Processo
0014/2022-TRA1-T
Relator
Dra. Tânia Pereira Brás
Primeiro Adjunto
Dra. Marilene Camate
Segundo Adjunto
Dr. Lourenço José
Descritores:
Conflito Laboral
ACÓRDÃO
PROC. N.º 0014/2022-TRA1-T
Os Juízes da
Câmara do Cível, Administrativo, Trabalho, Família, Fiscal e Aduaneiro do
Tribunal da Relação do Lubango, acordam em nome do Povo:
I. RELATÓRIO
Na 1ª Secção da
Sala do Cível, Administrativo, Família e Trabalho do Tribunal da Comarca do
Lubango, AA, representada pelo Digno Agente do Ministério Publico, solteira de
31 anos de idade, natural ---, residente ---, bairro ----, intentou contra a
empresa RR, representada pelo Sr. X na qualidade de Director Geral, aduzindo, para tal, os seguintes
fundamentos:
1.
A
autora foi admitida ao serviço no mês de Maio de 2014, por meio de um contrato
de trabalho estabelecido entre as partes por tempo indeterminado, exercendo no
princípio uma actividade na qual concorreu, que era a categoria de Apontador
Nível -2 e uma remuneração mensal de kz. 24.300.,00 (Vinte e Quatro Mil e
Trezentos Kuanzas).
2.
Que
4 meses depois de ser admitida passou a exercer outra categoria superior à
dela, de Técnica de Nível-9, mas continuou com a mesma remuneração até o dia do
seu despedimento em 18 de Abril de 2017.
3.
Tendo
trabalhado por mais de 3 anos nesta categoria na qual o salário era de kz.
66.500.00 (Sessenta e Seis Mil e Quinhentos Kuanzas), o que perfaz um total em
dívida de 1,525.238,00 (Um Milhão e Quinhentos e Vinte e Cinco Mil e Duzentos e
Trinta e Oito Kuanzas)
4.
Confirma
que foi despedida por justa causa, pretende apenas que seja compensada pelo seu
despedimento, subsídios e a diferença dos salários.
Termina pedindo a condenação da ré no valor
total de AKZ 1.525.238,00 (Um Milhão, Quinhentos e Vinte e Cinco Mil, Duzentos
e Trinta e Oito Kuanzas), bem como em custas do processo e demais encargos
legais
Juntou documentos de fls 6 à 20 dos autos.
Devidamente citada, a requerida constituiu
advogado e contestou os autos, referindo, em síntese, o seguinte:
1.
A
requerente foi funcionária da requerida desde Maio de 2014 até 18 de Abril de
2017, auferia mensalmente o valor de kzs 24.300,00 (Vinte e Quatro Mil e
Trezentos Kuanzas) e ocupava a categoria de Apontadora de Nível 02 até o seu
despedimento por causas objectivas.
2.
A
requerida não concorda com o facto de a requerente pretender ser compensada
pelo seu despedimento por ter desempenhado uma categoria diferente, o que nunca
ocorreu e que nenhum dos Chefes de Secção ou mesmo Directores da Requerida
podem autorizar promoções.
3.
Que
com base na listagem de rescisões contratuais /2017, compreende-se claramente
que a requerente sempre ocupou a categoria de Apontadora de Nível 02.
Termina pedindo
que julgue inteiramente improcedente a presente acção e consequentemente
absolver-se a requerida integralmente dos pedidos formulados.
Continuando a
marcha do processo, o Juiz da causa proferiu Despacho Saneador com
especificação e questionário, fls. 61 e 62 dos autos.
Foi realizada audiência de discussão e
julgamento, conforme fls. 87 dos autos.
Acto contínuo, o Juiz da causa proferiu
Sentença julgando a acção totalmente
procedente porque provada e em consequência, condenou a requerida no pedido,
folhas 89 a 100.
Notificadas as partes,
por inconformação, a requerida interpôs recurso de apelação, admitido nessa
espécie, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo,
fls 107 dos autos.
Em sede de alegações, o apelante, concluiu o
seguinte:
1.
Na pendência do processo, já havia sido
extinta a personalidade jurídica da requerente e não foi realizada qualquer
habilitação de um terceiro para que ocupasse a posição da mesma, tal como atesta
a al. A) do nº 1 do artigo 284º do C.P.C.
2.
Os factos dados como provados pelo douto
Tribunal “A quo”, são manifestamente
incompatíveis, no sentido que se reserva ao empregador, desde a constituição da
relação jurídico-laboral o direito de fazer variar as condições de trabalho.
3.
É pertinente deixar clarividente e com
franqueza exigida que os factos aduzidos pela requerente não constituem
argumentos que justifiquem a alteração unilateral por parte desta, pois as
partes estabeleceram no contrato de trabalho uma categoria, o que as vincula e
não pode ser posta em causa.
Concluiu, entretanto,
pedindo que deve a douta Sentença do Tribunal A quo ser revogada e substituída com vista a realização de uma
cristalina justiça, fls. 127.
Por seu turno, em contra-alegações a apelada,
representada pelo Ministério Público, pugna pela
manutenção da decisão proferida pelo tribunal A quo, fls 77 a 79 dos autos.
Foi ordenada subida dos autos ao tribunal de
recurso.
II.
DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
Remetidos os autos
ao tribunal ad quem, importa
averiguar se a decisão é susceptível de recurso ordinário, pois, a reapreciação
da decisão pelo Tribunal Superior está condicionada aos requisitos processuais
de admissibilidade.
Dispõe o artigo
292.º da Lei Geral do Trabalho «da
decisão final do juiz pode ser interposto recurso por qualquer uma das partes
litigantes para o Tribunal competente nos termos da lei geral do processo».
Em consonância com
o referido, na ausência de regras processuais laborais de tramitação dos
recursos, aplicam-se, supletivamente, as regras do processo civil.
O artigo 305.º C.P.C estabelece a obrigação de atribuir a toda causa um
valor certo, expresso em moeda legal que será atendido, entre outras questões,
para determinar a relação da causa com a alçada do tribunal.
No caso em apreço, decorre da decisão proferida em 1ª instância que o
valor da causa é o de Um Milhão, Quinhentos e Vinte e Cinco Mil e Trinta e Oito
Kuanzas. – vide fls 89 a 100 dos autos.
Sabendo-se que, por aplicação das regras previstas no artigo 315.º
C.P.C., a competência para fixação do valor da causa cabe ao Tribunal da 1ª
instância e não aos Tribunais Superiores, nos presentes autos, o valor da causa
está definitivamente fixado na quantia acima mencionada.
A Lei ao estipular um valor da causa para todas acções interpostas em
tribunal, pretende que entre outras questões, se regule o direito ao recurso,
como resulta objectivamente do disposto no artigo 678.º do Código do Processo
Civil, ao estatuir que “só admitem recurso ordinário as decisões proferidas
em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre”.
Importa realçar que o facto da parte não se conformar com a decisão judicial,
não lhe confere, só por si, a admissão do recurso independentemente dos
requisitos gerais que a lei exige para essa admissão, devendo o direito ao
recurso ser reservado aos casos em que o valor da causa o permita.
De outro modo, não se
observaria a contenção que o legislador quis salvaguardar no que tange ao
acesso aos Tribunais Superiores e, daí, não resulta qualquer ofensa de
princípios constitucionais.
Senão, vejamos.
A Constituição da
República de Angola não consagra um ilimitado direito de acesso aos Tribunais
Superiores. – vide artigos 29.º e 57.º da C.R.A. – pelo que não é defensável
que os mesmos tenham que se pronunciar, para dirimir conflitos, em todas as
fases do processo ou relativamente a todas as questões que se colocam nos
autos.
A este respeito,
observemos a jurisprudência firmada no
Acórdão do processo n.º 1719/18, de 25 de Julho de 2019 da Câmara do Cível,
Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo onde, relativamente
as normas processuais de admissão de recurso, refere que “considerar tal norma
inconstitucional traria muitas consequências negativas, quer na observância dos
princípios da justiça, da celeridade processual e da economia processual,
princípios transversais que norteiam quer o processo civil quer os processos
constitucionais, quer no modus operandi dos próprios tribunais relativamente ao
andamento de muitos e complexos processos que correm tramites legais”.
Completa, Lopes do Rego in “O direito fundamental de
acessos aos tribunais e a reforma do processo civil, Estudos em homenagem a
Cunha Rodrigues, Vol.I., Coimbra Editora, 2001, pág.764, que as “limitações ao recurso derivam, em última
análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de
serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar
os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões
proferidas pelos restantes tribunais.”
Como referimos, o
legislador tem adoptado, desde há muito, uma política explícita de
racionalização do acesso aos Tribunais Superiores, sendo que só assim se
salvaguardará a certeza e segurança jurídica das decisões proferidas pelo órgão
de soberania do Estado encarregue de julgar, sob pena de estrangular o sistema
judicial com recursos impróprios que prolongam a pendência processual e inibem
a eficácia das decisões proferidas pelos tribunais de primeira instância.
A alçada de um tribunal é
definida como sendo o limite do valor das causas dentro do qual o tribunal
julga sem admissibilidade de recurso ordinário.
A Lei n.º 5-A/21, de 5 de
Março, no artigo 2.º n.º 1, fixa a alçada dos Tribunais de Comarca em Três
Milhões e Oitenta Mil Kuanzas.
Decorre de fls 103 dos autos que a notificação
da sentença recorrida foi feita a Apelante no dia 25 de Agosto de 2021, isto é,
na vigência da actual lei das alçadas, sendo, portanto, aplicável ao caso
concreto, por força do disposto no n.º 4 do artigo 2.º do referido diploma
legal.
Do exposto, resulta
claramente, que o valor da causa fixado em um milhão, quinhentos e vinte e cinco mil e trinta e oito kuanzas
é inferior a alçada do tribunal recorrido e, como tal, está dentro do limite do
qual o Tribunal da Comarca do Lubango julga sem admissibilidade de recurso
ordinário.
Por
tal motivo, o tribunal a quo não
deveria ter admitido o recurso.
Há
que fazê-lo agora.
III.
DISPOSITIVO
Nestes
termos e fundamentos, acordam os Juízes da 1.ª Secção desta Câmara, em negar
provimento ao recurso porque a sentença recorrida está dentro da alçada do
Tribunal da Comarca do Lubango.
Custas
pelo recorrente.
Taxa
de justiça reduzida a 1/3 – art.º 15.º C.C.J.
Registe
e notifique.
Lubango,
14 de Novembro de 2022.
Os Juízes
Desembargadores
Tânia
Brás
Marilene
Camate
Lourenço
José