Processo
0006/2023/CIV-L- AGRAVO
Relator
Dr. Lourenço José
Primeiro Adjunto
Dra. Tânia Pereira Brás
Segundo Adjunto
Dr. Bartolomeu José Hangalo
Descritores:
Providência Cautelar de Arresto
ACÓRDÃO
PROC.
N.º 006/2023/CIV-L- AGRAVO
Os juízes da Câmara do
Cível, Administrativo, Contencioso Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação do
Lubango acordam em nome do Povo.
I
- RELATÓRIO
Na 1.ª Secção da Sala do
Cível e Administrativo do Tribunal da Comarca do Lubango, AAAAAAA, natural de ----,
província de ----, portador do BI nº ----, emitido pelo Sector Nacional de
Identificação Criminal, requereu Providência Cautelar de Arresto contra BBBBBBB;
CCCCCCC; DDDDDDD; EEEEEEE; FFFFFFF; GGGGGGG; HHHHHHH; IIIIIII; JJJJJJJ; … … onde
conclui pedindo o arresto ao seguinte:
1 – Imóvel inacabado do
requerido EEEEEEE, onde funciona os seus escritórios, incluindo os móveis que
possam existir.
2 – Imóvel inacabado e
desabitado do requerido JJJJJJJJ.
3 – Imóveis dos demais
requeridos, incluindo todos os pertences que nos mesmos possam existir.
4 – A obra em curso de CCCCCCCC,
ao Bairro ----.
5 – Saldos actuais e futuros
das contas bancárias dos Requeridos.
Para fundamentar a sua
pretensão, o Requerente alega, em síntese, o seguinte:
1 – Adquiriu prédios
rústicos sitos no Bairro ----, junto a Escola ----, no âmbito de um projecto
com o Ministério da …….., para a construção de residências de funções.
2 – O primeiro prédio
rústico situado numa área de 20.000 m2, foi adquirido de AG, já devidamente
registado, e um outro de 35.957 m2 comprado de FM, em 2005, cujo possuidor foi
o pai deste à década de 70.
3 – Nos referidos prédios
rústicos foram contruídos e instalados equipamentos e sete (7) moradias,
algumas das quais por concluir e um armazém em contentores, com material de
construção e viaturas.
4 – Os Requeridos
movimentaram o equipamento e os materiais de construção que se encontravam nos
contentores e as viaturas do Requerente, para ali erguerem as suas moradias.
5 – Assim, verificou-se
danos nos contentores e viaturas, bem como furto de materiais de construção nos
quintais das moradias do Requerente.
6 – De Maio de 2017 a
Maio de 2020, os Requeridos destruiram a área de segurança aos equipamentos e
materiais de construção e alicérces do muro
e vedação.
7 – Por duas vezes, os
dois elementos de protecção física ao espaço foram colocados com armas de fogo
e amarrados na sua casota.
8 – Face ao perigo
iminente à vida dos “guardas”, estes abandonaram a obra.
9 – Os Requeridos sabiam
que o espaço tinha dono e, mesmo avisados sobre este facto, compraram terrenos
e destruiram os bens do Requerente que lá se encontravam e, não obstante
embargo administrativo às obras, construiram moradias.
10 – Com o seu
comportamento, os Requeridos causaram danos avultados ao Requerente a serem
avaliados devidamente.
De folhas 76 a 78 foram
ouvidas as testemunhas arroladas pelo Requerente.
De fls. 80 a 85 foi
proferida, aos 14 de Janeiro de 2021, a Sentença que julgou improcedente a
providência de arresto e absolveu do pedido os Requeridos.
Notificadas da decisão as
partes, insatisfeito o Requerente instou de fls, 138 a 142 o Tribunal, a
aclarar a decisão, quanto aos seus fundamentos de direito, ao que foi atendido
a fls. 144 e 145.
A fls. 150 o Requerente
não conformado com o teor aclarativo, interpôs recurso de Agravo, a subir
imediatamente nos próprios autos com efeito suspensivo.
A fls. 173 foi deferido o
requerimento do recurso nos seus precisos termos.
De fls. 190 a 195 foram
formuladas as alegações em que o Recorrente conclui pedindo que seja “revogada a
decisão recorrida, com todas as consequências legais”, por entender que “a
sentença pronunciada pelo Tribunal faltou a fundamentos de direito”.
Notificadas as partes da
subida do recurso, os Agravados formularam as suas Contra-Alegações de fls. 258
a 262, onde concluem, em síntese, pedindo:
a) Sejam
declarados improcedentes os pedidos do Agravante.
b) Manter
a decisão do Tribunal “a quo”.
II
– OBJECTO DO RECURSO
O âmbito e objecto do
recurso são delimitados; para além das meras razões de direito e das questões
de conhecimento oficioso; pelo inserto nas conclusões das alegações do
recorrente, nos termos do disposto nos artigos 660 nº 2, 664º, 684º nº 3 e 690º
nº 1 todos do CPC e, em consequência, emerge como questão a decidir:
Único:
Estão ou não reunidos os pressupostos para a procedência da Providência
Cautelar de Arresto?
III
– FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal “a quo” julgou indiciariamente
provados os seguintes factos:
1 – O Requerente é um
cidadão nacional no ---- na cidade do ----.
2 – O prédio rústico com
á rea de 20.000 m2, localizado no Bairro ----, confrontado a norte com
particulares; a sul com rua projectada; a este com residências particulares e a
oeste com residências particulares está registado na Conservatória do Registo
Predial sob o nº ----, em nome de AG, conforme documentos de fls. 16 a 18.
3 – O Requerente, aos 20
de Novembro de 2019, celebrou uma escritura de compra e venda, consigo mesmo,
na qualidade de Procurador do Sr. AG, passando a titularidade do referido
prédio rústico com a área de 20.000 m2, para o seu nome, conforme documentos de
fls. 12 e 13.
4 – O Requerente procedeu
ao registo, em seu nome, do referido prédio rústico com área de 20.000 m2.
5 – O Requerente
solicitou à Admnistração do Bairro da ----, a legalização de uma parcela de
terreno de 42.700 m2, conforme documentos de fls. 25 a 27.
6 – Nos autos constam
fotografias que ilustram materiais danificados, viaturas avariadas, conforme
imagens de fls. 47 a 54.
Da fiscalização dos autos
não foi possível apurar o suporte probatório dos factos elencados nos nº 3 e 4
da prova indiciária, senão vejamos:
Consta do artigo 1º da
Petição Inicial que “o Requerente
adquiriu um prédio rústico sito no Bairro da ----, junto a escola de ----, no
âmbito de um projecto com o Ministério da …….. para a construção de Residências
de Funções”.
Prosseguindo, ecslarece o
artigo 2º da douta PI “que o primeiro
prédio rústico situado numa área de 20.000 m2 foi adquirido ao Sr. AG, e já com
registos e um imóvel e o outro de 35.957 m2 espaço adjacente ao primeiro, foi
adquirido ao Sr. FM no ano de 2005, cujo possuidor foi o pai deste a década
70”.
Compulsados
minuciosamente os autos, apurou-se o seguinte:
1 – Consta da
Escritura de Compra e Venda e da Caderneta Predial Urbana, a fls. 13 e 21 dos
autos que o prédio adquirido pelo Requerente é “urbano situado nesta cidade do ----, no Bairro da ----, Rua da N’gola,
inscrito na matriz predial urbana do Muncípio do ----, sob o nº ----,
devidamente registado na Conservatória dos Registos da Comarca da ---- sob o nº
----, cuja descrição é a seguinte: moradia unifamiliar construída a alvenaria,
pedra, blocos de cimento e tijolo com pavimento a mosaico cerâmico e cobertura
de telha. Pisos: 1, salas comuns, dois quartos/escritórios: 2, casas de banho:
2. Quartos com W.C.2. despensa: 1. Confrontações: Norte com residência privada.
Sul com rua nº 1. Este com residências privadas e Oeste com residências
privadas”.
Consta
igualmente da Escritura de Compra e Venda que “ele outorgante vende a si mesmo o referido prédio urbano, ao
abrigo da procuração que lhe foi outorgada, passada pelo Cartório Notarial da
Comarca da ----, no dia 18 de Julho do ano de 2005, pelo preço de Kz.
1.200.000,00.
A
Escritura de Compra e venda do prédio urbano não faz menção aos 20.000 m2, nem
a qualquer logradouro.
Prova-se
a fls. 24 dos autos que a declaração de cedência do referido espaço, tendo por
objecto um imóvel, não informou à lei, isto é, carece de forma legal.
Quanto
ao comprovativo da Escritura Pública, como é de lei, sobre o imóvel de 35.957
m2, dos autos nada consta.
Também
nada consta dos autos a provar a existência de um crédito coberto por uma garantia
patrimonial do Requerente.
Admitido
o Recurso, a fls. 271 ao Recorrente foi ordenada a junção aos autos da certidão
da garantia patrimonial do crédito constituída sobre os imóveis, porém, este
remeteu a esta instância os seguintes documentos:
1 – Declaração de garantia
Patrimonial do Crédito dos bens danificados, por si assinada.
2 – Lista de meios danificados e furtados
elaborada pela sua empresa.
3 – Cópia do “Despacho do Tribunal
que constatou os danos
reclamados”.
Os
documentos juntos aos autos não fundamentam a constitução de garantias
patrimoniais de um crédito, consagradas do artigo 601º e seguintes do CC.
IV
- DO DIREITO
Dispõe o artigo 402º do
CPC que “o arresto consiste na apreensão
judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora”.
Por
força do disposto nos artigos 619º do C.C e 403º do CPC, motivam a providência
de arresto, os seguintes pressupostos:
1
– A probabilidade de existência do crédito coberto pela garantia patrimonial.
2
– O fundado receio de perda da garantia patrimonial.
Quanto
ao primeiro pressuposto, não existe nos autos a mínima
enunciação à existência de um crédito do Requerente que tenha como garantia patrimonial
os espaços rústicos reclamados.
Por outro, sendo o
arresto requerido contra adquirentes dos bens reclamados pelo Requerente, este
tem a obrigação de mostrar que impugnou judicialmente a aquisição, nos termos
do nº 2 do artigo 403º do CPC, justificação que deve ser feita mediante “impugnação pauliana”, segundo ciência de
Pires de Lima e Antunes Varela, a pág. 637 do Código Civil Anotado, V. I, em
atenção a que “o arresto só pode incidir
sobre bens do devedor, dado que são estes que garantem o cumprimento da
obrigação”, por força do artigo 601º do CC.
No
que respeita ao segundo pressuposto, Pires de Lima e Antunes Varela
afirmam a pág. e obra citadas, que “para
que haja justo receio da perda da garantia patrimonial basta que, com a
expectativa da alienação de determinados bens ou a sua transferência para o
estrangeiro, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do
crédito”.
Prosseguem os insígnes
professores que, sendo o direito conferido ao credor, cabe ao requerente
mostrar que é credor, e, consequentemente, provar, em princípio, a
probabilidade da existência do crédito.
O Requerente fundamenta a
sua pretensão pela alegação de ser proprietário de dois prédios rústicos
situados no Bairro da ---- em ----, com as dimensões de 20.000 m2 e 35.957 m2
comprados, em 2005, dos senhores AG e FM, respectivamente.
Ora, os contratos de
compra e venda de imóveis estão sujeitos a escritura pública, por força do
disposto no 875º do CC, sob pena da nulidade do negócio, que é de conhecimento
oficioso do Tribunal, em sede dos artigos 220º e 286º do referido diploma
legal.
A doação e outros actos
que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou
extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse,
superfície ou de servidão sobre coisas imóveis só são válidos se forem celebrados
mediante escritura pública, por imperativo dos artigos 947º do CC e 89º - a) do
Código do Notariado.
No entanto, dos autos não
consta qualquer justificação da propriedade sobre os prédios rústicos reclamados,
mas apenas a respeitante a um prédio urbano, como consta da respectiva
Escritura de Compra e Venda e da Caderneta de Registo Predial Urbana, a fls. 13
e 21; razão à título pedagógico, realçar, também, ao Tribunal “a quo” para o
rigor à observância do princípio da legalidade dos actos processuais,
dignificado no artigo 72º da CRA, sob pena da cominação prevista nos artigos no
artigo 294º do Código Civil, por remissão do 295º do mesmo diploma legal.
A falta de justificação
da probabilidade da existência de um direito de crédito e da respectiva garantia
patrimonial sobre os prédios rústicos reclamados, relegam a pretensão do
recorrente a uma finalidade sem pressupostos nem objecto, para o decretamento da
providência de arresto.
Assim, os fundamentos
expostos são concludentes à inviabilidade do decretamento do arresto requerido,
por carência de pressupostos legais e de objecto.
V
– DECISÃO
Nestes termos e
fundamentos, reunidos em conferência, acordam os juízes desta Câmara em negar
provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
Lubango,
24 de Outubro de 2023.
Dr. Lourenço José –
Juiz Desembargador Relator;
Dra. Tânia Pereira
Brás – Juíza Desembargadora, 1ª Adjunta;
Dr. Bartolomeu
Hangalo – Juiz Desembargador, 2º Adjunto.