Processo
001/2023
Relator
Dr. Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Dra. Marlene Camate
Segundo Adjunto
Dr. Lourenço José
Descritores:
requerimento de recurso; convolação, reclamação, prazos; produção antecipada de prova.
Processo n.º: 001/2023
Relator: Desembargador, Domingos
Astrigildo Nahanga
Data do acórdão: 07 de
Novembro de 2023
Votação: Unanimidade
Meio processual:
Providência cautelar
Decisão: Não conhecimento do objecto da
reclamação.
Palavras-chaves:
requerimento de recurso; convolação, reclamação, prazos; produção antecipada de
prova.
Sumário do acórdão:
I.
Recurso e
reclamação, embora pareçam tender para o mesmo fim, todavia, são mecanismos
diferentes de se opor às decisões, atendendo os órgãos a que se dirigem, o tipo
de decisão, os prazos que os regimentam e os efeitos que deles se esperam.
II.
O Juiz não é, nem
parece razoável que se lhe deva exigir ser, a cabeça substituta das partes nas
suas omissões e faltas, que tenham o condão de alterar o rumo do processo ou
redirecionar a causa. Nem mesmo o alegado princípio constitucional da tutela
efectiva, chega a tanto. Aliás, não se surpreende no apontado artigo 29º da CRA
e seu enumerado de 1 a 5, qualquer entendimento a que se subsumisse a situação
actual. Sendo certo que as normas consagram uma elasticidade resultante da
justiça nelas ínsitas; no entanto, o Juiz sendo um intérprete e aplicador do
direito, deve casuisticamente, dentro das regras de interpretação fixar, tanto
quanto possível, o fundo e alcance das normas, para o caso em concreto. Pois, o
processo é de partes que se arrogam ao justo e igualitário tratamento do
julgador, no desencontrado interesse a que entre elas se opõe (artigo 15º/1 do
CPCA).
III.
As normas não podem
ser um “saco” sem fundo, só porque delas se pretende tirar proveitos marginais.
toda a arguição feita, não chega para insuflar vitalidade a pretensão do requerente
e salvá-la, a ponto de ver-se o recurso convertido em reclamação, tal como
pretendido.
* * *
Os
Juízes desta Câmara reunidos em conferência acordam em nome do povo:
XX, casado, natural de Benguela e residente a
Rua (…), casa nº (…), no Bairro (…) na cidade do Lubango, portador do B.I. nº (…),
utente do tel. nº (…); interpôs a presente providência cautelar de produção
antecipada de prova sobre um imóvel (fazenda) situada no município da Bibala,
Província do Namibe; tendo em consequência dos actos praticados nos autos,
vindo sucessivamente:
1º Recorrer do despacho que rejeitou
liminarmente a providência cautelar e de seguida;
2º Reclamar
do despacho que indeferiu o recurso, invocando nulidade com fundamento na
violação do princípio do inquisitório, da gestão processual e da adequação
formal e o princípio da tutela jurisdicional efectiva e pedindo seja convolado
o recurso em reclamação, para o seu atendimento em conferência, aproveitando-se,
para o efeito os prazos em que o recurso deu entrada em juízo.
Ante as ocorrências nos autos, importa, para
o caso, saber se:
-O requerimento de recurso sobre o despacho
de rejeição liminar do R.I. podia ser convolado, em reclamação, pelo Juiz
Relator.
*
* *
O “reclamante” embora reconhecendo haver
incorrecção no acto de tentar recorrer do despacho do Juiz Desembargador, como
se alcança no nº I (fls. 37); vem alegar que o Juiz deveria aproveitar o
recurso, convolando-o para a reclamação. E não tendo assim procedido, o Juiz
violou o artigo 266º do CPC, por efeito do princípio da tutela jurisdicional
efectiva previsto no artigo 29º da CRA. E finaliza retomando que o recurso
interposto deve ser admitido e convolado em impugnação para conferência e que o
Tribunal permita o reclamante apresentar o meio impugnatório adequado.
Ora, recurso e reclamação, embora pareçam
tender para o mesmo fim, todavia, são mecanismos diferentes de se opor às
decisões, atendendo os órgãos a que se dirigem, o tipo de decisão, os prazos
que os regimentam e os efeitos que deles se esperam.
As decisões quer estejam no formato de
despacho, quer no de Sentença ou Acórdão, podem sempre ser impugnadas
validamente, mediante actos idóneos seguindo o formalismo prescrito para o
efeito. Dito doutra forma, nem todos os actos praticados pelo Juiz serão
impugnados pela mesma via, ou seja, o acto de recorrer é destinado a pôr em
crise uma decisão, revogando ou alterando-a; já o acto de reclamar, dependendo
do caso, o de “apelar” ao Juiz presidente do Tribunal que seria o competente
para conhecer do recurso, para ver admitido o acto rejeitado ou retido.
O primeiro despacho de rejeição liminar do
requerimento inicial apoiou-se na incompetência do Tribunal nos termos da
alínea d) do artigo 84º do CPC; aplicado por força do artigo 6º e número 4 do
artigo 63º do CPCA; já o despacho de indeferimento do recurso teve como
fundamento a irrecorribilidade do despacho do Juiz Relator, sendo que o meio de
o atacar é a reclamação para a conferência, nos termos do número 3 do artigo
700º do CPC.
Para além dos já apontados fundamentos
vertidos nos despachos de fls. 26, 27 e 33, o reclamante passou ao lado e
ignorou o facto de que o regime contido no invocado artigo 266º do CPC e do
artigo 15º do CPCA conferem ao julgador o poder discricionário, com a limitação
imposta pelo distanciamento do Juiz, que decorre do princípio do dispositivo do
número 1 do artigo 264º do CPC.
O Juiz não é, nem parece razoável que se lhe deva
exigir ser, a cabeça substituta das partes nas suas omissões e faltas, que
tenham o condão de alterar o rumo do processo ou redirecionar a causa. Nem
mesmo o alegado princípio constitucional da tutela efectiva, chega a tanto.
Aliás, não se surpreende no apontado artigo 29º da CRA e seu enumerado de 1 a
5, qualquer entendimento a que se subsumisse a situação actual.
Sendo certo que as normas consagram uma
elasticidade resultante da justiça nelas ínsitas; no entanto, o Juiz sendo um
intérprete e aplicador do direito, deve casuisticamente, dentro das regras de
interpretação fixar, tanto quanto possível, o fundo e alcance das normas, para
o caso em concreto. Pois, o processo é de partes que se arrogam ao justo e
igualitário tratamento do julgador, no desencontrado interesse a que entre elas
se opõe (artigo 15º/1 do CPCA).
As normas não podem ser um “saco” sem fundo,
só porque delas se pretende tirar proveitos marginais.
A possibilidade de conversão do recurso em
reclamação, nos termos em que é pedido é uma miragem, não sendo uma situação em
que a falta ou omissão fosse suprível, nos termos do artigo 13º do CPCA.
Qualquer princípio de que se pudesse apelar para dar guarida a pretensão do
reclamante seria uma inversão da correcção, imposta pela forma dos actos e pelo
rigor dos prazos, pelo seguinte:
a)
A
natureza do acto indevido, reconhecido pelo próprio autor, para atacar o
despacho do Juiz Relator foi instruído fixando-se a fundamentação legal, quer
no CPC, no CPCA e na CRA, como sendo inequivocamente um recurso e;
b)
Não há
quaisquer laivos de incerteza, no requerimento de recurso de que se pudesse
apegar, para uma eventual “convolação”, do acto de recorrer de fls. 31, pois, dele,
só se extraem elementos típicos caracterizadores, da sua real natureza recursória,
para que os princípios da pro actione,
e da prevalência da justiça material previsto nos artigos 13º e 14º do CPCA fossem
chamados para uma adequação, transformando o recurso em reclamação.
Em suma, toda a arguição feita, não chega
para insuflar vitalidade a pretensão do requerente e salvá-la, a ponto de
ver-se o recurso convertido em reclamação, tal como pretendido, pelo seguinte:
i.
A
notificação do despacho de rejeição liminar ocorreu em 22 de Setembro de 2023 e
o recurso entrou na Secretaria judicial no dia 26 do mesmo mês, isto é, 3 dias
depois da notificação do despacho que se pretende reclamar;
ii.
A
aludida reclamação deu entrada em juízo no dia 06 de Outubro de 2023, 14 dia
depois de notificado o despacho, conforme fls. 37;
iii.
Dispõe
o artigo 145º nº 3 do CPC: “O decurso do prazo peremptório extingue o
direito de praticar o acto”. Para significar que os prazos são de
cumprimento obrigatório, pretendendo-se ver validado o acto que se pratica no
processo;
iv.
O prazo
para reclamação é de 5 dias, a luz do número 2 do artigo 688º do CPC. No
entanto, a reclamação, considerando-se por hipótese substituta do requerimento
de recurso, deu entrada em 6 de Outubro, isto é 14 dias depois da notificação
do despacho de rejeição liminar, e 10 dias depois do acto à substituir,
conforme fls. 30, 31 e 37.
Olhando para estas vicissitudes, é nosso
entendimento que a reclamação pretendida é, e seria sempre extemporânea,
independentemente do prisma de análise razoável, em que se pretenda colocar.
A presente situação, não podendo deixar de
ser anómala, pela actuação tida pelo “reclamante”; sujeita o autor em custas de
incidente, nos termos do número 3 do artigo 38º do CCJ, conjugados com o número
1 do artigo 446º e número 2/2ª parte do artigo 448º do CPC; não podendo tal
actuação, estar protegida pelo instituto da assistência judiciária.
Chegados aqui, importa proferir;
DECISÃO
Tudo visto e ponderado, os Juízes desta
Câmara, acordam em não conhecer do objecto da reclamação.
Custas pelo reclamante em 1/6
Registe e notifique.
Lubango, 07 de Novembro de 2023
Os Juízes Desembargadores
Relator: Domingos Astrigildo Nahanga
1.º Adjunto: Marilene Camate
2.º Adjunto: Lourenço José