Processo
0002/2023-CIV – H
Relator
Dr. Bartolomeu Hangalo
Primeiro Adjunto
Dra. Marta Ngueve
Segundo Adjunto
Dr. Domingos Nahanga
Descritores:
DECLARAÇÃO DE CONDENAÇÃO SOB FORMA ORDINÁRIA.
ACÓRDÃO
Processo
n.º 0002/2023-CIV – H - APELAÇÃO
Os
Juízes da Câmara do Cível do Tribunal da Relação do Lubango, reunidos em
conferência, acordam em nome do Povo:
I.
RELATÓRIO
Na
Sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Comarca de Moçâmedes, AA, casado,
maior de idade, portador do B.I n.º ------, natural do ------, representante do
------, intentou uma ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO SOB FORMA ORDINÁRIA que
fez seguir contra a BB, pedindo a procedência da acção e a condenação da BB. no
pagamento da dívida de 4.152.000,00 (Quatro Milhões, Cento e Cinquenta e Dois
Mil Kwanzas) e juros vencidos, correspondentes ao fornecimento de material.
Para
sustentar o seu pedido, alegou que:
Celebrou
um contrato com a BB. para fornecimento de diversos materiais no valor de
4.652.000,00 Kz (Quatro Milhões, Seiscentos e Cinquenta e Dois Mil Kwanzas);
Que
a BB. confessou ser devedora do AA. de determinadas quantias em dinheiro;
Que
até ao momento fez um pagamento por via de ordem de saque no valor de
500.000,00 Kz (Quinhentos Mil Kwanzas), e daí em diante nada mais solveu;
Que
já interpelou várias vezes a BB. sem sucesso, alegando ter remetido a questão
ao Grupo Técnico ao Credor do Estado;
Que
a BB. fez um pedido de reconciliação de dívida no dia 7 de Junho de 2019, que
igualmente nunca cumpriu;
Que
o total da dívida é de 4.152.000,00 Kz (Quatro Milhões e Cento e Cinquenta e
Dois Mil Kwanzas).
Juntou
documentos e constituiu advogado.
Regularmente
citada, a BB. contestou e defendeu-se por impugnação, alegando que:
Havia
celebrado um contrato de fornecimento de bens e serviços com a empresa GG, em
2013;
Confirma
o crédito avaliado em 4.652.000,00 Kz (Quatro Milhões, Seiscentos e Cinquenta e
Dois Mil Kwanzas) e que até a presente data não se honrou com o pagamento
devido às dificuldades financeiras que o país atravessa;
Com
vista a acautelar os interesses do AA., o BB emitiu uma declaração de
reconhecimento da dívida e a sua regularização estava prevista para o ano de
2015;
Enquanto
órgão estatal, sempre pautou e deve pautar por princípios de boa fé, na
prossecução do interesse público, bem como da boa execução orçamental;
Há
manifesta vontade de proceder ao pagamento da dívida, pelo que tem encetado
contactos com as entidades competentes para cumprir com a sua obrigação tão
logo haja dotação financeira para o efeito;
Não
se percebe a postura do AA. com a propositura da presente acção, pois que
sempre foi informado do andamento do seu processo uma vez que a dívida que reivindica
se encontra em apuramento para qualificação em dívida pública interna. E como
tal, nos termos da lei, se exclui, por ora, a responsabilização civil da BB.
por falta de pressupostos objectivos;
O
caso em apreço reflecte irrefutavelmente uma situação de impossibilidade
temporária de pagamento, nos termos do qual o devedor não responde pela mora no
cumprimento, uma vez que se mantém o interesse do credor, tal como preveem os
artigos 790º e 792º do C.C.
Concluiu
por requerer a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
O
AA. replicou essencialmente reiterando o que consta da P.I. – fls. 40-43.
Foi
designada e realizada uma audiência preparatória que não logrou a conciliação
pretendida – fls. 48, 55 e 56
Depois
foi proferida sentença a julgar a acção procedente e a condenar o bb a pagar ao
AA a quantia de 8.137.920,00 Kz (Oito Milhões, Cento e Trinta e Sete Mil,
Novecentos e Vinte Kwanzas) – fls. 63-67.
Inconformado
com a decisão, o BB. interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com
efeito suspensivo e subiu nos próprios autos – fls. 73 e 75.
Feito
exame preliminar positivo, nesta instância o recurso foi recebido na espécie e
no efeito próprios – fls. 163.
O
Apelante, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público apresentou
as suas alegações de recurso ainda na 1ª instância, das quais se extrai como
conclusões, as seguintes:
O nº 1 do art. 57º da Lei nº 15/10, de 14
de Julho, Lei Quadro do Orçamento Geral do Estado (LQOGE), recomenda que as
dúvidas superiores a um ano devem ser inscritas na dívida pública;
Ora, estando a mesma inscrita na dívida
pública na dívida pública, ultrapassa a competência do órgão que a contraiu
para efectuar a liquidação, sob pena de outras responsabilidades civil e
criminal do titular que desobedecer;
Na sequência da recomendação da LQOGE,
considerando que o Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, aprovado pelo
Decreto Presidencial nº 158/18, de 29 de Junho, no quadro das acções prioritárias
para a concretização do asseguramento da sustentabilidade da dívida pública, e
o cumprimento dos objectivos dispostos na Lei nº 37/20, de 30 de Outubro, da
Sustentabilidade das Finanças Públicas, impõe a definição de uma estratégia
clara de regularização de atrasados, com o intuito de se impor maior rigor e
disciplina orçamental, eficiência e eficácia no tratamento dos processos de
regularização de atrasados;
Considerando ser imperioso e pertinente
terminar-se com o ciclo de execução de despesas não orçamentadas e de
recorrente desrespeito às leis, sendo, necessário, para o efeito, a intervenção
da Inspecção-Geral da Administração do Estado, para a averiguação das dívidas
incorridas, principalmente fora do SIGFE, com competência para auditar,
fiscalizar e controlar a actividade de todos os órgãos, organismos e serviços
da Administração Directa e Indirecta do Estado;
Convindo aprovar-se regras claras,
transparentes e objectivas que devem nortear o processo de regularização dos
atrasos junto dos fornecedores de bens e prestadores de serviços e empreiteiros
de obras públicas, face as restrições de tesouraria;
O Presidente da República, nos termos da
alínea m) do artigo 120º e do nº 4 do artigo 125º, ambos da C.R.A., aprovou,
através do Decreto Presidencial nº 235/21, de 22 de Setembro, o Regime Jurídico
para o Reconhecimento e Tratamento da Dívida Interna Atrasada, bem como o
Regulamento sobre os Procedimentos e Critérios para a Regularização dos
Atrasados;
Ora, o pagamento dos atrasados referentes
as despesas dos exercícios passados são assegurados pelo Ministério das
Finanças, após certificação do IGAE, nos termos do art. 15º do Decreto
Presidencial nº 73/22, de 1 de Abril, que aprova as Regras de Execução do OGE
para o Exercício Económico 2022, tal como havia a mesma recomendação nas Regras
de Execução do OGE para o exercício económico 2021;
… se o Estado resolve liquidar toda dívida
interna e externa de uma só vez, entrará imediatamente num colapso de saúde
financeira e aniquila todo sistema económico do País, pondo em causa toda
medula espinhal das acções preconizadas no OGE!;
No caso em apreciação, embora a
impossibilidade se afigure subjectiva (vide artigo 791º, do C.C.), ela não é
geradora da extinção da obrigação, porquanto, a Apelante no cumprimento da
mesma poderá ser substituída por outro ente, no caso pela entidade gestora da
dívida interna atrasada constituída durante os Exercícios Económicos de 2013 a
2017, conforme disciplina do Decreto Executivo nº 507/18, de 20 de Novembro;
Ademais, considerando que de acordo com a
alínea d), do nº 1 do artigo 2ª do Estatuto Orgânico do Ministério das
Finanças, aprovado pelo Decreto Presidencial nº 32/18, de 7 de Fevereiro, é
atribuição daquele Ministério a gestão da dívida pública do Estado, logo, uma
vez não ter havido decisão final do Ministério das Finanças quanto ao
apuramento da dívida do AA. não há aqui pressupostos que conduzam a condenação
em primeira instância do BB, aqui Apelante;
De referir que com a entrada em vigor do
Decreto Executivo nº 507/18, de 20 de Novembro, entende-se que sobre a Apelante
passou a incidir apenas a obrigação de meios, ou seja, o dever de adoptar
procedimentos e diligências com a vista à produção de resultado ou efeito, ou
seja, para o efectivo cumprimento foram observados, tendo na ocasião as partes
(o Apelante e a Empresa Apelada) assinado o “Termo de Reconhecimento de Dívida
e a Acta Conciliação de Dívida constante nos autos”, remetidos à Delegação
Provincial de Finanças. Este facto constitui uma causa liberatória da Apelante;
Recordando que a responsabilidade
contratual é despoletada sempre que por razoes devidamente provadas se chega a conclusão
da existência de mora ou incumprimento culposamente imputáveis ao devedor. Não
é claramente este o caso em evidência;
O caso em apreço, por tudo quanto acima
ficou dito, reflecte irrefutavelmente uma situação de impossibilidade
subjectiva, bem como de impossibilidade temporária de pagamento, nos termos do
qual, o devedor não responde pela mora no cumprimento, uma vez substituída por
outra entidade e se mantém o interesse do credor, tal qual preveem os artigos
791º e 792º, ambos do C.C.;
Tal argumento contrapõe a posição do
Tribunal de Comarca de Moçâmedes quando em sua Justiça entende que a Apelante
por ser “ente menor”, não se lhe aplica as disposições do Decreto Executivo nº
507/18, de 20 de Novembro. Nada mais errado! O referido decreto executivo traz
uma disciplina legal especial em matéria de Dívida Pública e sua gestão a nível
das Unidades Orçamentais e nos termos do artigo 2º, aplica-se aos credores do
Estado residentes (Grupo 3 Coimbra, Lda.) e não residentes cambiais. “lex
special derogat legi general”;
O Tribunal de 1ª instância desvalorizou os
factos descritos na contestação e não atendeu as provas trazidas ao processo,
examinou-as como fracas, sem ter em atenção o conteúdo das provas documentais;
Ao desatender a fundamentação fáctica do Apelante,
bem como, ao não socorrer-se de questões legais que disciplinam tal matéria,
viola o direito substantivo. Pois todas as reclamações a serem submetidas estão
sujeitas a auditoria independente e ao procedimento de Certificação de Dívida
em vigor, por sinal é a fase em que a reclamação do Grupo 32 Coimbra, Lda. se
encontra, conforme artigo 5º do já citado Decreto Presidencial nº 507/18;
Por via disso, o Tribunal “a quo” não interpretou conforme
prescreve a hermenêutica jurídica e a sua metodologia (art. 9º, C.C.).
Também
ainda na 1ª instância, o AA. apresentou as suas contra-alegações – fls.
152-156.
II.
OBJECTO
DO RECURSO
II.1 – QUESTÃO
PRÉVIA
Sendo
certo que o âmbito e o objecto do recurso são delimitados, para além das meras
razões de direito e das questões de conhecimento oficioso, pelo inserto nas
conclusões das alegações (artigos 660º, nº 2; 684º, nº 3; 690º, nº 1, 713º,
todos do Código de Processo Civil), afigura-se existir, no caso concreto,
questão relacionada com a legitimidade do Autor – para intentar a presente
acção, o que constitui excepção dilatória, que obsta a que o Tribunal conheça
do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância – artigos 493º, nº 2,
494º, nº1 al. b), ambos do C.P.C.
Esta
circunstância é de conhecimento oficioso – art. 495º do C.P.C.
Quanto
ao conceito de legitimidade, dispõe o art.º 26º do Código de Processo Civil
que:
1. O
autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte
legítima quando tem interesse directo em contradizer.
2. O
interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da
acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3. Na
falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse
relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material
controvertida.
Da
transcrição acabada de fazer, com recurso aos dizeres de Castro Mendes (in
Direito Processual Civil, Vol. II, págs. 187 e 192), conclui-se que “a legitimidade
é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que
justifica que possa aquele autor, ou aquele réu, ocupar-se em juízo desse
objecto do processo”. (…). Assim, “a legitimidade da parte depende da
titularidade, por esta, dum dos interesses em litígio”.
No
mesmo sentido ensinava o Prof. Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de
Processo Civil, 2ª edição, Vol. I, pág. 41) que a “questão da legitimidade é
simplesmente uma questão de posição quanto à relação jurídica substancial. As
partes são legítimas quando ocupam na relação jurídica controvertida uma
posição tal que têm interesse em que sobre ela recaia uma sentença que defina o
direito”.
No
caso dos autos, o AA, – alega ter celebrado com a BB um contrato de fornecimento
de diversos materiais no valor de 4.652.000,00 Kz (Quatro Milhões, Seiscentos e
Cinquenta e Dois Kwanzas);
Mais
alega que a BB confessa ser devedor de determinadas quantias em dinheiro, num
total de 4.152.000,00 Kz (Quatro Milhões, Cento e Cinquenta e Dois Kwanzas).
E
o Tribunal a quo, dando por procedente a acção, proferiu decisão a
condenar o BB a pagar ao AA, a quantia de 8.137.920,00 Kz (Oito Milhões, Cento
e Trinta e Sete Mil, Novecentos e Vinte Kwanzas). – Fls. 63-67.
Sucede
que o objecto da presente acção e a respectiva causa de pedir, nos moldes em
que a mesma está configurada, tem por base três documentos:
i.
Um contrato de fornecimento de bens
celebrado entre o BB e o GG, – doc. fls. 16-19;
ii.
Uma declaração de reconhecimento de
dívida, por meio da qual o BB declarou reconhecer a dívida a favor do GG, Lda,
no valor de 4.652.000,00 Kz (Quatro Milhões, Seiscentos e Cinquenta e Dois Mil Kwanzas
- doc. fls. 8 e 9.
iii.
O depósito de 500.000,00 Kz (Quinhentos
Mil Kwanzas), por meio de ordem de saque, a favor do GG – doc. fls. 10,11 e 12.
Além
disso, em todos os seus articulados e nas suas alegações de recurso, o BB
refere-se sempre ter celebrado contrato com a empresa – GG de quem se reconhece
devedor.
Decorre
daí que o BB não celebrou um contrato de fornecimento de bens com o senhor AA.
De
acordo com a prova documental nos autos, o contrato foi celebrado com a empresa
– GG
Afigura-se
assim claramente que o Autor, a favor de quem foi proferida a sentença de
29/10/21 (fls. 63-67), é parte ilegítima, por não ser sujeito activo e/ou passivo na relação
contratual subjacente à causa de pedir.
Na
verdade, para que a presente acção pudesse ser apreciada e o BB fosse
condenado, a acção teria de ser intentada pela empresa GG, por meio de quem a possa
representar em juízo, nos termos do art.º 21º do Código de Processo Civil.
Sendo
obrigatória a constituição de advogado, este deveria ser constituído pela
empresa GG.
Na
situação concreta, não há nos autos qualquer documento a partir do qual se
possa aferir se a empresa GG pode ser representada em juízo pelo Autor, AA, que
constituiu advogado em nome próprio, por procuração forense de fls. 6.
A
ilegitimidade é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que importa a
absolvição da instância, nos termos dos artigos 493º, nº 1 e 2, 494º, nº 1, al.
b) e 495º, todos do Código de Processo Civil.
III.
DECISÃO
Nestes
termos e por estes fundamentos, os juízes da Câmara do Cível, Administrativo,
Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação do Lubango, reunidos em conferência,
em nome do povo, acordam em revogar a decisão recorrida, declarar o Apelado
parte ilegítima e, em consequência, absolver o Apelante da instância.
Custas
pelo Apelado.
Registe
e notifique.
Lubango,
03 de Agosto de 2023
Bartolomeu
Hangalo
Marta
Marques
Domingos
A. Nahanga
DECLARAÇÃO DE VOTO
O Acórdão de que sou vencido revogou
a decisão recorrida, decretando a absolvição da instância da Apelante, por
ilegitimidade do Apelado, com os fundamentos substanciais, de que AA, não é
representante da empresa, por inexistência de instrumento de representação e
por isso nunca deveria intentar a acção contra o BB, na qualidade em que o faz.
Sendo verdade que o BB contratou com
o GG para fornecimento de bens, conforme documento de fls. 16 a 19; e tendo
sido entendido pelo acórdão que a Empresa não é a que está em juízo; facto
crucial que levou esta instância a decidir por ilegitimar AA como
representante; importa, no entanto, apontar o alcance do Acórdão, porque é aqui
onde me encontro desalinhado com o decidido:
i. O Acórdão ao decidir em absolver a Apelante da instância, quer significar que o Tribunal de recurso exonera o devedor das suas obrigações, de pagar os bens fornecidos, que decorrem do contrato bilateral, no seu artigo 7º;
ii. Ao se absolver a apelante (devedora assumida), colocou a credora numa situação de orfandade do direito; já que o efeito prático e imediato desta decisão é desobrigar a devedora confessa, das suas responsabilidades debitórias;
iii.
A
decisão transmite a ideia de uma inexigibilidade do pagamento do crédito por
parte da devedora, porque aventar a possibilidade de retoma da cobrança da
dívida com um outro processo, regularizando a alegada falta de poderes de
representação; conhecendo-se a mora normal dos processos; equivale na mesma, a
exonerar a devedora. Se não na dívida, pelo menos, na utilidade do crédito.
No
âmbito, do livre exercício de julgamento e nos termos do nº 1, última parte do
artigo 713º do CPC, votei vencido, quer nos fundamentos pilares, quer no sentido
da decisão.
Sendo certo que este exercício não
decorre de qualquer desvalor da reflecção contida no Acórdão, por mim
contra-votado; a verdade é que vejo-me defender o oposto do decidido, clarificando a
posição que tomei, com a breve reflecção que se segue:
1. Importa antes referir, que muito lateralmente, consegue-se depreender das alegações recursórias, que há carência de fundamentos para o recurso, facto que colocaria muito próximo de falta de objecto. Pois, a devedora ao reconhecer a obrigação contratual e não havendo momento algum em que a recorrente aponta factos ou direito contrários ao decidido, está-se perante a falta de interesse; e faltando interesse, há ilegitimidade nos termos do número 1/1ª, parte do artigo 26º do CPC. Se reconhece a dívida, não há inconformismo para recorrer;
2. A posição desta instância, seria razoavelmente uma das seguintes: 1. manter-se a decisão com alteração do beneficiário do crédito, isto é, ao invés de AA seria GG, já que esta é a Empresa contratante ou 2. convidar-se o autor a suprir a irregularidade nos termos da 1ª parte do artigo 24º do CPC, se no rigor fosse o caso ou ainda 3. restaria sempre tempo para o suprimento, nos termos do número 1/2ª parte, do mesmo artigo, que dispõe: “O juiz deve oficiosamente ou a requerimento da parte, fixar o prazo dentro do qual hão-de ser sanados os vícios de que trata o artigo anterior; não o fazendo, o suprimento ou a correcção pode ter lugar a todo tempo”;
3. Até onde alcança o meu entendimento, tal significa que a vício decorrente da falta ou irregularidade de representação, não pode constituir óbice para o prosseguimento da acção, podendo, pois, ser sanada oportunamente, quer com outorga do instrumento de representação, quer ainda com a simples ractificação dos actos praticados, por parte da representada;
4. Dispõe o artigo 194º da lei das Sociedade Comerciais que a administração e a representação da sociedade competem aos gerentes;
5. A questão da ilegitimidade nunca foi suscitada, mesmo por quem disso tiraria proveito e não há prova contrária que ponha em causa a actuação de AA em nome do GG. Perante estas evidências e ausência de outras, o caminho a seguir, se tanto, seria recorrer as presunções, que são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349ª do CC);
6. No caso, em análise, nem me parece, que no rigor fosse necessário fazer recurso a estes mecanismos de supressão pelo facto de a autora ser a Empresa representada por AA, e a qualidade em que intervém só pode resultar da expressa identificação na P.I. ou se não, pelo menos tacitamente, decorrente dos artigos 194º nº 1 que dispõe: “A administração e a representação da sociedade competem aos gerentes”. Se isso não bastasse, ainda sempre seria a luz do artigo 21º do CPC. que dispõe: “…as sociedades são representadas por quem a lei designar”;
7. Se os poderes não fossem materialmente aferíveis nos autos, ainda assim, poder-se-ia sempre lançar mão as presunções previstas no artigo 349º do CC, que dispõe: “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”. Por esta via considerar-se por ractificados todos os actos por ele praticados, a luz do número 3 do referido artigo, cujo teor é: “Os negócios que os gerentes, sem poderes de representação celebrem em nome da sociedade não podem ser impugnados se, por deliberação unanime, os sócios, expressa ou tacitamente ractificarem esses negócios”. Dispõe o artigo 21º do CPC no seu número 1: “As demais pessoas colectivas e as sociedades são representadas por quem a lei designar”;
8.
Os
poderes de representação da Empresa, são deduzíveis quer nos preliminares da
formação do contrato, na sua celebração e execução e de todos os actos
processuais havidos:
a) A acção foi intentada por AA, porém fê-lo em nome do GG conforme petição inicial (fls. 3)
b) AA, foi sempre visto e considerado representante do GG tanto assim é que foi ele que esteve no acto de assinatura do contrato de fornecimento de bens e assinou o mesmo com o BB, no dia 08 de Janeiro de 2018 como se pode ver no documento de fls.16 a 19;
c) Todos os actos de notificação no processo foram endereçados ao representante da empresa;
d) A acta de conciliação da dívida foi assinada Por AA, na qualidade de representante da Empresa GG e o representante do BB (fls. 37);
e) Na audiência preparatória quem esteve a representar a autora é o AA (fls. 55);
f) Na
sentença, no seu ponto II. AA é identificado como representante do GG.
9. Mesmo que não estivesse validamente a representar a empresa, ainda haveria o instrumento para a regularização da representação, fazendo recurso ao artigo 23º do CPC. atento ao que antecede;
10.Definitivamente AA não é uma pessoa estranha a empresa, tanto é assim que, olhando para todos os actos em que ele intervém é conhecido e tido como prestador de serviço do BB;
11 Depois
de todo o percurso temporal da dívida, do percurso judicial da acção; vir esta
instância “invalidar” o processo por uma ilegitimidade “microscópica”,
absolvendo a devedora, ora apelante; a meu ver, se não é injustiça; está muita
abeirada a isso.
Em
suma, o levantamento oficioso da ilegitimidade activa do autor, aqui operada;
não me parece encontrar espaço, para definir a absolvição da instância da
devedora. Aqui, o que se impunha era confirmar a decisão recorrida,
corrigindo-se quando muito, o beneficiário do crédito, constante no dispositivo
da decisão recorrida; que só por lapsus
calami, tal terá ocorrido, se, se atentar a todo o acervo fáctico constante
nos autos. Aliás, estar no dispositivo o nome do representante ao invés da
representada, é mais uma situação reconduzível a erro material, nos termos do
artigo 667º, o que não justifica a decisão, aqui tomada.
Lubango,
03 de Agosto de 2023.
O
Juiz Desembargador, Domingos Astrigildo Angelino Nahanga