Processo
016/2023
Relator
Dr. Domingos A. Nahanga
Primeiro Adjunto
Dra. Marlene Camate
Segundo Adjunto
Dr. Lourenço José
Descritores:
Compra equipamentos, contrato Gentlemen´s agreement, equipamentos diversos- cilindro DINAPAE e A-25, moeda de contratação.
I- No mundo de negócio, dada a boa fé, que guia os operadores e agentes do tráfico do comércio, na sua actuação, alguns negócios são celebrados no modo Gentlemen´s Agreement, sem que os efeitos estejam estipulados de forma expressa. Esta realidade, embora, ainda admissível nos círculos em que, os que nele se movem, prezam a honra pessoal e o engajamento no trato; todavia, nos tempos que correm, salvas esporádicas excepções, não é comum, nem fiável engajar-se nas meras palavras do vendedor, na ausência da traditio ou do adquirente, nos pagamentos diferidos.
II- As coisas objecto de negócio, para quem os aliena e adquire têm o valor material de uso e têm de igual modo o valor económico, computado ao momento da sua contratação ou aquisição. O valor em Kwanzas, constante na Declaração de Dívida, acrescido o da “adenda”, corresponde ao valor da condenação proferida em primeira instância. Não há nos autos outros elementos em que se possa decifrar doutro modo o tipo de moeda da contratação senão, tão-só, a alegação do Apelante de que a moeda de compra é o Kwanza, contrariamente as notas constantes no Mapa em que se descrevem os equipamentos fornecidos pelo Apelado ao Apelante e a contestação deste.
III- As partes no âmbito do contraditório defendem-se como podem e com os meios que elegem para fazê-lo. Quanto a isso, nada de anormal. Porém, o mérito da sua eficácia, atento aos interesses que se queiram proteger, depende da posição definida, perante cada facto articulado na Petição Inicial e nas alegações em recurso. Não tendo esta nota sido impugnada validamente e acrescido ao facto de o Apelante ter-se referido ao valor como sendo o equivalente em dólares tem-se para todos os efeitos fixada a moeda a que o comprador se obrigou; sendo irrelevante qualquer oposição em relação a isso, estando clara a posição assumida pelo Apelante na obrigação.
IV- Para se evitar qualquer locupletamento de uma das partes, a sensatez, olhando por todas as vicissitudes a que os mercados financeiros e o ambiente económico mundial, o tempo do incumprimento da obrigação; nada repugna que à data da cobrança se faça ao equivalente, ao menos, para corresponder o princípio consagrado no artigo 483º do CC.
* * *
Processo
n.º: 016/2023
Relator: Desembargador, Domingos
Astrigildo Nahanga
Data do acórdão: 31 de Outubro
de 2024
Votação: Unanimidade
Meio processual: Apelação
Decisão: Negado o provimento ao presente recurso.
Palavras-chaves: Compra
equipamentos, contrato Gentlemen´s
agreement, equipamentos diversos- cilindro DINAPAE e A-25,
moeda de contratação.
Sumário do acórdão:
I- No mundo de negócio, dada a boa fé, que guia os operadores e agentes do
tráfico do comércio, na sua actuação, alguns negócios são celebrados no modo Gentlemen´s Agreement, sem que os
efeitos estejam estipulados de forma expressa. Esta realidade, embora, ainda
admissível nos círculos em que, os que nele se movem, prezam a honra pessoal e
o engajamento no trato; todavia, nos tempos que correm, salvas esporádicas
excepções, não é comum, nem fiável engajar-se nas meras palavras do vendedor,
na ausência da traditio ou do
adquirente, nos pagamentos diferidos.
II- As coisas objecto de negócio, para
quem os aliena e adquire têm o valor material de uso e têm de igual modo o
valor económico, computado ao momento da sua contratação ou aquisição. O valor
em Kwanzas, constante na Declaração de Dívida, acrescido o da “adenda”,
corresponde ao valor da condenação proferida em primeira instância. Não há nos
autos outros elementos em que se possa decifrar doutro modo o tipo de moeda da
contratação senão, tão-só, a alegação do Apelante de que a moeda de compra é o
Kwanza, contrariamente as notas constantes no Mapa em que se descrevem os
equipamentos fornecidos pelo Apelado ao Apelante e a contestação deste.
III- As partes no âmbito do contraditório defendem-se como podem e com os
meios que elegem para fazê-lo. Quanto a isso, nada de anormal. Porém, o mérito
da sua eficácia, atento aos interesses que se queiram proteger, depende da
posição definida, perante cada facto articulado na Petição Inicial e nas
alegações em recurso. Não tendo esta nota sido impugnada validamente e
acrescido ao facto de o Apelante ter-se referido ao valor como sendo o
equivalente em dólares tem-se para todos os efeitos fixada a moeda a que o
comprador se obrigou; sendo irrelevante qualquer oposição em relação a isso,
estando clara a posição assumida pelo Apelante na obrigação.
IV- Para se evitar qualquer locupletamento de uma das partes, a sensatez,
olhando por todas as vicissitudes a que os mercados financeiros e o ambiente
económico mundial, o tempo do incumprimento da obrigação; nada repugna que à
data da cobrança se faça ao equivalente, ao menos, para corresponder o
princípio consagrado no artigo 483º do CC.
* * *
Os
Juízes da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação,
acordam em nome do povo:
I. RELATÓRIO.
Na
Sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Comarca do Lubango, CM,
de nacionalidade Portuguesa, portador do Cartão de residente nº 0001522A02,
habitualmente residente em Luanda, Bairro Talatona II, rua (…), casa nº (…), Município
de Belas, utente de tel. (…); intentou acção Declarativa de Condenação, contra:
PJ, natural do Lubango, Província da
Huíla, residente no Bairro Comercial, casa s/n.º, com o terminal telefónico n.º
(…); pedindo a condenação do Réu:
1-
No
pagamento ao Autor do valor de USD 145.000 (cento e quarenta e cinco mil, Dólares),
vezes Kz 317,17 equivalente a Kz 45.488.848,11 (quarenta e cinco milhões,
quatrocentos e oitenta e oito mil, oitocentos e quarenta e oito Kwanzas e onze
cêntimos);
2-
Na
indemnização ao autor no valor de Kz 5.000.000,00 (cinco milhões de Kwanzas) pelo
lucro cessante e danos emergentes;
3-
Na
indemnização ao Autor no valor de Kz 9.097.769,06 (nove milhões, noventa e sete
mil, setecentos e sessenta e nove Kwanzas e seis cêntimos), pelos juros de mora
de 5% ao ano, correspondentes a 4 anos.
O
fundamento do pedido está alicerçado num alegado acordo verbal de compra e
venda havido entre Autor e Réu, no dia 13 de Outubro de 2013, referentes a equipamentos,
no valor total em USD 145.000,00 de (cento e quarenta e cinco mil Dólares), equivalente
em Kwanzas, a taxa de câmbio do dia, praticada pelo BNA.
As partes convencionaram
que o pagamento do equipamento seria feito em treze (13) prestações,
amortizando todos os meses e de forma consecutiva, o valor em dólares de
10.000, USD, (dez mil Dólares), o equivalente em Kwanzas, respeitando a taxa de
câmbio praticada a data em que fosse feita a prestação, e a última que seria em
Dezembro de 2014, no valor em Kwanzas de 5000, USD (cinco mil Dólares);
Para o
efeito o Réu entregou ao Autor a declaração de dívida, devidamente assinada e
reconhecida notarialmente, aos 5 de Dezembro de 2013, o qual atribuí-lhe força
executiva, cujos os cálculos indicados, obedeceram apenas a taxa de câmbio
praticada pelo BNA, sem precisar o valor exacto da dívida e que a cada
prestação deveria obedecer, tal como acordado por ambos, a taxa diária
praticada pelo BNA, à data da prestação;
Depois de
dois (2) meses de atraso e notificado o Réu, por via telefónica e, posteriormente,
por via documental, por carta endereçada aos 7 de Abril de 2016, este de forma
injustificada recusou-se a assinar a carta de cobrança;
O Réu nunca
chegou a efectuar um único depósito, estando em falta em relação às parcelas do
mês de Outubro de 2013, Novembro, Dezembro, Janeiro de 2014, Fevereiro, Março,
Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro de 2014 no valor
USD 10.000, (dez mil Dólares) e Dezembro no valor de USD 5.000, (cinco mil Dólares),
assim a falta resultou em um débito de 145.000 USD (cento e quarenta e cinco
mil Dólares);
Da conduta
do Réu resultou prejuízos ao Autor, atendendo ao facto de que o acordo entre
ambos duraria um certo lapso de tempo, (14 meses) contados da entrega dos
equipamentos diversos, mas concretamente em Outubro de 2013; o que qualifica
como mora do devedor, nos termos do art. 804.º n.º 1.
Citado,
veio o Réu aduzir oposição de fls. 20 a 24; alegando que:
1.
Ele é
apenas funcionário da Empresa que celebrou o contrato de compra e venda com o
Sr. CM;
2.
Que a
empresa que celebrou o contrato de compra e venda com o Sr. CM, não foi chamado
na presente acção na qualidade de Ré, não tendo interesse directo em
contradizer, porque não celebrou o contrato em seu nome, mas sim em nome da
empresa;
3.
Que o Sr. PJ,
no ano de 2013, sem saber precisar o dia e mês, deslocou-se a capital do país
no intuito de proceder ao levantamento de equipamentos diversos, que ficou
avaliado em USD 125.000 (cento e vinte e cinco mil Dólares); Não condiz a
verdade, que o contrato ficou avaliado em 145.000 USD;
4.
Que nunca
houve contrato algum que vincule a Autora e o Réu, e em momento algum ficou acordado
que o mesmo pagaria prestações mensais no valor de USD 10.000, ademais, o valor
real é de USD 125.000, que em 2013, correspondia á 12.500.000,00 (doze milhões
e quinhentos mil Kwanzas), já foram pagos aproximadamente 20% desses valores;
5.
Que existe
uma declaração de dívida, que foi junta nos autos pelo próprio Autor, que
atesta o valor de Kz 12.500.000,00 e não de USD 145.000. O Autor não
concretizou qualquer facto em que pudesse fundamentar o pedido do Réu no
pagamento de juros de mora; não se fundamentando o pedido numa concreta causa
de pedir, sendo por esta razão ininteligível e extemporâneo nos termos da lei;
Houve
réplica do Autor fls. 32 a 37; que mantendo os fundamentos da P.I. invoca, o
facto de a relação ser estritamente particular e constituída a título pessoal, entre o Réu e o Autor;
Realizada a
tentativa de conciliação (acta de fls. 61 e 62), foi posteriormente proferido
Saneador Sentença, fls. 65 a 74, que julgou a acção procedente e condenou o Réu
a pagar ao Autor a quantia de USD 145.000 (cento e quarenta e cinco mil Dólares),
convertidos em Kwanzas ao câmbio do dia, acrescidos de juros de mora, contados
desde 1 de Janeiro de 2015, a liquidar em execução de sentença.
Notificadas
as partes da Sentença e não se
conformando, o Réu, veio interpor recurso (fls. 79), tendo sido admitido por
despacho de fls. 80, como sendo de Apelação, com subida imediata, nos próprios
autos e efeito suspensivo.
Para o efeito o recorrente juntou alegações corrigidas concluindo:
1. O
despacho proferido nos presentes autos, revela-se bastante adverso aos comandos
legais aqui aludidos do CPC;
2. Deve
a presente decisão ser corrigida, visto que o Tribunal a quo condenou no pagamento de valor diferente do constante da
Declaração de Dívida;
3. O
valor acordado não foi em Dólares americanos, tendo em conta a Declaração de
Dívida que faz alusão apenas ao valor de KZ 12.500.000,00 (doze milhões e
quinhentos mil Kwanzas);
4. Que
não há razão para a sua condenação no pagamento em USD 145.000 (cento e
quarenta e cinco mil dólares), acrescido de juros de mora contados desde o dia
01 de Janeiro de 2015, a liquidar em execução de Sentença;
5. Que
a decisão do Tribunal de 1ª instância deve ser revogada absolvendo-se-lhe do
pagamento da quantia de USD 145.000 (cento e quarenta e cinco mil Dólares).
O Apelado em (fls. 112-116), sem nada contrapor às
alegações corrigidas veio concluir, em suma, pela manutenção do Despacho
saneador.
Aberto
o termo de vista ao MºPº, este
veio promover no sentido do não provimento da pretensão do recurso e a manutenção
da decisão (fls.164 a 167).
Posto
isso, seguiram-se os vistos legais sucessivos aos juízes adjuntos (fls. 169 e
170).
* * *
II.
OBJECTO DO RECURSO
Face as conclusões apresentadas pelas
partes, que delimitam o objecto do recurso, para além das excepções de
conhecimento oficioso, que decorrem do disposto nos artigos 660º nº 2, 664º,
684º nº 3 e 690 nº1, todos do Código de Processo Civil; emergem como questões a
apreciar e decidir em sede do presente recurso as seguintes:
1.
O valor do objecto do contrato de
compra e venda foi fixado em kwanzas?
2. Há lugar ao
pagamento por parte do Apelante, do valor em USD 145.000,00 (cento e quarenta e
cinco mil Dólares americanos) a favor do Apelado?
* * *
III.
FUNDAMENTO DE FACTO
Do rol da
matéria de facto, em que assenta a decisão recorrida extrai-se como fundamentos
os seguintes:
1. Em dia desconhecido do mês de
Outubro de 2013, por acordo verbal, Autor e Réu celebraram um contrato de
compra e venda de equipamentos, conforme doc. de fls. 9, cujo valor acordado
foi de USD 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil Dólares americanos), artigo 14º
da P.I., o equivalente em Kwanzas, acrescidos de mais USD 20.000,00 (vinte mil
Dólares americanos), respeitantes à taxa de câmbio diária, praticada pelo BNA, referente
a um cilindro DINAPAE e A-25. Série 575227,
perfazendo um total, da dívida em Kwanzas, o equivalente a USD 145.000,00 (cento e
quarenta e cinco mil Dólares);
2. Autor e Réu convencionaram que o pagamento seria feito em treze
prestações obedecendo a taxa de câmbio diária praticada pelo BNA, amortizando,
todos os meses e de forma consecutiva, o valor de USD 10.000 (dez mil dólares),
o equivalente em Kwanzas, respeitando a taxa de câmbio praticada a data em que
fosse feita a prestação, e a última, que seria em Dezembro de 2024, no valor em
USD 5.000,00 (cinco mil Dólares americanos), fls. 10 dos autos;
3.
O Réu entregou ao Autor uma declaração de dívida de fls.
25, devidamente assinada e reconhecida notarialmente, a qual atribui-lhe força
executiva.
4. Passados 30 meses depois do seu incumprimento, e com vista a
encontrar uma solução amigável para se ultrapassar o diferendo entre as partes,
foi o Réu notificado, por via documental, através de carta aos 7 de Abril de
2016, fls. 11 dos autos;
5. De forma incessante, o Autor
tentou encetar diligências, no sentido de ter contacto com o Réu, mas acabou
por nunca ser bem-sucedido, tendo por fim o Réu, deixado de atender os seus telefonemas e de seus mandatários;
6. O Réu nunca chegou a efectuar um único depósito, estando
inadimplente, em relação as parcelas do mês de Outubro, Novembro, Dezembro de
2013, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro,
Outubro, Novembro de 2014 no valor de USD 10.000,00 (dez mil Dólares
americanos) e Dezembro no valor de USD 5.000,00 (cinco mil Dólares), assim a
inadimplência resultou em um débito de USD 145.000,00 (cento e quarente e cinco
mil Dólares americanos).
* * *
IV. APRECIANDO:
Atentemos
aos problemas suscitados em recurso, sem antes, nos debruçar brevemente, sobre
a ilegitimidade invocada, natureza da obrigação constituída e seus termos:
O Apelante invoca
a ilegitimidade para ser demandado, pelo facto de a dívida ter sido contraída
em nome doutrem.
Em momento
algum do contrato ou da assunção da dívida pelos equipamentos, se faz
referência da qualidade do Apelante como representante no negócio ou actuando
em nome alheio. E nem está junto aos autos, tal invocado facto.
Aliás, de
onde viriam os poderes de representação da Empresa em nome da qual diz ter actuado;
se reconhece que não houve qualquer contrato? Dito doutro modo, que
legitimidade teria de representar a suposta empresa, para comprar os
equipamentos do Apelado, se o negócio foi celebrado por “acordo de
cavalheiros”?
Quaisquer
que fossem as respostas; não tendo sido demostrado nos autos e estando a
obrigação assumida, ainda que com diferenças de valores; seriam irrelevantes,
por carência de prova bastante.
Nos autos, o Apelante não tendo identificado qualquer
terceiro como titular do direito e do dever, de que se quer alhear; não faz
sentido, depois de assumir uma dívida de forma livre e documentada, conforme se
vê e fls. 26, com o título “DECLARAÇÃO DE DÍVIDA”, e nunca tendo sido a
declaração impugnada; vir invocar aqui, que esta obrigação foi contraída em
nome alheio e, por essa razão, não se lhe impõe qualquer responsabilidade no
pagamento da dívida.
Em 13 do mês de Outubro de 2013 CM e PJ
acordaram mutuamente em vender e comprar respectivamente equipamentos descritos
na relação de fls. 9, como sendo viaturas e máquinas, Gerador de 15KW e uma
Betoneira num total global em USD 145.000,00, o valor assumido por PJ, em
declaração de fls. 11.
No
mundo de negócio, dada a boa fé, que guia os operadores e agentes do tráfico do
comércio, na sua actuação, alguns negócios são celebrados no modo Gentlemen´s Agreement, sem que os
efeitos estejam estipulados de forma expressa. Esta realidade, embora, ainda
admissível nos círculos em que, os que nele se movem, prezam a honra pessoal e o
engajamento no trato; todavia, nos tempos que correm, salvas esporádicas
excepções, não é comum, nem fiável engajar-se nas meras palavras do vendedor,
na ausência da traditio ou do adquirente,
nos pagamentos diferidos.
O tipo
de negócio havido entre as partes configura um contrato real, de compra e
venda, com a tradição da coisa objecto do contrato, tendo sido esta transmitida
da esfera patrimonial do vendedor para a do comprador. Este contrato
independente da forma, faz desencadear o sinalagma genético a que as partes
ficam vinculadas, para o cumprimento dos seus respectivos termos, de forma a
que não ocorram situações de locupletamento desmerecido, como se pretende.
Seja
o que tenha sido, a verdade é que houve engajamento no contrato de compra e
venda de bens móveis, fundado na confiança, como de resto, se consegue
depreender dos artigos 13º, 14º e 15º da Contestação de fls. 23, quando em
suma, o Apelado refere ter-se deslocado à capital do país, com intensão de
proceder ao levantamento de equipamentos diversos avaliados em USD 125.000,00
(cento e vinte e cinco mil Dólares americanos) “sem necessidade de se firmar contrato algum”.
Deste modo,
o pretendido afastamento do Apelante da obrigação, não pode ser validado, tal
como bem entendeu a instância recorrida.
* * *
Sendo
este o momento para dissecar o problema substantivo trazido em recurso, importa
responder às questões:
1.
O valor, objecto do contrato de
compra e venda foi fixado em kwanzas?
O Réu alega que o valor do contrato não
foi estipulado em USD. E da declaração de fls. 11 depreende-se, de facto, que a
menção dos valores, do contrato estão em Kwanzas. Mas toda a correspondência
havida entre as partes é referida em dólares americanos.
Ora, o Réu tendo adquirido do Autor,
equipamentos a título oneroso, não importando a forma, vinculou-se, antes e
depois, numa obrigação que lhe sujeita ao pagamento do preço, por força do
sinalagma contido no negócio, por todas as partes, conhecido.
Não há
nos autos outros elementos em que se possa decifrar doutro modo o tipo de moeda
da contratação senão, tão só, a alegação do Apelante de que a moeda de compra é
o Kwanza, contrariamente as notas constantes no Mapa em que se descrevem os
equipamentos fornecidos pelo Apelado ao Apelante e a contestação deste.
Não
tendo esta nota sido impugnada validamente e acrescido ao facto de o Apelante
ter-se referido ao valor como sendo o equivalente em dólares 125.000,00,
conforme artigo 14º e 17º da Contestação (fls. 23), tem-se para todos os
efeitos fixada a moeda a que o comprador se obrigou; sendo irrelevante qualquer
oposição em relação a isso, estando clara a posição assumida pelo Apelante na
obrigação.
Não assiste razão ao Apelante, na
tentativa de esquiva, em relação ao tipo de moeda de contratação, sendo que a
moeda em que o negócio de compra e venda foi estipulada é a constante na
relação de equipamentos, de resto, facto assumido no artigo 14º da contestação.
Mesmo
que assim não fosse, para se evitar qualquer locupletamento de uma das partes,
a sensatez, olhando por todas as vicissitudes a que os mercados financeiros e o
ambiente económico mundial, o tempo do incumprimento da obrigação; nada repugna
que à data da cobrança se faça ao equivalente, ao menos, para corresponder o
princípio consagrado no artigo 483º do CC, que dispõe: “Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de
outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios
fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
2.
Há lugar ao pagamento por parte do
Apelante do valor em USD 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil dólares
americanos) a favor do Apelado?
O credor de forma expressa pediu que o Apelante devolvesse
os equipamentos, no estado em que se encontravam, depois de decorridos 3 anos
de uso e sem o pagamento dos mesmos. Desta atitude, de clara manifestação de
perdão da dívida e da conduta do devedor, o Apelante veio em resposta, dizer
que nada tem a ver com o contrato.
Embora, depois
de feita a alienação da propriedade, com a traditio
da coisa, o vendedor jamais pode, em condições normais, dar o dito por não dito, ou melhor, resolver a venda, por falta de entrega do preço, por força do
artigo 886º do CC; a verdade é que da atitude do Apelante, em recorrer e diante
dos reconhecidos factos em que se funda a acção; só se pode depreender
temeridade na acção. A não ser que seja, tão só, para entorpecer a acção da
justiça, se olharmos para o reconhecimento que faz, em não lhe assistir razão
nesta litigância, de resto, aferível na assunção da obrigação expressa na
Declaração da dívida, porque assinada pelo seu próprio punho e notarialmente
reconhecida.
A conduta do devedor é certamente uma daquelas, que não
pode fazer caminho, numa sociedade que ainda pugna pela preservação de valores
e, alí onde estão perdidos, pela sua recuperação.
Do princípio
do ressarcimento afere-se a imposição a quem cause dano por culpa, a outrem, a
responsabilização por isso, “in Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes,
Introdução da Constituição das Obrigações, 2020 9ª Ed. Almedina, p. 51.
O Apelante invoca o facto de que a moeda
estabelecida no negócio é o Kwanza; pretendendo significar que qualquer
cobrança actual teria que ser baseada nesta moeda acordada.
No entanto, estão junto aos autos,
documentos, dum lado com o título RELAÇÃO DE EQUIPAMENTOS, cuja valorização
feita dos mesmos, vem expressa em USD, e outro num total de 125.000,00+20.000,00=145.000,00
USD; que seriam pagos em 13 meses, sendo USD 10.000,00 mensais e, USD 5.000,00
no último mês. E doutro com o título DECLARAÇÃO DE DÍVIDA, assinado por PJ,
contendo o valor em Kz. 12.500.000 (doze milhões e quinhentos) para ser
amortizado da seguinte forma: Kz. 1.000.000,00 (um milhão Kwanzas) por mês e
Kz. 500.000,00 (quinhentos mil Kwanzas) no 13º mês.
O valor da dívida assumida na Declaração
de fls. 11, reporta-se a 4 de Dezembro de 2013, isto é 2 meses depois do
negócio, que ocorreu em 13 de Outubro do mesmo ano. À data dos factos, Kz.
12.500,000,00 (doze milhões e quinhentos mil kwanzas) correspondiam a USD
125.000,00 (vinte e cinco mil Dólares), tal como reconhece o Apelado no artigo
17º da sua contestação.
No entanto os acrescidos USD 20.000,00
(vinte mil Dólares), referentes ao cilindro, de que a nota constante na Relação
de fls.10, faz referência; o Apelante resiste em não o reconhecer, no artigo
16º da contestação, quando refere: “Não
condiz a verdade que o contrato ficou avaliado em USD 145.000,00 (cento e
quarenta e cinco mil Dólares Americanos), conforme o A., faz alusão”.
Pelo
que se depreende da Réplica os 20.000,00 USD (vinte mil Dólares americanos)
adicionais da dívida são resultantes do que se pode considerar “adenda” porque
decorrente de uma alienação e aquisição posterior a elaboração da relação de
equipamentos, daí a sua não inclusão no corpo da tabela, como se depreende,
quer do artigo 20º da Réplica, quer na impugnação genérica, limitada a negação,
aferível no artigo 17º da Contestação; quando a defesa relevante, para o
confronto da realidade dos factos em discussão é aquela que toma posição clara
e definida em relação aos factos em concreto, de que se quer refutar a
vitalidade invocada pelo seu opoente.
As partes no âmbito do contraditório
defendem-se como podem e com os meios que elegem para fazê-lo. Quanto a isso,
nada de anormal. Porém, o mérito da sua eficácia, atento aos interesses que se
queiram proteger, depende da posição definida, perante cada facto articulado na
Petição Inicial e nas alegações em recurso.
A atitude do Apelante, estando em
desalinhamento com o que dispõem
os artigos 487º nº 2 e 490º nº 1 do CPC e pelo ónus de alegar, imposto pelo número
1 do artigo 690º do mesmo código, a sua pretensão não pode ter outro
merecimento, senão, o insucesso.
Em suma, o somatório da dívida que
perfaz 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil Dólares), decorre de uma
“adenda” de USD 20.000,00 (vinte mil Dólares americanos), referente a um cilindro.
Ora, as
coisas objecto de negócio, para quem os aliena e adquire têm o valor material
de uso e têm de igual modo o valor económico, computado ao momento da sua
contratação ou aquisição. O valor em Kwanzas, constante na Declaração de Dívida,
acrescido o da “adenda”, corresponde ao valor da condenação proferida em
primeira instância.
Mesmo que o valor não tivesse sido
convencionado em moeda estrangeira (dólar americano); ainda assim para afastar
qualquer enriquecimento injusto, o pagamento teria que ser feito em moeda
corrente em Angola, mas equivalente ao valor de câmbio em USD à data do
pagamento; sendo esta a forma a seguir.
Tudo
visto e ponderado, resulta que, da factualidade objecto do decidido, não
emergem quaisquer outras questões laterais, com relevância para a presente
instância.
Os
processos estão sujeitos a custas, decorrentes da responsabilidade de quem dá
causa a acção ou dela tira proveito, nos termos combinados do nº 1 do artigo
446º do CPC, e do artigo 1º Código das Custas Judiciais. No caso, e em sede de
recurso, tal responsabilidade deve ser suportada pelo Apelante. E assim sendo,
eis o momento de proferir;
7.
DECISÃO
Nestes termos, os Juízes desta Câmara acordam
em negar provimento ao presente recurso e, em consequência, confirmar nos seus
precisos termos, a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe
e notifique
Lubango,
31 de
Outubro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Relator: Domingos Astrigildo Nahanga
1.º Adjunto: Marilene Camate
2.º Adjunto: Lourenço José