Processo
003/2023/CIV-H
Relator
Dr. Bartolomeu Hangalo
Primeiro Adjunto
Dra. Marta Ngueve
Segundo Adjunto
Dr. Domingos Nahanga
Descritores:
EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA SOB A FORMA DE PROCESSO SUMÁRIO.
ACÓRDÃO
Processo
nº 003/2023/CIV-H
Os
Juízes da Câmara do Cível, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da
Relação do Lubango, reunidos em conferência, em nome do povo, acordam:
I
– RELATÓRIO
Na
Sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Comarca do Cuanhama, AA,
maior de idade, solteiro, filho de ------ e de ------, natural de ------,
província do ------, residente em ------, município de ------, no ------,
negociante de profissão, intentou a presente ACÇÃO DE EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO
DE QUANTIA CERTA SOB A FORMA DE PROCESSO SUMÁRIO contra BB, maior de
idade, solteiro, filho de ------ e de ------, natural de ------, município do -------,
província do ------, residente em ------, pedindo a “citação” do executado para
o pagamento de 2.420.000,00 Kz (Dois Milhões, Quatrocentos e Vinte Mil
Kwanzas), acrescidos de 250.000,00 Kz (Duzentos e Cinquenta Mil Kwanzas) de
procuradoria condigna, ou para nomear bens à penhora – fls. 3-8.
Para
sustentar este seu pedido, alegou que:
O
Executado, no dia 3 de Maio de 2019, procurou pelo Exequente para que este lhe
emprestasse a quantia de 3.000.000,00 Kz (Três Milhões de Kwanzas) para
devolve-los no prazo de 14 meses, ou seja, de 3 de Maio de 2019 até ao mês de
Julho de 2020;
Assinaram
um “Termo de Compromisso”, com reconhecimento notarial, em que o Executado se
comprometeu a efectuar o pagamento em prestações mensais de 200.000,00 Kz (Duzentos
Mil Kwanzas);
Acordaram
verbalmente que o Executado disponibilizaria ao Exequente o seu cartão
multicaixa com o respectivo PIN, para que este passasse a debitar mensalmente o
valor acordado;
No
mês de Agosto de 2019, procedeu conforme o acordado, tendo debitado da conta
bancária do Executado o valor de 200.000,00 Kz (Duzentos Mil Kwanzas);
Volvidos
alguns dias, depois o Executado veio renegociar o valor a debitar da sua conta
bancária para pagamento da dívida, propondo ao Exequente que passasse a debitar
apenas o valor de 180.000,00Kz (Cento e Oitenta Mil Kwanzas), proposta que foi
prontamente atendida e aceite;
No
mês seguinte, o Exequente debitou da conta do Executado o valor de 180.000,00
Kz (Cento e Oitenta Mil Kwanzas);
Dias
depois, o Executado foi ter com o Exequente no sentido deste emprestar-lhe o
valor de 10.000,00 Kz (Dez Mil Kwanzas), para devolver o valor de 20.000,00 Kz
(Vinte Mil Kwanzas), valor este que seria debitado em simultâneo com o do mês
seguinte, totalizando 200.000,00 Kz (Duzentos Mil Kwanzas);
Aceite
esta solicitação, o Exequente debitou 200.000,00 Kz (Duzentos Mil Kwanzas),
conforme solicitado;
No
mês seguinte, depois de pagos os ordenados, quando foi para debitar os
180.000,00 Kz (Cento e Oitenta Mil Kwanzas), que correspondiam à quarta
prestação, o Exequente viu o cartão multicaixa a ser retido pelo ATM;
Procurou
pelo Executado e informou-lhe do sucedido, tendo este respondido que teria ido
ao banco e mandou anular o cartão multicaixa;
Decorrido
um mês, o Exequente não cumpriu com a promessa, facto que levou a interpela-lo
várias vezes sem sucesso;
O
prazo para pagamento da dívida venceu no mês de Julho de 2020 e o Executado não
se mostra interessado em pagar o valor da dívida em falta, isto é os 2.440.000,00
Kz (Dois Milhões, Quatrocentos e Quarenta Mil Kwanzas);
Constituiu
advogado e juntou fotocópia do “Termo de Compromisso”.
Aberto
termo de conclusão, foi proferido despacho a indeferir liminarmente o
requerimento executivo, com fundamento em contradição entre o título executivo
e o pedido da acção executiva, conforme a transcrição que se segue:
“Cotejados
os autos, verifico que o requerimento inicial do exequente consta como pedido o
valor de Dois Milhões e Quatrocentos e Vinte Mil Kwanzas (fls. 5), todavia,
junta um título executivo onde figura o valor de Três Milhões de Kwanzas (fls.
8), consubstanciando, claramente, numa contradição entre o título executivo e o
pedido da acção executiva.
Com
efeito, quando o pedido não se harmoniza com o título executivo conduz a
contradição entre o pedido e a causa de pedir, e, por conseguinte, importará a
ineptidão do requerimento inicial da acção executiva.
Porquanto,
diz-se inepta a petição inicial sempre que o pedido esteja em contradição com a
causa de pedir [art.º 193.º, n.º 1, alínea b), do CPC].
De
acordo com Joel Timóteo Ramos Pereira, “O pedido formulado na acção executiva
deve harmonizar-se com o título. O pedido que não se harmoniza com o título
conduz a contradição entre pedido e causa de pedir [art.º 193º, nº 2, al. b)],
gerando a nulidade de todo o processo (at.º 193.º, nº 1), que constituindo uma
excepção dilatória insuprível, é fundamento de indeferimento liminar do
requerimento executivo [art. 812º - E, nº 1, al. a)]” (Pereira, Joel Timóteo
Ramos, Prontuário de Formularios e Trâmites, págs. 27 e 276).
Como
corolário, a lei manda indeferir liminarmente o requerimento inicial da acção
executiva que se considere inepta [art.º 474º, nº 1, al. a), do CPC]
Pelo
exposto, indefiro liminarmente o presente requerimento inicial, nos termos da
conjugação dos artigos 193º, nº 1, alínea b) e 474º, nº 1 alinea a), do C.P.C.
Sem
Custas, nos termos do § 1º, do artigo 2º, nº 1 do CCJ”. – fls. 14-15
O Exequente foi notificado deste
despacho no dia 19 de Setembro de 2022 – fls. 17.
No dia 23 de Setembro de 2022, o
Exequente deu entrada de novo requerimento executivo, no qual concluiu por
requerer a notificação do Executado para o pagar ou nomear bens a penhora, no
valor de 2.420.000,00 Kz (Dois Milhões, Quatrocentos e Vinte Mil Kwanzas),
acrescidos de uma indemnização no valor de 330.000,00 Kz (Trezentos e Trinta
Mil Kwanzas) e mais 250.000,00 Kz (Duzentos e Cinquenta Mil Kwanzas) de
procuradoria condigna, totalizando 3.000.000 Kz (Três Milhões de Kwanzas) –
fls. 46-49.
Em seguida foi proferido despacho
datado de 23 de Setembro de 2022, a ordenar o desentranhamento e a devolução ao
Exequente do novo requerimento, com fundamento de que enferma dos mesmos vícios
do anterior – fls. 19.
Inconformado, o Exequente interpôs
recurso, amparado pelas disposições conjugadas dos artigos 475º, nº 1, 1ª
parte, 680º, nº 1, 734º, nº 1, al. a) e 736º, al. a) todos do Código de
Processo Civil, (fls. 22) que foi admitido como de agravo, com subida imediata,
nos próprios autos e com efeito suspensivo – fls. 24.
O Agravante apresentou as suas
alegações de recurso (fls. 28-30), com as seguintes conclusões:
1.
O
artigo 812º - E, nº 1 a) do Código do Processo Civil invocado por Joel Timóteo
Ramos Pereira para sustentar a sua doutrina, da qual o Tribunal a quo se
baseou para indeferir liminarmente o Requerimento Inicial, não existe no nosso
Código de Processo Civil, pelo que não pode ser aplicado no nosso ordenamento
jurídico. O nosso legislador não previu, para a acção executiva, o
indeferimento liminar.
2.
A
questão em causa podia ser levantada pelo executado, como fundamento de
oposição à execução, nos termos do artigo 815º, nº 1 do Código de Processo
Civil.
3.
Pedir
menos não viola o disposto no artigo 45º, nº 1 do Código de Processo Civil, por
isso, não deve induzir o entendimento de que o pedido não se harmoniza com o
título executivo.
Não foi dada oportunidade ao Agravado de
apresentar as suas contra-alegações por não se ter dado cumprimento ao disposto
no nº 3 do art. 475º do CPC.
Remetidos os autos ao Tribunal ad quem, este admitiu recurso como sendo
o próprio, com o efeito apropriado, nada obstando ao conhecimento do seu
objecto – fls. 58-59.
O Digno Magistrado do Ministério
Público teve vista dos autos e pronunciou-se dizendo que “o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente o
requerimento inicial do exequente parece-nos ter violado o disposto no nº 1 do
artigo 45º do C.P.C. Pelo que é procedente o recurso interposto e em
consequência revogar-se o despacho do Tribunal recorrido.” – fls. 64-65
Colhidos os vistos legais, importa
apreciar e decidir.
II
– OBJECTO DO RECURSO
O
âmbito e o objecto do recurso são delimitados, para além das meras razões de
direito e das questões de conhecimento oficioso, pelo inserto nas conclusões
das alegações (artigos 660, nº 2; 684º, nº 3; 690º, nº 1; 713º, nº 2 e 749º,
todos do Código de Processo Civil.
1
- QUESTÃO PRÉVIA
a/
- Falta de citação.
Nos
presentes autos, proferido despacho de indeferimento liminar do requerimento
executivo, interposto recurso e admitido este, os autos subiram a esta
instância sem que o Executado fosse citado para os termos da acção e do recurso
e da execução.
Por
força do disposto no artigo 801º do Código de Processo Civil, “são
subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução as disposições que regulam
o processo de declaração”.
Dispõe
o art. 475º, nº 3 do C.P.C. que “o despacho que admita o agravo ordenará a
citação do réu, tanto para os termos do recurso como para os da causa”.
No
caso em apreciação, o despacho de admissão do recurso, datado de 19 de Janeiro
de 2023 (fls. 24), é omisso quanto a determinar a citação do Executado para os
termos do recurso e para os da execução, pois limitou-se a dizer:
“–
Por ter legitimidade e estar em tempo, admito o recurso interposto pelo
executado, que seguirá os termos de agravo, subindo imediatamente nos próprios
autos e com efeito suspensivo, nos termos da conjugação dos artigos 733º, 734º,
alínea a) e 736º alínea a) todos do CPC.”
-
Notifique”.
Além
deste despacho ser totalmente omisso quanto à citação do agravado, compulsados
os autos, designadamente o mandado e a certidão de notificação do despacho de
admissão do recurso (fls. 25, 26 e 27), constata-se que a citação não chegou a
ser sequer operada oficiosamente pela secretaria.
Tal
preterição do acto de citação é de conhecimento oficioso e integra a nulidade
prevista na al. a) do art. 194º e 202, ambos do C.P.C. e, em princípio, geraria
a nulidade de todo o processado após a sua comissão, neste caso, a nulidade de
todos os actos posteriores à apresentação das alegações de recurso de fls.
28-30 e 31-42.
Tal
nulidade não poderia ser considerada sanada nos termos do art. 196º do
C.P.C. uma vez que o Executado em nenhum
momento interveio nos autos.
Como
consequência, a anulação de todo o processado ulterior implicaria a remessa dos
autos à 1ª instância para nela se dar cumprimento ao preceituado no nº 3 do art.
475º do C.P.C. visando a salvaguarda do princípio do contraditório.
Entretanto,
na situação concreta, no confronto entre o princípio do contraditório e o do
acesso a uma tutela jurisdicional efectiva, ambos constitucionalmente
consagrados, entende-se por ponderado fazer prevalecer este e conhecer-se das
questões do objecto do recurso.
b/ - Fundamentação
das decisões judiciais
Embora
nas alegações e no despacho de sustentação sobressaia a ideia de que o recurso
foi interposto do despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo,
na realidade foi interposto depois do proferido o despacho que ordenou o
desentranhamento do segundo requerimento executivo, apresentado ao abrigo do
artigo 476º do C.P.C com o seguinte teor:
“Compulsados os
autos, verifico que o exequente juntou ao processo um requerimento inicial que
enferma dos mesmos vícios que o anterior.
Assim, ordeno que
se desentranhe o requerimento inicial que procede, desenvolvendo-o ao
exequente.
Notifique” – fls.19.
Este
despacho merece uma palavra, pois não evidencia as razões que motivaram o
desentranhamento do segundo requerimento executivo.
Dado
que te força de pôr fim ao processo, deveria ser fundamentado, não sendo
suficiente a alegação de que padece dos mesmos vícios que o anterior.
A
fundamentação das decisões judiciais é uma das vertentes do direito fundamental
a um processo célere e equitativo, previsto nos termos do nº 4 do art. 29º da
Constituição da República, do art. 10º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, bem como o art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos.
E
para a conformação legal da garantia constitucional, sobre o dever de
fundamentação das decisões judiciais, o art. 17º da Lei Orgânica Sobre a
Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum, Lei nº 29/22, de
29 de Agosto dispõe que “as decisões dos
Tribunais de Jurisdição comum, que não sejam de mero expediente, são
fundamentadas na forma prevista na lei”. No mesmo sentido está o artigo
158º do Código de Processo Civil (C.P.C)
No
que se refere ao dever de fundamentação das decisões judiciais, há que
distinguir se, trata-se de despacho ou de uma sentença, porquanto as exigências
formais, como a tramitação de uma e de outra são distintas, pois, em relação aos
despachos, a lei nada diz quanto os requisitos formais. Mas, quanto às
consequências, “a prática de um acto que
a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei
prescreve, só produzem nulidade quanto a lei o declare ou quanto a regularidade
cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” — nº 1, art. 201º,
C.P.C.
Já
em relação à sentença, os requisitos formais estão enumerados no art. 659º do
C.P.C e a consequência legal da sua falta de fundamentação é a nulidade, como
decorre do art. 668º, nº 1, al. b), também do C.P.C ao reportar-se aos casos em
que “não especifique os fundamentos de
facto e de direito que justificam a decisão”.
Por
outro, de acordo com o artigo 668, nº 3 do C.P.C., “as nulidades previstas na alínea a) a alínea e) do n.º 1 só podem ser
arguidas perante o Tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso
ordinário; caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas
nulidades”.
Estas
previsões para as sentenças podem ser aplicadas aos próprios despachos por
força do nº 3 do art. 666º do C.P.C ao consagrar que “o disposto dos números anteriores, bem como os artigos subsequentes,
aplica-se até onde seja possível, aos próprios despachos”.
Assim,
a falta de fundamentação de um despacho judicial tanto pode decorrer da omissão
de uma formalidade e influir na decisão da causa, com a nulidade pelas regras
adoptadas para a sentença, pelo facto de seus destinatários ficarem sem saber
as razões que a sustentam.
É
de assimilar que a lei não estabelece os requisitos específicos e integrados da
existência de fundamentação dos despachos judiciais, pelo que seus requisitos
devem ser aferidos casuisticamente a partir do enquadramento jurídico-legal do
objecto da questão controvertida.
A
doutrina maioritária e a jurisprudência têm apontado no sentido de que a
fundamentação de um despacho deve expressar “ratio
decidendi”, ou seja, deve expressar as razões da decisão. E isso passa por descrever as circunstâncias
factuais respeitantes ao objecto do litígio, a fundamentação de direito,
mediante indicação da lei e a sua sustentação raciona, em forma de argumento.
Numa
acção executiva, o despacho que ordena o desentranhamento do novo requerimento
executivo e as normas legais, ou pelo menos, os fundamentos que legitimam o
desentranhamento e a devolução do requerimento executivo.
No
caso concreto, é tão evidente a falta de fundamentação do despacho que, quer
nas alegações do agravante (fls. 28-30), quer no despacho de sustentação (fls.
44-45), a questão do recurso é tratada de forma indistinta como indeferimento,
não se descortinando de forma clara se se reporta ao despacho de indeferimento
liminar datado de 19 de Setembro de 2022 (fls. 19).
Nesta
instância, para dar solução ao caso, passou-se a ter o despacho efectivamente
agravado, o de desentranhamento, como despacho de indeferimento tácito com os
mesmos fundamentos do despacho que o antecedeu, por, nas circunstâncias
concertas, ter a virtualidade de pôr fim ao processo.
2 – QUESTÕES A
DECIDIR
Emergem
como questões a decidir, saber se:
1 – Configura uma contradição entre
o título executivo e o pedido, o facto de o Exequente, ter formulado um pedido
inferior ao valor que consta do título?
2 – Não cabe despacho de indeferimento
liminar na acção executiva?
3
– Deve manter-se o
despacho liminar de indeferimento ou deve este ser revogado e substituído por
outro que determine o prosseguimento da execução, ordenando-se a citação do
Executado?
I/
Configura uma
contradição entre o título executivo e o pedido, facto de o Exequente, ter
formulado um pedido inferior ao valor que consta do título?
O
requerimento executivo apresentado é suportado por um título executivo
particular que seus subscritores denominaram de “Termo de Compromisso”, em que
o Executado BB se comprometeu a devolver ao Exequente o valor de 3.000.000,00
Kz (Três Milhões de Kwanzas) até ao mês de Julho de 2020.
Segundo
consta no requerimento executivo de fls. 7-8, do valor total a que estava
obrigado, o Executado pagou apenas 580.000,00 Kz (Quinhentos e Oitenta Mil
Kwanzas), faltando por pagar a quantia de 2.420.000,00 Kz (Dois Milhões,
Quatrocentos e Vinte Mil Kwanzas), cujo pagamento pretende obter na presente acção
executiva.
Em face do montante pedido e do que
consta no título executivo apresentado, o Meritíssimo Juiz proferiu despacho de
indeferimento liminar de fls. 14-15, invocando contradição entre o título
executivo e o pedido.
A propósito veja-se o primeiro
parágrafo do despacho agravado que a seguir se transcreve:
“Cotejados
os autos, verifico que o requerimento inicial do exequente consta como pedido o
valor de Dois Milhões e Quatrocentos e Vinte Mil Kwanzas) (fls. 5), todavia,
junta um título executivo onde figura o valor de Três Milhões de Kwanzas) (fls.
8), consubstanciando, claramente, numa contradição entre o título executivo e o
pedido da acção executiva”.
O
despacho agravado pode ser entendido hipoteticamente em duas vertentes.
Numa
primeira hipótese, seria de concluir que mesmo que seja detentor de um título
executivo, se se registar algum pagamento parcial, por mínimo que seja, o credo
está impedido de requerer a execução da parte em falta já que o título reza
quantia superior à que se pretende executar.
Numa
segunda hipótese, seria também plausível concluir que, não obstante o pagamento
parcial já verificado, para se conformar o requerimento executivo com o
respectivo título, o credor, Exequente, estaria obrigado ainda assim a requerer
o pagamento integral do montante que consta do título, sem se considerar a parte
da obrigação já cumprida.
E,
de facto, foi este ultimo entendimento que o Exequente extraiu do despacho de
indeferimento. Tanto é assim que, notificado do despacho de indeferimento
liminar, usando do benefício conferido pelo art. 476º, nº 1 do C.P.C., dentro
de cinco dias apresentou novo requerimento executivo no qual veio requerer a
notificação do Executado para o pagamento de 2.420.000,00 Kz (Dois Milhões,
Quatrocentos e Vinte Mil Kwanzas), acrescidos de uma indemnização no valor de
330.000,00 Kz (Trezentos e Trinta Mil Kwanzas) e 250.000,00 Kz (Duzentos e
Cinquenta Mil Kwanzas) de procuradoria condigna, totalizando 3.000.000,00 Kz
(Três Milhões de Kwanzas). (fls. 46-49).
Se
o primeiro foi liminarmente indeferido, o segundo requerimento mereceu despacho
a determinar o seu desentranhamento e a sua devolução ao seu ilustre
apresentante, com fundamento em que padecia dos mesmos vícios do anterior.
Não
sufragamos nenhum dos dois entendimentos que hipoteticamente poderiam ser
retirados do despacho agravado.
De
facto, é extensa a jurisprudência e a doutrina que aponta para o facto de “o
pedido formulado na acção executiva deve harmonizar-se com o título. O pedido
que não se harmonizar cm o título conduz à contradição entre o pedido e a causa
de pedir [art. 193º, nº 2, al. b)] gerando a nulidade de todo o processo (art.º
193º, nº 1), que constituindo uma excepção dilatória insuprível, é fundamento
de indeferimento liminar do requerimento executivo”, nas palavras de
Pereira, Joel Timóteo Ramos, citado no despacho recorrido.
A execução,
diferente da acção declarativa, não visa definir o direito violado, mas a
realização concreta e efectiva desse direito, que já deve constar do título,
conforme se depreende do nº 3 do art. 4º do C.P.C.
Toda a
execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da
acção executiva (art. 45º, nº 1, do CPC). O título executivo constitui, assim,
o “documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade da realização
coactiva da prestação não cumprida” (M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo
Processo Civil, 607/608) ou “o documento de acto constitutivo ou certificativo
de obrigações, a que a lei reconhece eficácia de servir de base ao processo de
executivo (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág.
58).
“Nulla excecutipo sine titulo”. Sem título executivo não se pode
recorrer à instauração da acção executiva, sendo por isso, condição necessária
desta.
“O título
constitui o pressuposto formal da acção executiva destinado a conferir à
pretensão substantiva um grau de certeza suficiente para consentir a
subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor” (J. Lebre de Freitas e
outros, C.P.C. Anotado, I/87).
Ainda que de
forma ilidível, o título executivo certifica a existência do direito que o Exequente
quer ver satisfeito. Trata-se, pois, de documento certificativo ou o
instrumento probatório da obrigação exequenda e faz fé da existência de dívida
enquanto se não demonstrar o contrário, bastando ao exequente a exibição do
título pelo qual a obrigação é constituída ou reconhecida para recorrer à acção
executiva. É um documento do qual consta a
exequibilidade de uma pretensão e, consequentemente, a possibilidade da
realização coactiva da correspondente prestação por meio da execução.
Na presença
desse documento, título executivo, dada a relativa certeza da existência da
dívida nele demonstrada, é dispensada a fase declarativa para definir o direito
do exequente, sem prejuízo de se vir a demonstrar, por meio de embargos de
executado, um dos meios de oposição, que a obrigação não existe.
De qualquer
modo o objecto da execução tem de corresponder ao objecto da situação acertada
no título, pelo qual se determina também os seus limites (nomeadamente, o
quantum da prestação), que não deve exceder a previsão constante do documento –
artigo 45º do C.P.C., pois, a verificar-se o excesso, estar-se-ia perante uma
contradição entre o pedido e a causa de pedir.
E se a pretensão executória for
inferior ao quantum constante do título, tal também acarretará uma
contradição entre o pedido e a causa de pedir? Propendemos pela negativa.
As disposições relativas à acção
declarativa são subsidiariamente aplicáveis à acção executiva e o credor pode
em qualquer altura reduzir o pedido – art. Art. 273º, nº 2 e 801º, ambos do
C.P.C., ou seja, tratando-se de direitos disponíveis, o credor pode pedir menos
do que lhe é devido.
Se o montante peticionado no
requerimento executivo for inferior ao que consta no título executivo, tal
circunstância não caracteriza contradição entre o pedido e a causa de pedir.
II/ Não cabe despacho de indeferimento liminar
na acção executiva?
O agravante
termina a conclusão nº 1 das suas alegações dizendo que “o nosso legislador
não previu, para a acção executiva, o indeferimento liminar”. Para chegar a
tal afirmação começa por dizer que “o artigo 812.º - E, n.º 1 al. a) do
Código de Processo Civil invocado por Joel Timóteo Ramos Pereira para sustentar
a sua doutrina, da qual o Tribunal a quo se baseou para indeferir liminarmente
o Requerimento Inicial, não existe no nosso Código de Processo Civil, pelo que
não pode ser aplicado no nosso ordenamento jurídico”.
É certo que
o Código de Processo Civil vigente em Angola, no seu artigo 812º não contempla
uma alínea E, com o nº 1 al. a). Entretanto, é de notar que o despacho agravado
também não se fundamentou numa pretensa al. E do art. 812º do C.P.C.
O que houve,
e como tem sido prática corrente no nosso ordenamento jurídico, é transcrição,
que foi colocada entre aspas, de doutrina construída a partir de um ordenamento
jurídico diferente do nosso. No caso concreto, no ordenamento jurídico
português.
Não se
afigura que seja censurável o recurso ao direito comparado para sustentar
decisões judiciais. E a doutrina citada não é contrária ao que reza o Código de
Processo Civil vigente, é certo e reiteramos aqui que “o pedido formulado na
acção executiva deve harminizar-se com o título”.
Se não
houver conformidade entre a pretensão executiva e o respectivo título, o
requerimento executivo deve ser indeferido. Por outras palavras, se o houver
discordância na individualização das partes, estaremos perante um problema de
ilegitimidade. Se o pedido formulado no requerimento executivo for diferente ou
superior à obrigação constante do título executivo caberá despacho de
indeferimento liminar, conforme for o caso, com fundamento no disposto nos
artigos 45º, nº 1, 2; 193º, nº 2, al. b); 474º, nº 1, al. a), b) e 801º,
todos do C.P.C.
Pode haver
lugar a indeferimento liminar na acção executiva.
III/ Deve manter-se o despacho agravado ou deve este
ser revogado por outro que determine o prosseguimento da execução, ordenando-se
a citação do Executado?
Como última
questão a resolver resta saber se deve manter-se o despacho liminar de indeferimento ou deve
este ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento da
execução, ordenando-se a citação do Executado.
A resolução
desta questão depende necessariamente da posição a tomar face ao requerimento
executivo apresentado estar ou não conforme ao título executivo.
É também
este o entendimento do Agravante conforme se pode ver do artigo 10º das suas
alegações de recurso que a seguir se transcreve: “(…) o pedido formulado na
acção executiva deve harmonizar-se com o título: pode pedir-se menos, mas
quando se peça mais ou diferente daquilo que o título indica, infringe-se o
artigo supracitado”, no caso, infringe-se o disposto no nº 1 do art. 45º do
C.P.C.
O
requerimento executivo está em harmonia com o título dado à execução?
A resposta a
esta questão está intimamente ligada à questão de se saber qual o despacho que
foi agravado, se o de indeferimento liminar do primeiro requerimento executivo
ou se o que ordenou o desentranhamento e a devolução do segundo requerimento
executivo.
Ocorreu que
no primeiro, face ao pagamento parcial de 580.000,00 Kz (Quinhentos e Oitenta
Mil Kwanzas), o Exequente pediu a notificação, entenda-se “citação” do
Executado para o pagamento de 2.420.000,00 Kz (Dois Milhões, Quatrocentos e
Vinte Mil Kwanzas), acrescidos de 250.000,00 Kz (Duzentos e Cinquenta Mil
Kwanzas), a título de procuradoria condigna.
E atribuiu à
acção o valor de 2.670.000,00 Kz (Dois Milhões, Seiscentos e Setenta Mil
Kwanzas).
Este
primeiro requerimento foi liminarmente indeferido e a reacção do Exequente ao
indeferimento liminar, não foi a de interpor recurso.
Usando do
benefício concedido pelo disposto no art. 476º do C.P.C., veio apresentar novo
requerimento executivo, no qual requereu a notificação, aqui entendida como “citação”
do Executado para: - pagar 2.420.000,00 Kz (Dois Milhões, Quatrocentos e
Vinte Mil Kwanzas); - acrescidos de 330.000,00 Kz (Trezentos e Trinta Mil
Kwanzas) de indemnização; - e 250.000.000 Kz (Duzentos e Cinquenta Mil Kwanzas)
de procuradoria condigna, totalizando 3.000.000,00 Kz (Três Milhões de
Kwanzas).
O segundo
requerimento executivo mereceu despacho a ordenar o seu desentranhamento e a
sua devolução ao seu ilustre apresentante, com fundamento na alegação de que
padece dos mesmos vícios do anterior – fls. 19.
O recurso
foi interposto no oitavo dia depois da notificação do despacho que ordenou o
desentranhamento e a devolução do novo requerimento – fls. 22.
A posição
adoptada pelo Exequente demonstra que, a ser admitido que a acção executiva
deva prosseguir, teria de ser com o segundo requerimento executivo e não com o
primeiro já que, ao ser notificado do indeferimento liminar, conformou-se e
pretendeu corrigir os vícios que levaram ao indeferimento.
Ocorre que
no segundo requerimento, que se pretendeu corrigido, além dos 2.420.000,00 Kz
(Dois Milhões, Quatrocentos e Vinte Mil Kwanzas) ainda não pagos, pede também o
pagamento de quantias que, claramente não constam do título executivo: - uma
indemnização no valor de 330.000,00 Kz (Trezentos e Trinta Mil Kwanzas) e a
procuradoria condigna no valor de 250.000,00 Kz (Duzentos e Cinquenta Mil
Kwanzas).
A ser
atendida tal pretensão, teria de receber do Executado, a título de pagamento: 2.420.000,00
Kz (Dois Milhões, Quatrocentos e Vinte Mil Kwanzas); - acrescidos de 330.000,00
Kz (Trezentos e Trinta Mil Kwanzas) de indemnização; - e 250.000.000 Kz, além
dos 580.000,00 Kz (Quinhentos e Oitenta Mil Kwanzas), do pagamento parcial que
já obteve, antes de intentar a acção executiva, o que totalizaria 3.580.000,00
Kz (Três Milhões, Quinhentos e Oitenta Mil Kwanzas), um valor superior ao que
figura no título executivo.
É de
confirmar o despacho recorrido e manter o despacho de indeferimento liminar,
embora por fundamentos diversos dos invocados na 1ª instância.
Mesmo que
por hipótese se entendesse que o requerimento executivo a considerar na
eventual prossecução da acção executiva fosse o primeiro requerimento, ainda
assim a solução a adoptar teria de ser a já apontada.
Independentemente
de com qual requerimento pretende o Agravante que a execução prossiga, o certo
é que o segundo requerimento também não se harmoniza com o título executivo,
pois nele, o Exequente, além de pedir o valor remanescente, 2.420.000,00 Kz
(Quatrocentos e Vinte Mil Kwanzas), pretende que além deste, lhe sejam pagos
também 250.000,00 Kz (Duzentos e Cinquenta Mil Kwanzas), pretende que além
deste, lhe sejam pagos também 250.000,00 Kz (Duzentos e Cinquenta Mil Kwanzas)
a título de procuradoria condigna.
O documento
dado à execução não prevê o pagamento de um acréscimo de 250.000,00 Kz
(Duzentos e Cinquenta Mil Kwanzas) para além do valor em dívida, ainda que a
título de procuradoria, não se harmonizando assim com o título executivo.
Ademais, a
procuradoria, quando cabível, entra em regra de custas. Deve ser arbitrada pelo
Tribunal, em função do valor da causa e sua complexidade, entre ¼ (um quarto) e
½ (metade) da taxa de justiça devida a final, na proporção de vencido. E quando
o Tribunal a não arbitre entende-se fixada no seu montante mínimo, ou seja, ¼
(um quarto) da taxa de justiça – art. 10º da Lei nº 9/05, de 17 de Agosto, Lei
Sobre a actualização das Custas Judiciais e de Alçada dos Tribunais.
É assim de
confirmar o despacho recorrido e manter o despacho de indeferimento, embora por
fundamentos diversos dos elencados na primeira instância.
DECISÃO
Nestes
termos e por estes fundamentos, os juízes do Câmara do Cível, Administrativo,
Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação do Lubango, reunidos em conferência,
em nome do povo, acordam em não dar provimento ao recurso e confirmar a decisão
recorrida, sem prejuízo de o Exequente intentar nova execução em que requeira a
citação do Executado para o pagamento da quantia efectivamente em dívida sem
quaisquer acréscimos.
Sem
custas
Registe
e notifique
Lubango,
22 de Junho de 2023
Bartolomeu J. Hangalo
Marta Marques
Domingos A. Nahanga
DECLARAÇÃO
DE VOTO
O Acórdão de que sou vencido não deu
provimento ao recurso, confirmando a despacho recorrido, com o fundamento
substancial, de que o valor pedido na acção de execução nos dois requerimentos
e momentos diferentes está em desconformidade com a constante do título
executivo, de resto, posição do Juiz a
quo, que é motivo da “insurreição” do recorrente.
O
Acórdão ao decidir em confirmar o despacho que ordenou o desentranhamento, quer
significar que o Tribunal de recurso confere lisura neste acto.
No âmbito, do livre exercício de
julgamento e nos termos do nº 1, última parte do artigo 713º do CPC, votei vencido,
quer nos fundamentos pilares, quer no sentido da decisão.
Sendo certo que este exercício não
decorre de qualquer desvalor do árduo trabalho reflectido no acórdão, por mim
contra-votado; a verdade é que impoe-me a sensatez defender a posição
inversa, do decidido,
clarificando a posição que tomei, com a breve fundamentação que se segue:
1. O recurso é um meio ao dispor de quem sendo parte vencida, pretende impugnar a decisão e constitui um direito consagrado na Constituição da República, de resto, decorrente do Estado de direito em que a realização da justiça é o seu fim;
2. O recorrente interpôs a acção para se executar o valor 2.420.000,00 (dois milhões e quatrocentos e vinte mil), sendo detentor de um título em que consta o montante em Kz. 3.000.000,00 (três milhões).
3. Em despacho liminar o Juiz a quo indeferiu o R.I. com o fundamento na desconformidade entre o pedido e o título. Em acto subsequente e antes do trânsito em julgado, fazendo recurso a prerrogativa do artigo 476º do CPC, veio dar entrada um outro R. que viria ser mandado desentranhar pelo juiz, com a remissão aos fundamentos do despacho de indeferimento, tendo a exequente, diante desta posição interposto recurso;
4.
A
questão que se colocaria é se o despacho de desentranhamento proferido pelo juiz
é ou não recorrível? No formato em que se apresentou aqui, muito facilmente
configuraria um despacho de mero expediente, a luz do artigo 679º do CPC; e
estando por essa razão sujeito a reclamação. Porém, aqui parecendo deixar de
ter o simples carácter regulador no andamento do processo, para interferir
substancialmente na questão do conflito; já tem o condão de pôr termo a acção,
como referido pelo Acórdão.
5. O meu relevante desalinhamento está no facto de as três decisões: 1º despacho de indeferimento, o 2 º despacho de desentranhamento do juiz a quo e o Acórdão terem decidido no mesmo sentido de que os dois Requerimentos em momentos diferentes estão em desconformidade com o título; quando no R.I. o valor pedido é inferior ao constante do título e no 2º R., o valor do pedido é igual ao constante do título;
6.
O
2º Requerimento de execução, não sendo uma peça que se possa considerar inútil,
porque decorrente de uma faculdade prevista no artigo 476º e exercido em tempo
devido é a peça que representa a própria acção e com isso só pode recair sobre
ele o despacho de indeferimento ou de citação. Isto é, incorporado o
Rrequerimento nos autos alí deve manter-se. Ainda que fosse extemporânea, não
caberia desentranhamento;
7. O Juíz a quo ao indeferir o R.I. não terá feito o melhor julgamento sobre a correspondência do pedido e do valor do título. Só assim se compreende que no primeiro R. quando o valor do pedido era inferior ao constante no título, não atendeu e no 2º R., em que o recorrente conforma matematicamente o valor do pedido com o do título; ainda assim ordenou o desentranhamento do R., sem quaisquer outros fundamentos, senão os constantes no primeiro despacho de indeferimento, em que a questão era por ter pedido menos do que o valor do titulo;
8.
Quer
a fundamentação, quer a decisão, até onde vai a minha percepção, parece conter
uma contradição enviesada pelo seguinte:
a)
Num
dos parágrafos do acórdão dispõe: “Não
sufragamos nenhum dos dois entendimentos que hipoteticamente poderiam ser
retirados do despacho agravado”. E quais são os entendimentos possíveis?
No primeiro requerimento, o de que, se pedindo menos em relação o título há desconformidade e no segundo caso, pedindo-se igual ao título há desconformidade;
b) O acórdão tendo revelado a sua discordância com as duas posições, possíveis de se extrair dos dois despachos proferidos pelo juiz a quo, ainda assim, veio confirmar o despacho de desentranhamento. E isto coloca o recorrente no seguinte dilema quase inultrapassável:
i.
Se, se pede um
valor abaixo do valor contido no título; o tribunal indefere o requerimento por
desconformidade e;
ii. Corrigindo o Requerimento ajustando-o ao valor inscrito no título, ainda que isso implique pedir o já pago; o Tribunal com os mesmos fundamentos, ordena o desentranhamento.
c) Competiria a esta instância de recurso, diante da actuação do juiz a quo reparar a injustiça procedimental dos actos, anulando o despacho por vício do comando nele contido e da não fundamentação. Por este efeito repristinar-se-ia o despacho de indeferimento do primeiro requerimento e fazer-se juízo sobre a desconformidade ou não do título com o pedido; já que o entendimento que se consegue alcançar no Acórdão é de que se pode sempre pedir execução de valor inferior ao constante no título, como é o caso do primeiro R., que por esta razão corresponderia aos requisitos previstos nos artigos 45º/1 e 51º/1 do CPC., porque:
i. O facto de o exequente ter computado à execução, o valor da procuradoria condígna, não produz nenhuma desconformidade do pedido, em relação ao título. Basta pensar-se que a procuradoria condigna, requerida ou não, sempre será computada oficiosamente nos termos do artigo 50º do CCJ.Tal significa que o facto de o exequente o ter adicionado no valor do pedido não tem relevância alguma, porque expurgável ipso jure;
iii. O desentranhamento só pode ocorrer sobre actos que tenham sido praticados fora do tempo ou manifestamente inúteis, e possam “engasgar” o curso normal do processo, o que não parece ser o caso, por referir-se ao Requerimento que desencadeia a acção e protegida pelo principio da aquisição processual;
iv. A cópia que o juiz traz na sustentação, não se pode confrontar com o requerimento original de autoria do recorrente, porque inexiste nos autos. Neste caso o juízo válido só poderia recair sobre o primeiro R.I., já que o 1º despacho liminar nunca chegou a transitar em julgado, se considerarmos que se fez uso da faculdade prevista no artigo 476º do CPC, que interrompeu os prazos;
v. O desentranhamento equivale a inexistência do desentranhado, porque o que não está no processo não existe; daí não poder sequer valer-se dele para fundamentar o que quer que seja, como foi no caso, em que o juiz usa na sua sustentação uma cópia do suposto R. desentranhado e devolvido à parte;
vi. O acto que ordena o desentranhamento é uma incorrecção processual, e o juntar na sustentação, a cópia do desentranhado devolvido à parte é outro erro maior, que não se poderia validar nesta instância.
9.
O
não prover o recurso nos termos em que foi é premiar neste caso, quem faltou
com dever contratual, no cumprimento das suas obrigações, num universo de
contratação creditícia em que existem obrigações dos contraentes.
Ao ter-se validamente decidido nos
termos em que foi, deixa-se o exequente ao desamparo da justiça; já que pelas
duas formulações possíveis em que poderia fazer valer o seu direito creditício,
as duas instâncias negaram-se a prover, até o simples exercício da acção. Esta
situação, se não é, a distância que a separa da denegação da justiça é muito
frágil.
O recurso nesta instância é aquilo
que por analogia, na medicina seria o direito do paciente, à segunda opinião
médica; o que foi de todo negado ao ter colocado o recorrente numa situação de
orfandade do direito; ainda que se tenha inesperadamente sinalizado no
dispositivo, a possibilidade de o exequente intentar outra acção; o que na
verdade, só torna se tanto, suavizada a injustiça do decidido, sendo esta a
razão do meu desalinhamento.
Lubango, 22 de Junho de 2023.
O Juiz vencido
Domingos Astrigildo Angelino Nahanga