Processo
005/2023 -CIV-A
Relator
Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Marilene Camate
Segundo Adjunto
Lourenço José
Descritores:
: Despacho saneador, deficiência, excesso, contrato de seguro, cobertura de sinistro.
REPÚBLICA DE
ANGOLA
TRIBUNAL DA
RELAÇÃO DO LUBANGO
CÂMARA DO CÍVEL,
ADMINISTRATIVO, FISCAL E ADUANEIRO
ACÓRDÃO
Processo
n.º: 005/2023
Relator: Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data
do acórdão: 14 de Dezembro de
2023
Votação: Unanimidade
Meio
processual: Agravo
Decisão: Provimento parcial do recurso.
Palavras-chaves: Despacho saneador, deficiência, excesso,
contrato de seguro, cobertura de sinistro.
Sumário
do acórdão
I- Impõem os
critérios de fixação do valor da acção, a sua determinação aquando da sua
introdução em juízo, sendo, pois, a cada acção devido um valor, correspondente
a utilidade económica pretendida acautelar, como resulta dos artigos 305.º,
306.º e 308.º, todos do CPC.
No entanto,
tratando-se de uma acção em que a causa da lide é a reparação de prejuízos
resultantes do incêndio, garantidos por um contrato de seguro, a avaliação dos
prejuízos consiste na valoração dos danos causados pelo evento sem quaisquer deduções.
Havendo franquia, como é o caso, esta deve incidir no valor total ressarcível,
sendo este o que determina o valor da acção, nos termos dos números 1 e 2 do
artigo 305.º e número 1 do artigo 306.º, todos do mesmo código.
II- A fundamentação não está de per si, na extensão do exaurismo
doutrinal trazido nas peças produzidas pelo juiz; mas sim, na breve e clara
capacidade de elucidação do pensamento armado no decidido. Entrar na discussão
de fundamentação ou sua falta, sem fixar-se na clarividência, na brevidade e na
inteligência do pensamento expresso pelo decisor, é mesmo que estar num caminho
de especulações sem fim. Pois, o convencimento ou a insurreição sobre a
fundamentação tem antes a ver, na grande maioria, com a razoabilidade ou não,
na posição em que esteja a parte.
III- Não é exigível ao juiz o acatamento
textual de qualquer redacção sugerida pelas partes, bastando que do acto
praticado, possam ser aferíveis as pretensões legítimas das partes, desde que
não sejam deficientes, excessivas, complexas ou obscuras.
REPÚBLICA DE
ANGOLA
TRIBUNAL DA
RELAÇÃO DO LUBANGO
CÂMARA DO CÍVEL,
ADMINISTRATIVO, FISCAL E ADUANEIRO
ACÓRDÃO
Processo
n.º: 005/2023
Relator: Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data
do acórdão: 14 de Dezembro de
2023
Votação: Unanimidade
Meio
processual: Agravo
Decisão: Provimento parcial do recurso.
Palavras-chaves: Despacho saneador, deficiência, excesso,
contrato de seguro, cobertura de sinistro.
Sumário
do acórdão
I- Impõem os
critérios de fixação do valor da acção, a sua determinação aquando da sua
introdução em juízo, sendo, pois, a cada acção devido um valor, correspondente
a utilidade económica pretendida acautelar, como resulta dos artigos 305.º,
306.º e 308.º, todos do CPC.
No entanto,
tratando-se de uma acção em que a causa da lide é a reparação de prejuízos
resultantes do incêndio, garantidos por um contrato de seguro, a avaliação dos
prejuízos consiste na valoração dos danos causados pelo evento sem quaisquer deduções.
Havendo franquia, como é o caso, esta deve incidir no valor total ressarcível,
sendo este o que determina o valor da acção, nos termos dos números 1 e 2 do
artigo 305.º e número 1 do artigo 306.º, todos do mesmo código.
II- A fundamentação não está de per si, na extensão do exaurismo
doutrinal trazido nas peças produzidas pelo juiz; mas sim, na breve e clara
capacidade de elucidação do pensamento armado no decidido. Entrar na discussão
de fundamentação ou sua falta, sem fixar-se na clarividência, na brevidade e na
inteligência do pensamento expresso pelo decisor, é mesmo que estar num caminho
de especulações sem fim. Pois, o convencimento ou a insurreição sobre a
fundamentação tem antes a ver, na grande maioria, com a razoabilidade ou não,
na posição em que esteja a parte.
III- Não é exigível ao juiz o acatamento
textual de qualquer redacção sugerida pelas partes, bastando que do acto
praticado, possam ser aferíveis as pretensões legítimas das partes, desde que
não sejam deficientes, excessivas, complexas ou obscuras.
* * *
Os Juízes
desta Câmara reunidos em conferência acordam em nome do povo:
I. RELATÓRIO.
Na
sala do Civil e Administrativo do Tribunal de Comarca do Lubango, PS,
com sede em Luanda, Município do Cacuaco, Bairro Petrangol, prédio do (…),
representada nesse acto pelo presidente do Conselho de Administração, Sr. PSV, de nacionalidade indiana, natural
de Gondal Rajkot, titular da autorização de residência n.º (…), residente na
cidade de Luanda, distrito urbano da Ingombota, Av. Portugal, intentou Acção Declarativa
de Condenação sob forma de Processo Ordinário contra:
GS,
com sede em Luanda, Av. Ho Chi Minh, Empreendimento Comandante Gika, Edifício (…),
representada por GSA e GSB, na qualidade de Presidente e Vice-Presidente do Conselho de Administração pedindo a
condenação desta:
1. No
pagamento do valor em Kz. 279.983.550,00 (duzentos e setenta e nove milhões,
novecentos e oitenta e três mil, quinhentos e cinquenta kwanzas), a titulo de
indemnização acrescido dos juros legais e;
2. No
pagamento das custas e taxas de justiça.
Cumprida
a fase dos articulados e marcada a audiência preparatória não logrou êxito, por
falta de comparência da Autora e seu mandatário (acta de fls. 358 a 360), tendo
sido posteriormente proferido despacho saneador com especificação e
questionário (fls. 368 a 370);
Notificadas
as partes do despacho saneador e inconformadas, ambas vieram apresentar reclamações
sobre a especificação e questionário, conforme fls. 378, 379 e fls. 380 a 398,
respectivamente pela Autora e Ré.
Cada
uma das partes, foi notificada da reclamação apresentada pela contra-parte; na
ocasião, tendo Autora e Ré se pronunciado, por requerimento de fls. 404, 405 e
406 a 436 respectivamente.
Proferido
despacho que decidiu as reclamações apresentadas, a Ré, inconformada, interpôs
recurso de agravo (fls. 452), que veio ser admitido por despacho de fls. 465/v,
seguindo-se a junção das alegações de fls. 470 a 501, donde se retiram as
seguintes conclusões:
1- O
despacho saneador e o despacho que recai sobre as reclamações que contra este
foram deduzidas, violaram o disposto no artigo 158º n.º 1 do C.P.C;
2- No
despacho saneador e no despacho proferido sobre a reclamação deduzida pela
Agravante, o Tribunal a quo não
fundamentou minimamente a decisão sobre a invocada questão prévia do erro na
indicação do valor da acção;
3- A
especificação padece de deficiência, devendo ser incluída uma nova alínea E),
relativa a coberturas abrangidas e exclusões da apólice de seguro;
4- A
especificação padece de deficiência, devendo nela, serem incluídas novas
alíneas h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y),
z), aa), bb), cc), dd), ee), ff), gg), hh) e ii), contendo todos os factos
constantes dos relatórios elaborados pelas entidades com competência legal para
a realização das perícias subsequentes ao incêndio que afectou o imóvel da A;
5- A
especificação peca também por excesso, devendo a actual alínea F), ser
eliminada e o seu conteúdo transposto para o questionário, por se tratar de
facto não provado;
6- O
questionário, mesmo depois das correções efectuadas pelo Tribunal a quo no despacho que julgou a
reclamação deduzida contra aquele pela Agravante, continua a padecer de
excesso, devendo ser suprimidos os quesitos 1.º e 2.º;
7- Os
factos constantes desses quesitos devem ser transpostos para a especificação por
se tratar de factos provados por documentos juntos aos autos, por ambas as
partes;
8- O
Quesito 9.º, na redacção que lhe foi dada pelo despacho saneador, deve ser
eliminado, aliás, como o próprio Tribunal a
quo reconhece;
9- Devem
ser correctamente transpostos para a especificação, os novos quesitos 8.º e
9.º, cuja redacção foi proposta pela Agravante, devendo criar-se as
correspondentes alíneas da especificação, na senda do reconhecimento pelo Tribunal a quo, de que os factos
referidos nesses quesitos se consideram como provados;
10-
O questionário padece também de
obscuridade, devendo ser formulado o quesito 7º, referente as normas legais de
segurança contra o risco de incêndio;
11-
Termina pedindo, que se julgue procedente
a questão prévia do erro na indicação do valor da acção e que se decrete a ractificação
da especificação e do questionário, no sentido acima requerido.
Notificada
a Autora/Agravada, das alegações, conforme fls.509, não contra-alegou.
Entregues
os autos à esta instância de recurso e feita a revisão, foi proferido despacho
nos termos do 701º e 749 do CPC, admitindo o recurso como sendo o próprio e com
o efeito e regime de subida atribuídos (fls. 517).
Aberta
vista ao Mº. Pº (fls. 519 a 521), quanto á questão prévia levantada pela
Agravante sobre o erro na indicação do valor da acção, veio promover em suma,
no sentido de ser alterado, tendo em conta os 10% da responsabilidade do Autor
e por tudo o quanto foi exposto na especificação e questionário, e julgar o
recurso parcialmente procedente, determinando-se a rectificação do que não
estiver conforme os cânones legais.
Seguiram-se
os sucessivos vistos aos juízes adjuntos (fls.522/v e 523).
* * *
II.
OBJECTO DO RECURSO
Face ás conclusões apresentadas pela parte,
que delimitam o objecto do recurso, para além das excepções de conhecimento
oficioso, que decorrem do disposto nos artigos 660º, 664º, 684º/3, 690º/1 e
713º/2, todos do Código de Processo Civil; emerge como questões a apreciar e
decidir, em sede do presente recurso, saber se:
1- Há incorrecção no valor atribuído à acção.
2- O
despacho saneador e o despacho que recaiu sobre as reclamações, carecem de
fundamentação;
3- A especificação é deficiente e padece de
excesso;
4- O questionário padece de excesso e
obscuridade.
* * *
III. FUNDAMENTAÇÃO
Do rol da
matéria de facto em que se fundou o despacho-saneador recorrido de fls. 438 a
446, e por remissão ao despacho reclamado de fls. 368 a 370 extrai-se o
seguinte:
1- QUANTO À MATÉRIA ESPECIFICADA, consta do
saneador:
a)
Provado por documentos de fls. 11 a 25 o facto de a
Autora ser uma Sociedade Anónima de Comércio Geral e Importação e Exportação;
b)
Provado por acordo que Autora é detentora de uma firma “PS”
situada no Lubango;
c)
Ré é uma companhia angolana de Seguro, S.A. com sede na
Av. Ho-Chi-Minh, Edifício (…) em Luanda;
d)
Provado por documento que entre as partes foi firmado em
9 de Abril de 2016, um contrato de Seguro multirriscos titulado por uma apólice
no valor em Kz. 279.983.550,00 (duzentos e setenta e nove milhões, novecentos e
oitenta e três mil e quinhentos e cinquenta Kwanzas);
e)
Provado por acordo, que em 14 de Março de 2019 ocorreu um
incêndio na loja da Autora que destruiu as instalações e mercadorias;
f)
Por documento de fls. 36 ficou provado que do incêndio
resultou prejuízos avaliados em Kz. 546.733.583,11 (quinhentos e quarenta e
seis milhões, setecentos e trinta e três mil, quinhentos e oitenta e três
Kwanzas e onze cêntimos);
g)
Por documento foi provado que em 10 de Abril de 2019, a Autora
participou a ocorrência do incêndio;
h)
Provado por documento de fls. 38, que a R. em 10 de Junho
de 2019 remeteu a Autora documento eximindo-se da responsabilidade na cobertura
do sinistro;
i)
Provado por documento que em 22 de Abril de 2019 o
Laboratório de Criminalística do Ministério do Interior, emitiu o Relatório de
peritagem técnica sobre o incêndio que concluiu ter sido causa do incêndio uma
anomalia eléctrica dos cabos devido a pressão exercida aos condutores pelos
colchões de mola;
j)
Provado por documento que o mediador de seguro dirigiu o
oficio em resposta ao ofício da Ré que declinou a responsabilidade pela
cobertura do sinistro;
k)
Provado por doc. de fls. 66 que em 27 de Maio de 2020 a Autora
solicitou ao Comandante dos Serviços de Protecção Civil da Huíla o envio do relatório
que foi recebido no dia 01 de Junho de 2020;
l)
Provado por doc. de fls. 68 que no dia 4 de Junho de 2020
o Comando dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros foi remetido à Autora o
relatório tecnológico;
m) Provado por
doc. de fls.77 a 82 que no dia 29 de Março de 2019 o Comando dos Serviço de
Protecção Civil e Bombeiros enviou a Autora o relatório de incêndio de grandes
proporções, ocorrido no dia 14 de Março de 2019;
n)
Provado por doc. que no dia 2 de Julho de 2019 Advanta
Global Services, endereçou à Ré o relatório final sobre o incêndio nas
instalações da Autora e;
o)
Provado por doc. de fls.198 a 248 que a AMP, Peritagens
Técnicas Lda. emitiu o relatório de peritagem técnica de sinistro endereçada a
Ré sobre o incêndio.
2- QUANTO À MATÉRIA CONTROVERTIDA, consta do
questionário:
a)
Sobre o valor a ser indemnizado, no âmbito do contrato de
Seguro celebrado entre Autora e Ré, incide um desconto de 10%?
b)
Do contrato firmado pelas partes são excluídos do âmbito
da cobertura do seguro quaisquer conteúdos do edifício, nomeadamente, quaisquer
bens equipamentos / ou mercadorias que estivessem armazenados ou guardados no
edifício segurado ou fossem nele comercializados?
c)
O pedido de pagamento de Kz. 279.983.550,00 (duzentos e
setenta e nove milhões, novecentos e oitenta e três mil, quinhentos e cinquenta
Kwanzas), inclui as mercadorias destruídas pelo incêndio na loja “PS”?
d)
Desde a data da
celebração do seguro foram efectuadas, pela Ré inspecções para avaliar as
condições de segurança contra incêndios na loja designada “PS”?
e)
A Autora teve conhecimento do Relatório tecnológico nº
108-3455, de 19/12/2018, no dia 4 de Junho de 2020?
f)
A Autora cumpriu as recomendações contidas no relatório
Tecnológico nº 108-3455, de 19/12/2018?
g)
A Ré informou a autora para cumprir as recomendações
contidas no Relatório tecnológico nº 108-3455, de 19/12/2018?
h)
Os técnicos dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros
efectuaram a perícia ao local incêndio 18 (dezoito) dias após a ocorrência do
incêndio?
i)
A Autora empilha colchões por cima dos cabos eléctricos?
* * *
Atentos as
questões suscitadas, importa antes debruçar sobre:
1- QUESTÃO PRÉVIA
A Autora atribuiu
à acção, o valor em Kz. 279.983.550,00 (duzentos e setenta e nove milhões,
novecentos e oitenta e três mil e quinhentos e cinquenta Kwanzas), como
representando a quantia económico do prejuízo sofrido pelo incêndio do armazém
e produtos que nele continha.
Citada a Ré
veio esta impugnar o valor com argumento de que, tendo sido fixado 10% de
franquia dos prejuízos indemnizáveis, em qualquer sinistro abrangido pela
cobertura base, o valor da acção é o correspondente a 10% deduzido dos
prejuízos reclamados, sendo que 10% do indicado, Kz. 54.673.358,31 (cinquenta e
quatro milhões, seiscentos e setenta e três mil, trezentos e cinquenta e oito kwanzas
e trinta e um cêntimos), deve ser deduzido do valor de 279.983.550,00 (duzentos
e setenta e nove milhões, novecentos e oitenta e três mil, quinhentos e
cinquenta Kwanzas); ao que o valor da acção corresponderia em Kz. 225.310.191,69
(duzentos e vinte e cinco milhões, trezentos e dez mil, cento e noventa e um
kwanzas e sessenta e nove cêntimos).
Em réplica
veio a Autora arguir que os prejuízos foram avaliados em Kz. 546.733.583,11
(quinhentos e quarenta e seis milhões, setecentos e trinta e três mil,
quinhentos e oitenta e três Kwanzas e onze cêntimos) e que em Kz. 279.983.550,00
(duzentos e setenta e nove milhões, novecentos e oitenta e três mil, quinhentos
e cinquenta Kwanzas) é o correspondente á data do sinistro.
O Juiz, no despacho saneador não se
pronunciando em definitivo sobre o valor da acção viria protelar a fixação do
mesmo, para outra altura.
Ora, impõem os critérios de fixação do
valor da acção, a sua determinação aquando da sua introdução em juízo, sendo,
pois, a cada acção devido um valor, correspondente a utilidade económica
pretendida acautelar, como resulta dos artigos 305.º, 306.º e 308.º, todos do
CPC.
O valor da acção deve ser conhecido
definitivamente no despacho saneador e não havendo lugar ao mesmo, na sentença.
Tal significa que é no despacho saneador, o lugar e momento em que deve ser
fixado o valor da presente acção, sem protelação, atento ao disposto no artigo
315.º do mesmo Código.
As partes não
tendo chegado a acordo sobre o valor a ser atendido na presente acção, abriu-se
o caminho previsto no artigo 317.º do CPC, situação que ocorre quando, não
havendo acordo sobre o valor da acção; a intervenção do juiz não chega a
resolver o dissenso.
Olhando quer para
o valor proposto pela Autora á data da interposição da acção, á luz do número 1
do artigo 308.º do CPC e o prejuízo que ela pretende ver reparado; quer para o valor
oferecido pela Ré, que resulta do deduzido da franquia contractualizada e a
reacção da Autora nos artigos 1º, 2º, 3º e 4º da réplica, não resulta
contradição inultrapassável, que não seja só em relação a dedução dos 10% da
franquia.
Embora a
franquia deduzida antes ou depois de apurados os verdadeiros valores pareça
irrelevante; o certo é que, reflectido no valor da acção, pode ter implicação
nos custos processuais, o que acaba por ter uma significação económica, na
tramitação processual em termos de preparos, o que justificaria a contraposição
da Ré.
No entanto,
tratando-se de uma acção em que a causa da lide é a reparação de prejuízos
resultantes do incêndio, garantidos por um contrato de seguro, a avaliação dos
prejuízos consiste na valoração dos danos causados pelo evento sem quaisquer
deduções. Havendo franquia, como é o caso, esta deve incidir no valor total ressarcível,
sendo este o que determina o valor da acção, nos termos dos números 1 e 2 do
artigo 305.º e número 1 do artigo 306.º, todos do mesmo código.
A indicação
do valor da acção é regimentado pelos artigos 305.º e 306.º do CPC. No
caso, o valor atribuído teve a ver com os alegados prejuízos de que se pretende
sejam reparados e constantes na participação do sinistro de fls. 37, em
consonância com o número 1 do artigo 306.º do referido código.
Assim, não sendo
relevante a posição da Ré, ora Recorrente, quanto á invocada incorrecção do
valor da acção; deve manter-se o mesmo, como decidido no despacho recorrido, atento
ao que resulta da pretensão material da Autora, expressa na P.I. e de outros
elementos do processo, como dispõe 317.º/ 1ª parte do CPC; não se prevendo ab initio qualquer prejuízo no
atendimento a posteriori da franquia,
sendo o caso.
2- QUANTO AO DESPACHO SANEADOR.
Veio a
recorrente insurgir-se contra o despacho alegando ter havido na sua proferição,
falta de fundamentação, deficiência, obscuridade e excesso na
especificação e no questionário.
2.1.
Em relação á especificação.
a)
Sobre a falta de fundamentação:
O despacho
saneador é o acto jurisdicional em que o juiz diante dos factos arguidos, pelas
partes nos articulados e documentos com ele instruído, impõe-se-lhe o dever com
á equidistância devida fazer a depuração dos factos relevantes, selecionando-os
para a especificação, quando provados por confissão ou por documentos e
questionário, quando duvidosos, de modo a que sobre estes se produza a prova
que irá conduzir á prolação conscienciosa da decisão;
Todavia, diante
de cada situação compete ao julgador levar ou não á especificação ou
questionário os factos que lhe pareçam relevantes. Se isto decorre do livre
ajuizamento; no entanto, esta acção deve ser guiada pela razoabilidade e a
relevância para a decisão da causa, sempre fixados na justiça a que se pretende
ver alcançada, no caso em concreto.
O que é pretendido
no saneador é tanto, quanto possível, a melhor selecção dos factos que resultam
do olhar, pensar e sentir razoável do julgador. Pois, podendo ser o saneador uma
antecâmara da justiça do caso; isto deve significar o alhear-se da incorrecção,
para desatender qualquer subjectivismo natural trazido pelas emoções das partes.
A
fundamentação não está de per si, na
extensão do exaurismo doutrinal trazido nas peças produzidas pelo juiz; mas
sim, na breve e clara capacidade de elucidação do pensamento armado no
decidido. Entrar na discussão de fundamentação ou sua falta, sem fixar-se na
clarividência, na brevidade e na inteligência do pensamento expresso pelo o
decisor é mesmo que estar num caminho de especulações sem fim. Pois, o
convencimento ou a insurreição sobre a fundamentação tem antes a ver, na grande
maioria, com a razoabilidade ou não, na posição em que esteja a parte.
Assim, tendo
o juiz se exprimido nos termos em que o fez, sendo aferível o seu raciocínio; é
de afastar a alegada falta de fundamentação, não se verificando qualquer ofensa
ao alegado artigo 158.º do CPC.
b)
Sobre a alegada deficiência e excesso:
A
especificação, como resulta do artigo 511.º do CPC, deve conter a matéria
trazida pelas partes nos articulados, com relevância para a decisão desde que
esteja assente por confissão, acordo ou prova documental válida.
i.
Quanto á
deficiência.
Veio a Ré
alegar que o não se ter levado factos para a especificação, verifica-se uma
deficiência.
Ora, em relação
ao pedido de inclusão de uma nova alínea “E”, a redacção proposta para o
efeito, em nada corresponde com o teor e vontade expressa no contrato. Todavia,
embora não assista de todo, razão á Recorrente na sua pretensão, nada repugna incluir
uma alínea, para abranger os riscos cobertos e excluídos pela apólice, conforme
o contrato de fls. 28 e 29, e não já como propõe a redacção.
A Recorrente
vem pedir seja acrescentado à especificação, todos os factos constantes nos
relatórios elaborados pelas entidades públicas com competência legal.
A
especificação faz menção dos relatórios emitidos sobre as peritagens feitas. O
constar em documentos de factos, não significa necessariamente a sua relevância,
para decisão. O especificar um facto deve ser incontornável e exigível nos
termos dos critérios do número 1 do artigo 511.º do CPC, atento a natureza da
acção e objectivo da prova. Não se vislumbrando violação dos critérios, para o
efeito, não é de atender a requerida inclusão de factos, nos termos em que é
feita. Aliás, o juiz respondeu a esta questão, no despacho impugnado, de fls.
444, no seu artigo 8.º parágrafo 2 e 3, da seguinte forma: “Adicionalmente,
a Ré pretende que sejam especificados extractos ou parte dos documentos já
considerados provados na Especificação”.
E continua:
“Ora, tal exercício
demostra-se despiciente, uma vez que, ao considerar-se provado o documento, por
maioria de razão, ficam provados o conteúdo integral de tais documentos sendo
desnecessário e até fastidioso que se transcreva no despacho Saneador o
conteúdo integral ou parte dos referidos documentos”.
ii.
Quanto ao excesso.
A Recorrente veio alegar não ser verdadeiro, que
o facto constante na alínea F, (fls. 369), sobre os danos no valor em Kz.
546.733.583,11 (quinhentos e quarenta e seis milhões, setecentos e trinta e
três mil, quinhentos e oitenta e três Kwanzas e onze cêntimos), tenha sido
provado. Que os doc. de fls. 29 a 35 referem-se a facturas pró-formas, não
tendo força probatória, e ainda o facto de a mesma questão sobre o valor
constar também do questionário.
Em despacho de fls.443, o juiz reconhece
veracidade nos factos, mas por não estar reconhecidas as facturas notarialmente
já não atribui plenitude na prova, aditando por isso o quesito 8.º substancialmente
com a mesma matéria. Tal posição assumida pelo julgador, sobre a questão cria
ambiguidade.
No essencial, assiste razão á Recorrente, quanto
a questão do valor dos prejuízos, tendo em conta que tudo que se depreende dos
documentos a que se faz alusão é que são facturas pró-forma, cuja fragilidade é
reforçada pelo aditado quesito 8.º, quando retoma a questão como controvertida.
O inserir a mesma matéria na especificação e
questionário revela uma incerteza na determinação do valor dos prejuízos.
Ora, não podendo no rigor constituir excesso,
pode, no entanto, revelar uma contradição que deve ser evitada no saneador. E para se afastar interpretações
dúbias, sobre esta questão e conferir às partes, maior margem na obtenção
inequívoca da prova sobre a matéria; impõem-se a sua expurgação da
especificação, mantendo-a, no entanto, quesitada e redigindo-a em termos
inequívocos, atento aos critérios constantes no artigo 511.º do CPC.
2.2.
Em relação ao
questionário.
O
questionário é parte do despacho-saneador onde deve constar os factos
controvertidos que sobre eles incidirá a produção da prova para o conhecimento
da causa, tal como referido pelo juiz a
quo.
a) Sobre o
alegado excesso.
A Recorrente refere-se
aos quesitos 1.º e 2.º, como excessivos, alegando estarem provados.
Em relação ao 1.º quesito.
Importa
significar que a franquia é a parte do encargo resultante do sinistro, que cabe
ao segurado suportar, no total dos danos sofridos. E os 10%, não importando o
nome que sê lhes dê, se desconto ou encargo, como tratado pelas partes, resultam
do contrato de seguro; não suscitando por isso, incertezas que justifiquem
levá-las aos quesitos.
Assim assiste razão a Recorrente,
devendo esta matéria ser retirada do questionário.
Em relação ao 2.º quesito.
A Recorrente pede seja retirado do
questionário e transposto para a especificação, com uma nova redacção, de sua
autoria.
Todavia, pelo
facto de o teor proposto não resultar literal e expressamente da apólice
indicada como doc. de fls. 1; tal como defendido pelo juiz a quo, não é de atender a pretensão da Recorrente.
Porém, tendo
sido a matéria suscitada pela Ré, no artigo 14.º da contestação e nos moldes em
que se formulou, não afasta a susceptibilidade de ser quesitado.
Por essas
razões, deve manter-se o artigo e teor, no lugar em que está inserido,
desatendendo-se a pretensão da Recorrente.
Por outro, a Agravante
pede que o artigo 9.º excluído do questionário seja inserido na especificação.
O Mm. º juiz
ao considerar que tal facto estava prejudicado, por já constar da
especificação, transmite a ideia de que a inquietação da Recorrente ficou
sanada pela solução que resulta do teor constante na especificação da alínea
“I” ao que não é de anuir, pelo facto de não encontrar correspondência literal,
nem substância com o quesito 9.º, para que este fosse subsumido, por aquela
alínea da especificação, a ponto de se dispensar a sua transposição.
O que ocorreu,
eventualmente por mera inconsideração, foi a não compensação; isto é, a
transposição da matéria do quesito, para a especificação, considerando o facto
de não haver correspondência literal, nem de substância com o quesito 9.º, para
que este fosse subsumido, a ponto de ser dispensada a sua transposição. Porque reportar-se
a: “…uma anomalia eléctrica (sobreaquecimento)
dos cabos devido a pressão exercida aos condutores pelos colchões de mola”
(provado), não pode razoavelmente equivaler espiritual ou literalmente a: “A autora empilhava colchões por cima dos
cabos eléctricos?
É compreensível
a insistência da Recorrente sobre isso, porque se a matéria tinha relevância
para constar dos quesitos; deixando de o ser porque provada; justifica de todo
a sua transposição para a especificação. E isto é o que deixou de ser feito.
Por isso, assistindo razão à Recorrente; é justificável o seu atendimento.
b) sobre
a deficiência e obscuridade:
Em relação
aos artigos 7.º a Recorrente sugere seja alterada a redação para o sentido
proposto em fls. 497. No entanto, a redacção contida no despacho de fls. 445,
no artigo 9.º é já, no essencial, a alteração feita pelo Mm. º juiz, em
resposta a reclamação da Recorrente.
Tendo já o despacho
impugnado reconhecido razão a Recorrente, quanto á redacção primitiva, e por
este efeito alterado o teor do quesito 7.º; a persistência no mesmo, deixou de
fazer sentido, pelo que é de manter a última redacção dada ao artigo em
fls.445.
Em relação à transposição dos quesitos 8.º e
9.º para a especificação.
Tendo o
despacho, em fls. 445, no ponto 9.º, considerado provada a matéria contida nos
referidos quesitos; e com vista a afastar qualquer interpretação desconforme aos
factos que se pretendem ver assentes, os mesmos quesitos devem ser suprimidos
do questionário e as matérias, neles contida, levadas para especificação, de
forma clara e objectiva, de modo que a sua percepção não resulte de
interpretações remissivas. Por isso, assiste razão a Agravante, devendo
estes factos emigrarem para a especificação, com novas alíneas, no lugar que
melhor se adequar.
Os processos estão sujeitos a custas,
decorrentes da responsabilidade de quem dá causa a acção ou dela tira proveito,
nos termos combinados do nº 1 do artigo 446.º do CPC, e do artigo 1.º do Código
das Custas Judiciais. No caso e em sede de recurso não tendo havido oposição
nesta instância; tal responsabilidade deve ser suportada pela agravante, nos
termos do artigo 446.º nº1/2ª parte do CPC.
Tudo visto e
ponderado, importa proferir;
IV.
DECISÃO
Nestes termos e fundamentos, os Juízes desta Câmara acordam em dar
provimento parcial ao presente recurso e, em consequência:
1.
Manter o valor da acção fixado na P.I.;
2.
Incluir na especificação uma alínea sobre os
riscos cobertos e excluídos pelo seguro;
3.
Expurgar a matéria da alínea “F” da
especificação, mantendo-a no questionário.
4.
Retirar do questionário
a matéria constante no quesito 1.º.
5.
Transpor a matéria dos quesitos 8.º e 9.º para
a especificação.
6.
No restante, vai a pretensão do recurso desatendida,
confirmando-se o decidido nesta parte.
Custas
pela agravante em 1/6
Registe
e notifique.
Lubango, 14 de Dezembro de 2023.
Os juízes Desembargadores
Relator: Domingos
Astrigildo Nahanga
1.º Adjunto: Marilene Camate
2.º Adjunto: Lourenço
José