Processo
0009/2022-CIV1–T
Relator
Dra. Tânia Pereira Brás
Primeiro Adjunto
Dra. Marilene Camate
Segundo Adjunto
Dr. Lourenço José
Descritores:
Declaração de Condenação Com a Forma de Processo Comum Ordinário
ACÓRDÃO
PROC.N.º
0009/2022-CIV1–T
Os Juízes da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro, Trabalho, Família e Justiça Juvenil do Tribunal da Relação do Lubango, acordam em conferência em nome do povo:
I.
RELATÓRIO
Na 1.ª Secção da Sala do
Cível, Administrativo e Trabalho do Tribunal da Comarca de Moçâmedes, A
Sociedade Comercial, AA, sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com
sede na cidade --- e escritórios na Rua ----, nº---, intentou acção declarativa
de condenação com a forma de processo comum ordinário contra o RR, representada
pelo Ministério Público, aduzindo, em síntese, os seguintes fundamentos:
1.
É uma sociedade de construção civil e
obras públicas, exercendo a sua actividade em todo o território nacional.
2.
Que executou obras no valor de AKZ
102.271.920,20 (Cento e dois milhões, duzentos e setenta e um mil, novecentos e
vinte kwanzas e vinte cêntimos) á favor da requerida, nos anos de 2015 e 2016,
com propostas orçamentais devidamente homologadas.
3.
Da proposta nº--- --/2015-----, Construção
de Naves Geminadas em Estrutura Metálica na Unidade da ZZ nº---, no valor de
Akz 97.241.069,51 (Novecentos e sete milhões duzentos e quarenta e um mil e
sessenta e nove kwanzas e cinquenta e um cêntimos), do qual foi liquidado Akz
93.172.320,00 (Noventa e três milhões , cento e setenta e dois mil, trezentos e
vinte kwanzas), ficando assim por liquidar Akz 4.068.748,81,00 (Quatro milhões,
sessenta e oito mil e setecentos e quarenta e oito kwanzas e oitenta e um cêntimos).
4.
Atualizado o valor á taxa de câmbio do BPC
1usd/505, 141 AOA de 28 de Novembro de 2019, o mesmo passou para o valor de Aks
12.905.241,00 (Doze milhões novecentos e cinco mil, duzentos e quarenta e um kwanzas
e quarenta e dois cêntimos).
5.
Da proposta nº---- --/2016----, no valor de Akz 12,433.728,51
(Doze milhões, quatrocentos e trinta e três mil setecentos e vinte e oito kwanzas
e cinquenta e um cêntimos), do qual foi pago o valor de Akz 10.050.955,55 (Dez
milhões, cinquenta mil e novecentos e cinquenta e cinco kwanzas e cinquenta e
cinco cêntimos), ficando por liquidar Akz 2.382.728,96 (Dois milhões, trezentos
e oitenta e dois mil e setecentos e vinte oito kwanzas e cinquenta e cinco
cêntimos)
6.
Com a inflação económica e a oscilação
cambial, de 2016 á 2020, a dívida foi reajustada para Akz 7.557.668,02 (Sete
milhões, quinhentos e cinquenta e sete mil e seiscentos e sessenta e oito kwanzas
e dois cêntimos), de acordo a tabela de câmbio do BPC, de 28 de Novembro de
2019.
7.
Da proposta nº ---- --/--/2016-----,
Província ----, no valor de Akz 55,217.321,60 (Cinquenta e cinco milhões,
duzentos e dezassete mil e trezentos e vinte e um mil e sessenta cêntimos),
pelo facto da requerida não ter liquidado o respectivo valor foi reajustado
para Akz 81.809.010,82 (Oitenta e um milhões, oitocentos e nove mil e dez kwanzas
e oitenta e dois cêntimos).
8.
Com os juros comerciais de 16,2% ao ano,
referentes as propostas nº--/01 e --/---/2016, o valor em dívida totaliza Akz
171/638.330,04(Cento e setenta e um milhões, seiscentos e trinta e oito mil e
trezentos e trinta kwanzas e quatro cêntimos.
9.
Apesar das reiteradas tentativas de
cobrança amistosas por parte da Autora, a Requerida não se dignou em pagar,
mantendo-se assim na qualidade de devedora e na obrigação de satisfazer a
dívida.
Termina pedindo que a
presente acção seja julgada procedente e provada e que a Ré seja condenada a
pagar em Akz 171.638.330,04 (Cento e setenta e um milhões, seiscentos e trinta
e oito mil e trezentos e trinta kwanzas e quatro cêntimos), acrescido de juros
vincendos desde 01 de Janeiro de 2021, e ainda em custas e procuradoria.
Com a petição inicial
juntou procuração forense e diversos documentos.
Devidamente citado, em
representação da Ré, o Ministério Público contestou a acção, referindo, em síntese:
1.
Confirma os factos alegados do articulado
1º ao 16º da petição inicial.
2.
Que a RR, remeteu a XX, uma nota nº99/RR/18
de 26 de Março, confirmando a dívida para efeito de pagamento.
3.
RR,
apela a Autora interagir com a XX, para os reajustes que se impõem quanto aos
pagamentos.
4.
A Ré só não honrou o pagamento da dívida
devido a crise económica que o país atravessa.
5.
O caso reflecte uma situação de
impossibilidade temporária de pagamento e, como tal, o devedor não responde
pela mora no cumprimento.
Concluiu pedindo que a
acção seja julgada improcedente, por não provada e absolver a Ré do pedido
formulado pela Autora.
Continuando a marcha do
processo, o Juiz da causa, marcou data para audiência preparatória a fls. 117
dos autos.
Acto contínuo, proferiu
Despacho Saneador Sentença, julgando a acção parcialmente procedente e
condenando a Ré no pedido, vide fls.139 e 140 dos autos.
Notificadas as partes da
decisão, inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, admitido nessa
espécie com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, fls. 148.
Em sede de alegações, o Apelante,
referiu, em síntese as seguintes conclusões:
1. Que o Tribunal de Comarca de
Moçâmedes, avaliou mal as disposições
mencionadas, tendo se baseado simplesmente na análise documental junta aos
autos, nas declarações prestadas pelas partes, ignorando assim as regras de
Execução Orçamental, que neste caso tem um carácter especial, por se tratar de
um contrato administrativo firmado entre um ente público e um ente particular.
2. E por não se tratar de um
contrato estritamente civil, não se deveria aplicar as regras gerais inerente
aos juros legais do contrato civil propriamente dito.
Termina pedindo a
reapreciação da sentença na parte referente aos juros legais fixados pelo Tribunal
da Comarca de Moçamedes.
Remetido ao tribunal ad quem, o recurso foi
aceite como o próprio, interposto atempadamente e com legitimidade.
À vista, o Digníssimo
Magistrado do Ministério Público pediu o prosseguimento dos autos, por forma a
garantir a transparência e a lisura do processo, vide fls.175/V.
Em sede de contra-alegações
a Apelada, proferiu, as seguintes conclusões:
1.
A sentença recorrida foi julgada com
acerto e perfeita observância dos factos, tendo desacertado na aplicação da lei
quanto aos juros, por ser uma quantia muito inferior ao legalmente determinado.
2.
Deveria o Tribunal da Comarca de Moçamedes
condenar conforme pedido da Autora em primeira instância, a aplicação de juros
de 16,2% ao ano.
Termina pedindo a alteração da decisão,
condenando a Apelante no pagamento de juros vincendos desde 01 de Janeiro de
2021, a taxa de 16.2%.
Correram os vistos
legais, fls191e 192.
Tudo visto, cumpre
decidir.
II.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto
nos artigos 660.º n.º 2, 664.º e 690.º n. º1 todos do Código do Processo Civil,
as conclusões delimitam a esfera de actuação do Tribunal “ad quem”, exercendo
uma função similar à do pedido na petição inicial. Esta delimitação objectiva
da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica
dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o
processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento.
Também não pode este
Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas
porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões
proferidas.
Assim, emergem como
questões a apreciar e decidir, no âmbito do presente recurso, as de saber se:
1.
O Tribunal da Comarca de Moçamedes deveria
ter aplicado as regras especiais de direito administrativo ao contrato
celebrado entre as partes?
2. São
devidos juros legais por incumprimento do contrato?
III.
FUNDAMENTAÇÂO DE FACTO
Da sentença recorrida
resultam provados, por documento e por confissão, os seguintes factos:
1.
O Autor é uma sociedade comercial de direito
angolano que exerce actividade de construção civil e obras públicas em todo
território nacional.
2.
O Réu é uma instituição do Estado ------.
3.
Entre ambos foi celebrado um contrato
escrito de empreitada para construção de infraestruturas para a ZZ n.º ---.
4.
O autor realizou obras de construção de
naves geminadas em estrutura metálica na unidade da ZZ n.º --, orçadas em AKZ
97.241.060,51 (Noventa e sete milhões, duzentos e quarenta e um mil, sessenta
kwanzas e cinquenta e um cêntimo).
5.
O réu pagou AKZ 93.172.320,00 (Noventa e
três milhões, cento e setenta e dois mil, trezentos e vinte kwanzas), faltando
pagar AKZ 4.068.748,81 (Quatro milhões, sessenta e oito mil, setecentos e quarenta
e oito kwanzas e oitenta e um cêntimo).
6.
O autor realizou obras de terraplanagem
para montagem de duas naves metálicas no valor de AKZ 12.433.728, 51 (Doze
milhões, quatrocentos e trinta e três mil, setecentos e vinte e oito Kuanzas e
cinquenta e um cêntimos).
7.
Deste valor, o réu pagou AKZ 10.050.955,55
(Dez milhões, cinquenta mil, novecentos e cinquenta e cinco kwanzas e cinquenta
e cinco cêntimos).
9.
O réu acumulou uma divida no valor total de AKZ 61.688.844,37 (Sessenta e um
milhões, seiscentos e oitenta e oito mil, oitocentos e quarenta e quatro
Kuanzas e trinta e sete cêntimos).
10.
Não há qualquer claúsula no contrato
celebrado entre as partes que prevê juros de 16,2%, em caso de incumprimento.
IV.
O DIREITO
Passando à apreciação das
questões objecto do presente recurso, importa verificar o seguinte:
1. O Tribunal da Comarca de Moçamedes
deveria ter aplicado as regras especiais de direito administrativo ao contrato
celebrado entre as partes?
Nas suas alegações, o
Apelante considera que o tribunal a quo
avaliou mal o direito aplicável, pois, por se tratar de um contrato administrativo
firmado entre um ente público e um ente particular está sujeito as regras de
execução orçamental do Estado.
Assistirá razão ao
Apelante?
Vejamos,
O contrato administrativo
é um meio de contratação bilateral entre a administração pública e os
particulares para prosseguir os fins de interesse público e que se subordina a
um regime do direito administrativo.
Segundo o Professor
Freitas do Amaral, Direito Administrativo III, Lisboa, 1989, pàg.439 – 440,
relação jurídica administrativa “é aquela
que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à
Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres
públicos aos particulares perante a Administração.”
Do exposto resulta que
não é qualquer contrato celebrado por um ente público com outrem que é sinónimo
de contrato administrativo, mas, só o ajuste sujeito as regras do direito
administrativo, isto é, aquele do qual resultar a criação, modificação ou
extinção de uma relação jurídica administrativa.
Com o fim de evitar
lacunas preocupantes e uma intolerável insegurança jurídica no tocante aos
direitos e obrigações assumidos entre os entes de natureza pública e os
particulares nos frequentes contratos celebrados, os contratos administrativos
são regulados por lei especial que prevê os procedimentos a adoptar e os
requisitos necessários para a sua qualificação.
À data dos factos, os
contratos administrativos eram regulados pela Lei n.º 20/10, de 7 de Setembro –
Lei da Contratação Pública.
Analisando o contrato
celebrado entre as partes e constante de fls 20 a 28 dos autos, depreende-se
que relação jurídica estabelecida decorre de um contrato de empreitada em que o
Apelante, entidade pública, contrata a Apelada, empresa privada, para
construção de duas naves em estrutura metálica, mediante o pagamento de um
preço.
Apesar do objecto do
contrato ser uma empreitada de obra, as partes não obedeceram aos requisitos
previstos na Lei da Contratação Pública, para que a relação jurídica constituísse
um contrato administrativo e subordinado as normas previstas no referido
diploma legal.
Assim, o contrato entre
Apelante e Apelada, consubstancia um negócio jurídico de natureza privada,
sujeito às disposições do direito civil, por não constituir, modificar ou
extinguir qualquer relação de natureza jurídica administrativa.
Estamos em presença de um
contrato de empreitada regulado pelo Código Civil, nos termos do qual uma das
partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço e sujeito
à disciplina dos artigos 1207.º a 1230.º do referido diploma.
Na realidade e como se
extrai da petição inicial, a causa de pedir nesta acção assenta no
incumprimento pelo Apelante do contrato de empreitada, no que diz respeito ao
preço acordado para os diversos trabalhos da obra, encontrando-se em dívida um total
de AKZ 61.688.844,37 (Sessenta e um milhões, seiscentos e oitenta e oito mil,
oitocentos e quarenta e quatro Kuanzas e trinta e sete cêntimos).
Ora, apesar de uma das
partes ser uma entidade pública, a verdade é que ao celebrar o citado contrato,
não actuou e nem actua, no exercício de um poder de autoridade conferido por
normas de direito administrativo, o que afasta a subordinação das normas de
direito público, mormente o diploma da Contratação Pública, não podendo,
portanto, o Apelante exigir a aplicação das normas de execução orçamental.
Termos em que o Tribunal
da Comarca de Moçamedes avaliou bem o direito aplicável.
2.
São devidos juros legais por
incumprimento do contrato?
Primeiro
convém lembrar que a relação jurídica estabelecida entre as partes decorre de
um contrato de empreitada, previsto no artigo 1207.º do Código Civil que o
define, como “o contrato pelo qual uma
das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um
preço”.
Daí
decorre como requisito essencial do negócio, à realização duma obra, que deve
ser entendido não só como a construção ou criação, como a reparação, a
modificação ou demolição de uma coisa. Do que não pode prescindir-se é dum
resultado material, por ser esse o sentido usual, normal, do vocábulo obra e tudo indicar que é esse o sentido
visado no artigo 1207.º C.C.
Também
emerge, deste contrato, o não haver vínculo de subordinação do empreiteiro em
relação ao dono da obra. O empreiteiro age sob sua própria direção, com
autonomia, não sob as ordens ou instruções do comitente, estando apenas sujeito
à fiscalização do dono da obra, nos termos do artigo 1209.º C.C.
Assim, o empreiteiro deve não só obedecer, na
realização da obra, às prescrições do contrato, mas respeitar também as regras
da arte ou profissão (arquitectura, engenharia, etc.) em cujo âmbito se integre
a execução dessa obra. – Pires de
Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4.º Ed., Volume II.
Resumindo,
a noção legal de empreitada atende simultaneamente ao requisito do resultado
(realizar certa obra) e ao critério da autonomia (falta de subordinação ao dono
da obra).
À
retribuição devida pelo dono da obra dá a lei o nome de preço, significando que
o Código exige que a retribuição seja fixada em dinheiro e não em quaisquer
outros valores.
No
caso em apreço, as partes celebraram um contrato de empreitada para construção
de duas naves em estrutura metálica, mediante o preço de AKZ 97.241.060,51
(Noventa e sete milhões, duzentos e quarenta e um mil, sessenta kwanzas e
cinquenta e um cêntimos).
Em
aditamento, foi acordado entre as partes, trabalhos de terraplanagem para
montagem das duas naves metálicas no valor de AKZ 12.433.728, 51 (Doze milhões,
quatrocentos e trinta e três mil, setecentos e vinte e oito Kuanzas e cinquenta
e um cêntimos) e a construção do muro de vedação da guarita, orçado em AKZ
55.217.321,60 (Cinquenta e cinco milhões, duzentos e dezassete mil, trezentos e
vinte e um Kuanzas e sessenta cêntimos).
A
Apelada cumpriu na integra com a sua prestação, a realização da obra, mas, o
Apelante efectuou apenas o pagamento de parte da prestação a que estava
vinculado, encontrando-se em dívida a quantia de AKZ 61.688.844,37 (Sessenta e
um milhões, seiscentos e oitenta e oito mil, oitocentos e quarenta e quatro
Kuanzas e trinta e sete cêntimos).
Do exposto, resulta a violação do dever de prestar do Apelante.
Segundo João de Matos Antunes Varela, Das
Obrigações em Geral, Coimbra – 1970- pág. 757- “A violação do dever de prestar, por causa imputável ao devedor, pode,
como é sabido, revestir uma dupla forma: o não cumprimento definitivo ou falta
de cumprimento (inadimplemento ou inadimplência) e a mora.”
Tendo em conta que o
Apelante confessa a dívida e o incumprimento do contrato – vide documentos de
fls 99 e seguintes dos autos – resta-nos pronunciar se são, ou não, devidos
juros de mora, bem como a taxa aplicável.
Vejamos;
O devedor fica
constituído em mora depois de ter sido interpelado judicial ou
extrajudicialmente para cumprir - art.º 805.º n.º
Este princípio geral é de
acerto incontestável, pois sem a interpelação, o devedor pode não saber que
está em atraso no cumprimento ou, pode não saber, se o credor está já
interessado em receber a prestação.
A interpelação, tanto
pode ser judicial como extrajudicial, podendo a interpelação judicial ser
efectuada por meio de notificação avulsa ou então, mediante citação do devedor
para a acção - cfr. Art.º 261.º e 662 n.º 2 al. b) ambos do C.P.C.
A interpelação
extrajudicial pode realizar-se por qualquer dos meios previstos para a
declaração negocial, nos termos do art.º 217.º C.Civil.
Consta dos autos que a
Apelada, desde 02/08/2017, interpelou diversas vezes o Apelante para
cumprimento da prestação, conforme notas de cobrança de fls. 33 a 44.
Ora, sendo a obrigação
pecuniária e encontrando-se o devedor em mora, a indemnização devida,
corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora por parte do
devedor - art.º 806.º n. º
Constando dos autos a
data precisa em que o Apelante foi interpelado extrajudicialmente, é esse o
momento de constituição em mora, ou seja, aos 02 de Agosto de 2017.
Em relação aos juros, não
tendo sido estipulado pelas partes uma taxa, aplicam-se os juros legais
previstos no artigo 559.º C.Civil, com a nova redacção que lhe foi conferida
pelo artigo 1.º da Lei 13/03, de 14 de Fevereiro.
Nos termos do referido
artigo, os juros legais são fixados em despacho conjunto dos Ministros do
Planeamento, das Finanças e da Justiça.
Porém, os juros legais
não são fixados desde 2003, altura em que o Decreto Conjunto n.º 36/03 de 25 de
Abril estipulou a taxa de 75% para o trimestre Abril/Junho de 2003,
encontrando-se, actualmente, em manifesta caducidade.
A circunstância descrita
configura uma lacuna da lei.
Dispõe o n.º 1 do artigo
10.º do Código Civil “os casos que a lei
não preveja são regulados segundo a norma aplicada aos casos análogos”.
Concretizando, por
aplicação analógica dos juros estipulados pelo Comité de Política Monetária do
Banco Nacional de Angola na Directiva 10/DME/2022, de 27 de Setembro, a taxa de
juros é fixada em 19,5 % ao ano.
Contudo, a Apelada pede
que seja aplicada a taxa de juros de 16,2% ao ano.
O princípio do pedido, é
um princípio axial que atravessa todo o processo civil, se manifesta em
diversos preceitos do Código de Processo Civil -vide os artigos 3.º, 193.º, n.º
2, alínea a), 467.º, n.º 1, alínea d), e 661.º, n.º 1- e se impõe a todos os
tribunais, independentemente do seu grau hierárquico.
Assim, atendendo ao
limite da condenação segundo o qual, a sentença não pode condenar em quantidade
superior ao pedido, é de aplicar a taxa de juros de 16, 2% ao ano desde a
constituição em mora do Apelante, isto é, desde 02 de Agosto de 2017.
Em face do exposto,
revoga-se parcialmente a decisão recorrida.
V. DECISÃO
Nestes termos e
fundamentos, acordam os Juízes da 1.ª Secção desta Câmara, em dar parcialmente provimento
ao recurso e, em consequência, alterar a taxa de juros de mora, fixando em
16,2% ao ano.
Isento de custas. – Art.º
2.º n.º 3 CCJ.
Lubango, 24 de Novembro
de 2022.
Os Juízes Desembargadores
Tânia
Brás
Marilene
Camate
Lourenço
José