março de 2021, o Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás
concedeu um titulo de exploração a requerida n.º --/03/TE/ANG-MIREMPET/2021 a
empresa RR. para prospecção de ouro numa área de 355km2, no município de ---,
província da ---, válido até 01 de Março de 2026.
IV. O DIREITO
Passando
à apreciação da questão objecto do presente recurso, importa verificar o
seguinte:
Estão ou não reunidos os pressupostos
para procedência da providência cautelar?
Os
procedimentos cautelares constituem medidas judiciais preventivas e urgentes
com a finalidade de evitar o “periculum in mora”, ou seja, o perigo de que a
morosidade própria de uma normal acção judicial acabe por inviabilizar, na
prática, o direito de que o requerente da providencia se arroga.
Os
procedimentos cautelares são meios expeditos que têm por fim assegurar os
resultados práticos da acção, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização
de um direito, conciliando, na medida do possível, o interesse da celeridade
com o da ponderação.
Quanto
as providências cautelares não especificadas, analisando os artigos 399.º,
400.º e 401.º todos do C.P.C., terá que se concluir que os requisitos
necessários ao seu decretamento são os seguintes:
1) Que
muito provavelmente exista o direito tido por ameaçado – objecto da acção
declarativa – ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção
constitutiva, já proposta ou a propor;
2) Que
haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou
porque a a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente,
cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;
3) Que
ao caso não caiba nenhuma das providencias tipificadas na lei processual;
4) Que
a providência seja adequada a remover o periculum
in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito
ameaçado;
5) E
que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis
evitar.
No
domínio da prova destes requisitos, basta demonstrar uma mera probabilidade
séria da existência do direito, não se podendo exigir aqui o mesmo grau de
convicção e de certeza jurídica que, naturalmente, se requer na prova dos
fundamentos da acção.
Quanto
ao segundo requisito, é pacifico entre a doutrina e a jurisprudência que não é
toda e qualquer consequência que previsivelmente ocorra antes da decisão
definitiva que pode justificar o decretamento da medida provisória: só lesões
graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade de imporem ao Tribunal,
mediante solicitação do interessado, a tomada de uma decisão que coloque os
seus interesses a coberto da previsível lesão.
Como
refere Abrantes Geraldes, Temas da
Reforma do Processo Civil, III, pág.88 “a
situação de perigo contra a qual se pretende defender o lesado, deve ser
actual, servindo as lesões já ocorridas tão só para melhor se sustentar a
pretensão relativamente à eventual e futura repetição ou continuação. Pode,
assim, bastar a prova de actos preparatórios que permitam prever a ocorrência
de um evento subjectivamente idóneo a prejudicar o direito, do mesmo modo que
não deixam de ser tuteladas situações em que o evento é anunciado por uma série
de elementos de facto ou em que o evento danoso já verificado continua a
produzir efeitos que se prolongam no tempo, agravando o estado de insatisfação”.
Vejamos,
agora, o caso concreto.
Importa
realçar que a causa de pedir assenta em direitos de prospecção e exploração da
actividade mineira, regulados pela Lei n.º 13/11 de 23 de Setembro que aprova o
Código Mineiro.
Quanto
ao primeiro requisito – probabilidade elevada da existência do direito tido por
ameaçado, a requerente funda a sua pretensão no titulo de exploração N.º----/12/01/TE/ANG-MIREMPET/2017
com o Código N.º----/08/61/0/2017, emitido pelo Ministério dos Recursos
Minerais e Petróleos aos 15 de Dezembro de 2017, vide fls 9 e 10 dos autos, que
autoriza a exploração de ouro numa área de seiscentos e sessenta e quatro
virgula trinta e três kilometros quadrados, no município de ----, província ----.
Contudo,
a mesma entidade competente, por meio do despacho n.º ---/2020 de 02 de Julho
de 2020, procedeu ao redimensionamento da área de exploração concedida a
requerente para uma área de duzentos e vinte e um quilómetros quadrados, vide
documentos de fls 74 a 77 dos autos.
Consta
também dos autos, a fls 83, o oficio n.º ---/ANRM/GPCA/2022 da Agência Nacional
de Recursos Minerais, datado de 22 de Abril de 2022, que declara expressamente
não haver sobreposição das coordenadas geográficas que constam dos títulos de
exploração da requerente e da requerida.
Pelo
exposto, refira-se que não se mostra
verificado que, com séria probabilidade, a requerente seja titular do direito
invocado.
Senão,
vejamos.
O
titulo que junta como prova do seu direito ameaçado, foi declarado inválido
pela entidade competente para emissão, sendo certo que a área concedida foi
redimensionada para um espaço menor de exploração.
Tal
procedimento do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos encontra respaldo
legal nos artigos 125.º n.º 3 e 147.º do Código Mineiro.
Mas,
mesmo que assim não se entendesse, afigura-se-nos que o segundo requisito –
fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão final, cause lesão
grave e dificilmente reparável a tal direito - também não se encontra
preenchido.
No
que respeita ao referido requisito legal, a requerente/agravada alega que a
requerida/agravante está a exercer actividade mineira no mesmo espaço que lhe
foi concedido.
Contudo,
por força do redimensionamento que o seu titulo de exploração mineira sofreu e
atendendo ao facto de não haver sobreposição das coordenadas geográficas, como
atesta a Agência Nacional de Recursos Minerais, é provável que a agravada não
sofrerá qualquer prejuízo pela prospecção de ouro que a agravante está a
desenvolver.
Com
efeito, da prova sumária produzida, resulta que a agravante desenvolve a
actividade de prospecção com base num titulo legítimo, emitido pelo organismo de
tutela e numa área distinta da concedida a agravada.
Assim,
a inviabilidade da presente providência é manifesta, impondo-se a alteração da
decisão recorrida.
V. DECISÃO
Nestes termos e fundamentos, acordam
os Juízes desta Câmara, em dar provimento ao recurso e, em consequência,
alterar a decisão recorrida e ordenar a retoma da actividade mineira da
agravante.
Custas pelo agravante – artigo 453.º
C.P.C.
Registe e notifique
Lubango, 16 de Fevereiro de 2023
Os Juízes Desembargadores
Tânia Brás
Marilene Camate
Lourenço José