Processo
0007/2023-CIV1-A
Relator
Dr. Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Dra. Marlene Camate
Segundo Adjunto
Dr. Lourenço José
Descritores:
Contrato de Concessão de Direito de Superfície, Parcelas de Terrenos n.º 1550, 1552, 1553 e 1592.
I. Se as tecnologias têm vindo a revolucionar o modus operandi em todas as áreas de trabalho, dado aos benefícios a elas associadas, tendo inclusive tais feitos já aproveitados em outros hemisférios jurídicos, quanto às decisões judiciárias, com a devida adequação legal; todavia, não sendo por ora o caso do judiciário angolano; mantém-se o comando da norma quanto aos requisitos externos das decisões, sem qualquer alteração.
II. Não estando manuscrito o dispositivo da sentença impugnada (fls. 108 a 113); verifica-se uma flagrante inobservância das normas processuais, a que continuamos a chamar atenção; não sendo, pois, de convocar para todos os efeitos, o direito comparado, quando existem normas expressas e positivadas no ordenamento jurídico angolano, sobre os requisitos exteriores das decisões.
III. O Apelante não é titular de nenhum direito, pelo menos, por via formal, que incida sobre o terreno, cuja posse é detida pela Apelada, mediante título de concessão e registo do respectivo direito na Conservatória Predial do Lubango, conforme certidões de fls. 8 a 21 dos autos. O que há por parte do Apelante é uma tentativa de defender um pseudodireito, só alicerçado no expediente administrativo de legalização, que o reivindicante não prova nos autos ter chegado a obter de jure.
IV. O despoletar do procedimento de legalização e sem concessão, sublinhe-se, só pode confirmar a não titulação do imóvel a seu favor, atendo-se ao facto de que se presume titular do direito, quem a seu favor esteja inscrito, conforme dispõe o artigo 8º do Código do Registo Predial (CRP).
V. A decisão cautelar à luz do artigo 386º do CPC, não sendo vinculativa, nem tendo condão de inviabilizar a pretensão na acção principal, dado o fundo perfunctório em que a mesma assenta; dela só pode aproveitar-se os efeitos imediatos da decisão, antes de decorridos os trinta dias, sem interposição da acção ou por outra razão prevista no artigo 382º do CPC.
ACÓRDÃO
Processo n.º:
007/2023
Relator:
Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data do acórdão: 09
de Maio de 2024
Votação:
Unanimidade
Meio processual:
Apelação
Decisão:
Negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida na parte
impugnada.
Descritores: Contrato de concessão de direito de superfície, parcelas
de terrenos n.º 1550, 1552, 1553 e 1592.
Sumário do acórdão
I. Se as tecnologias têm vindo a revolucionar o modus operandi em todas as áreas de
trabalho, dado aos benefícios a elas associadas, tendo inclusive tais feitos já
aproveitados em outros hemisférios jurídicos, quanto às decisões judiciárias,
com a devida adequação legal; todavia, não sendo por ora o caso do judiciário
angolano; mantém-se o comando da norma quanto aos requisitos externos das
decisões, sem qualquer alteração.
II. Não estando manuscrito o dispositivo da sentença impugnada (fls. 108 a
113); verifica-se uma flagrante inobservância das normas processuais, a que
continuamos a chamar atenção; não sendo, pois, de convocar para todos os
efeitos, o direito comparado, quando existem normas expressas e positivadas no
ordenamento jurídico angolano, sobre os requisitos exteriores das decisões.
III. O Apelante não é titular
de nenhum direito, pelo menos, por via formal, que incida sobre o terreno, cuja
posse é detida pela Apelada, mediante título de concessão e registo do respectivo
direito na Conservatória Predial do Lubango, conforme certidões de fls. 8 a 21
dos autos. O que há por parte do Apelante é uma tentativa de defender um
pseudodireito, só alicerçado no expediente administrativo de legalização, que o
reivindicante não prova nos autos ter chegado a obter de jure.
IV. O despoletar do
procedimento de legalização e sem concessão, sublinhe-se, só pode confirmar a
não titulação do imóvel a seu favor, atendo-se ao facto de que se presume
titular do direito, quem a seu favor esteja inscrito, conforme dispõe o artigo
8º do Código do Registo Predial
(CRP).
V. A
decisão cautelar à luz do artigo 386º do CPC, não sendo vinculativa, nem tendo
condão de inviabilizar a pretensão na acção principal, dado o fundo
perfunctório em que a mesma assenta; dela só pode aproveitar-se os efeitos
imediatos da decisão, antes de decorridos os trinta dias, sem interposição da
acção ou por outra razão prevista no artigo 382º do CPC.
* * *
Os Juízes da Câmara do Cível, Administrativo,
Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação do Lubango, acordam em nome do povo:
I.
RELATÓRIO.
Na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Comarca
do Lubango, CA, solteira, natural da Samba, Província de Luanda e residente nesta
cidade do Lubango, utente do telefone (…); intentou acção Declarativa de
Condenação, sob Forma de Processo Ordinário contra:
XL, residente nesta cidade do Lubango, Bairro (…),
casa s/n.º, com o terminal telefónico (…) e incertos; pedindo, que seja reconhecida a titularidade do direito
da Autora sobre os prédios em causa, e; que sejam os réus condenados a
indemnizar a Autora por todos os prejuízos, avaliados em 1.500.000,00 (Um
Milhão e Quinhentos Mil Kwanzas), acrescidos de juros de mora a contar da
citação; tendo para o efeito alegado em suma:
1- Que é
titular das parcelas de terrenos n.º 1550, 1552, 1553 e 1592, inscritos na
Conservatória do Registo Predial da Comarca da Huíla, conforme certidões em
anexo; que advieram ao domínio da Autora em 2011, por contrato de concessão de
direito de superfície celebrado com a Administração Municipal do Lubango;
2-
Cada um dos terrenos tem uma área de 900m2, situados
no Bairro da (…), tendo o valor de mercado em AKZ 3.500.000,00 (Três Milhões e Quinhentos
Mil Kwanzas), perfazendo um total de 17.500.000,00 (Dezassete Milhões e
Quinhentos Mil Kwanzas); que
foram objecto de apossamento por parte do Réu e outras quatro (4) pessoas não
identificadas que alegam terem adquirido de XX;
3-
Os Réus mantêm nos
terrenos com uma edificação definitiva, para o Réu e outras precárias de chapa
de zinco pertencentes aos Réus desconhecidos, estando nelas seus vigilantes.
Citado o Réu, a fls. 42,
e o M.P.º em representação dos réus incertos (fls. 43), veio aquele deduzir
oposição de fls. 44-48, por excepção de ilegitimidade passiva; nos seguintes
termos:
1. Conforme
reconhece a Autora no artigo 7º da PI, o Réu adquiriu de boa-fé o referido
espaço do Sr. XA, em representação do legítimo proprietário Sr. XB; não estando
estes na acção nem a Administração do Bairro, ocorrendo por isso a
ilegitimidade passiva por falta de litisconsórcio.
2. Dos
esclarecimentos feitos pelo Sr. XA, resulta que o espaço pertence ao Sr. XB e a
Autora adquiriu tal espaço posteriormente a este, por simples declaração
emitida no ano de 2007 pelo cidadão CC que era apenas um dos guardas do Sr. XB;
3. A Autora
adquiriu o espaço de forma fraudulenta e de quem não tinha legitimidade para o
efeito; não tendo por isso a Autora, qualquer direito ou fundamento para
reivindicar o espaço em litígio, por tê-lo adquirido de um popular que não
tinha qualquer legitimidade; pelo terreno em causa pertencer a titularidade do
Sr. XB e legalmente representando pelo Sr. XA, na cedência ao Réu;
4. Quanto
ao valor da acção, é grande a usura e nitidez dos seus contornos por parte da
Autora, em que são apontados nos presentes autos sem explicação, a todos os
Réus, como sujeitos a um regime de solidariedade, o que é censurável, por não
se estar perante tal regime; se afigura pertinente e aceitável a impugnação do
valor da acção, nos termos do art. 314.º, do CPC, oferecendo o Réu, o valor de
AKZ 1.020.000,00 (Um Milhão e Vinte Mil Kwanzas); não se entendendo assim,
requer o Réu, que o valor da acção seja fixado nos termos dos art. 317.º e
38.º, do CPC;
5. Por se mostrar
manifestamente infundada a nomeação do perito para arbitramento por avaliação
do valor do terreno rústico; e a indicação do perito para, por arbitramento se
apurar o valor da presente acção;
Notificada a Autora do conteúdo vertido na contestação,
replicou de fls. 71-77,
e mantendo o peticionado na P.I. veio pedir a improcedência da excepção
e impugnação do Réu, com excepção ao pedido referente a nomeação de perito para
avaliação dos prédios ocupados.
Realizada a tentativa de conciliação foi proferida sentença
(fls.108-113), dando-se parcialmente procedente a acção e condenando os Réus a
reconhecerem o direito de superfície constituído a favor da Autora, sob a
parcela de terreno objecto de litígio e a procederem a restituição da mesma, livre
de ónus e encargos à Autora ou em alternativa, compensar, pelo valor do mercado,
correspondente a cada parcela de terreno, que ocupam.
Notificadas as partes da sentença e não se conformando
com o decidido, veio o Réu XL, interpor recurso de agravo, com efeito
suspensivo a fls. 118; admitido por despacho de fls. 142/v, como sendo de apelação,
com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Entregues os autos a esta instância e feita a revisão, o
recurso foi recebido nos termos do artigo
701.º do CPC, na espécie e regime de
subida atribuídos.
Notificada a parte recorrente nos termos do artigo
705º nº 1 do CPC (fls. 154), veio esta juntar as alegações de fls. 205 a 209, que
se resumem nas seguintes conclusões:
1.
Que resultou provado que
a 22.07.2008, a Administração Municipal do Lubango celebrou um contrato
especial de concessão para a constituição do direito de superfície com o Sr. XB;
este por sua vez, a 30.04.2013 passou uma procuração a favor do Sr. XA, a quem
conferiu poderes para o representar junto de Instituições Públicas e Privadas;
2.
Que por documento o Sr. XA,
em representação de XB, cedeu ao Réu XL uma parcela de terreno localizada no
Bairro Mapunda, a qual havia adquirido a Administração mediante contrato
especial de concessão, tendo em 15.05.2015, o Administrador do Bairro da
Mapunda, remetido à Administração Municipal do Lubango o processo de
legalização da referida parcela de terreno, solicitado pelo Réu;
3.
O recorrente depois da
legalização da parcela de terreno, ergueu sua residência dentro dos marcos do
referido terreno sobre o qual incide o direito de superfície, titulado pelo Sr.
XB;
4.
Tendo ficado apurado que
a Autora adquiriu a referida parcela de terra num momento posterior à aquisição
do Réu, não pode agora a Autora/Apelada, depois de o Réu ter erguido a sua
residência, vir reivindicar tal parcela de terreno, até porque na ordem
jurídica Angolana, a concessão de terrenos a pessoas singulares e colectivas,
não é feita por simples declaração emitida por qualquer cidadão, existe forma
própria;
5.
Não corresponde a verdade
a conclusão do Tribunal a quo,
segundo a qual, o Réu XL e incertos, ergueram suas residências fora dos marcos
da parcela de terreno sobre a qual incide o direito de superfície titulado pelo
Sr. XB, porquanto os documentos passados pelo órgão competente mostram
exactamente o contrário;
6.
Não é somente o Réu XL
que está nestas condições; com ele estão outras quatro (4) famílias no mesmo
terreno, que juntos reclamam pela falha cometida pela Administração Municipal
do Lubango;
7.
O douto saneador-sentença
n.º 0211/2020-A de 14.01.2021, que absolve o Réu e os incertos, reconhecendo a
existência de um direito de superfície a favor do Réu é contraditório, pois
que, o mesmo juiz da causa numa outra sentença sob o processo n.º 0073/2019-B
de 14.06.2021, condenou o Réu e incertos no pedido formulado pela Autora/Apelada.
Não se concebe o que o juiz da causa pretende fazer, uma vez que, o espaço em
litígio é o mesmo e as partes processuais são as mesmas;
8.
O Tribunal a quo andou mal, porquanto manteve-se aquém
da órbita dos princípios norteadores da Justiça, pelo que, não permitir o
provimento do presente Recurso e com base nos fundamentos arrimados nas
alegações do Apelante, estar-se-ia inequivocamente diante de uma ostensiva
injustiça; Não há grandes dúvidas que o processo de aquisição do terreno por
parte da Autora, foi viciado desde a base, razão pela qual, os actos subsequentes
foram todos viciados.
Notificada a Apelada para
contra-alegar, veio opôr-se (fls.216 a 221), em suma:
1. Que em representação do cidadão XB, o cidadão XA,
cedeu por documento particular, ao Apelante, uma parcela de terreno localizado
no Bairro da Mapunda;
2. Que tal cedência é legalmente inválida,
porquanto, a compra e venda de bens imóveis só é válida se for celebrada por
escritura pública, sendo nulo todo contrato celebrado por inobservância da
forma estatuída por lei;
3. O pretenso contrato de concessão de direito de
superfície entre XB e a AML, é também inválido, por exceder o limite máximo a
qual a AML está autorizada a conceder, que é de 999 m2, definido na
lei de Terras e no Regulamento Geral de Terrenos, pois, o seu contrato faz
referência a uma área de 58.860m2;
4. Que por sua vez, a Apelada obteve a referida
parcela de terreno na sua esfera jurídica por meio de celebração de cinco (5) contratos
especiais de concessão, para a constituição do direito de superfície com AML;
5. Que a Apelada tem inscrito em seu nome, na Conservatória
do Registo Predial, parcela de terreno em contenda, facto que a torna legítima
titular em causa. Assim, o Tribunal a quo,
andou bem, em atribuir a Autora o que é seu por direito;
Seguiram-se os vistos
legais nos termos dos números 1 e 2 do artigo 707º do CPC, tendo na ocasião o
MºPº, promovido a improcedência do presente recurso, pelo facto de a Apelada
ser a legítima proprietária do bem em causa (fls. 226 e 227).
II.
OBJECTO DO RECURSO
Face as conclusões apresentadas pelo Apelante, que delimitam o objecto do
recurso, para além das excepções de conhecimento oficioso, que decorrem do
disposto nos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nº 3 e 690 nº1, todos do Código de
Processo Civil; emergem como questões a apreciar e decidir, em sede do presente
recurso as seguintes:
1.
O Apelante é titular do
direito de superfície sobre o imóvel em que construiu a sua residência?
2.
Impõe-se a necessidade de
anulação do registo de todos os documentos referentes às parcelas de terra da
Apelada?
3.
A propriedade sobre o
terreno ocupado pelo Apelante e incertos foi a eles reconhecida em sentença
anterior, transitada em julgado?
* * *
III. FUNDAMENTOS DE FACTO
Do rol da
matéria de facto, em que assenta a decisão recorrida extraímos como fundamentos
os seguintes:
1.
A autora tem a seu favor inscrito na Conservatória do
Registo Predial 5 terrenos com os números 1550, 1551, 1552, 1553, 1592, cada um
deles com uma área de 900m2 (fls. 8 a 21);
2.
Os 5 prédios ingressaram na esfera jurídica da Autora por
meio de celebração de cinco (5) contratos especiais de concessão para
constituição do direito de superfície, com a Administração Municipal do Lubango
(fls.21 a 36);
3.
Em 30.04.2013 mediante procuração, XB conferiu poderes a XA,
para o representar junto de instituições públicas e privadas;
4.
Por documento particular, XA cedeu a XL uma parcela de
terreno com uma área de 1000 m2, localizado no Bairro da Mapunda
(51);
5.
Em 22 de Julho de 2008, a Administração Municipal do
Lubango celebrou um contrato especial de concessão para a constituição do
direito de superfície a favor de XB de uma parcela de terreno com uma área de
58.860 m2, localizado no Bairro da Mapunda, município do Lubango, Província
da Huíla (fls.53 a 56);
6.
Em 15 de Maio de 2015 o Administrador do Bairro da
Mapunda remeteu a Administração Municipal do Lubango o processo de legalização
de uma parcela de terreno, solicitada por XL;
7.
A residência do Réu ocupa uma área 1.150,5 m2
da parcela de 4.000 m2 reclamada pela Autora (Relatório de
inspecção-fls.96-97);
8.
O terreno titulado por XB e as parcelas de terreno
reclamadas pela Autora são adjacentes e não existe nenhuma sobreposição entre as
mesmas;
9.
A residência do Réu está no terreno da Autora e não no de
XB (Relatório de inspecção).
* * *
IV. APRECIANDO
Questão
prévia.
Denota-se nos autos um
desvalor de aspectos, cuja relevância
procedimental impõe a que nos debrucemos previamente:
-Mecanografia do dispositivo da sentença.
Os despachos, sentenças
e acórdãos são exteriorizados sob uma determinada forma, sendo que o
dispositivo deve ser manuscrito, tal como dispõe o número 1 do artigo 157º do
CPC: “Os relatórios e os fundamentos dos
despachos, sentenças ou acórdãos podem ser dactilografados, mas a decisão tem
de ser manuscrita pelo Juiz ou Relator…”
Ao Juiz é incumbido a
missão de intérprete e aplicador da lei e, nessa qualidade, impende-lhe na sua
actuação observar a correcção, por força do número 2 do artigo 8.º do CC.
Sendo certo que as tecnologias têm vindo a
revolucionar o modus operandi em
todas as áreas de trabalho, dado aos benefícios a elas associadas, tendo
inclusive tais feitos já aproveitados em outros hemisférios jurídicos, quanto às
decisões judiciárias, com a devida adequação legal; todavia, não sendo por ora
o caso do judiciário angolano; mantém-se o comando da norma quanto aos requisitos
externos das decisões, sem qualquer alteração.
Ora, não estando manuscrito
o dispositivo da sentença impugnada (fls. 108 a 113); verifica-se uma flagrante
inobservância das normas processuais, a que continuamos a chamar atenção; não
sendo, pois, de convocar para todos os efeitos, o direito comparado, quando
existem normas expressas e positivadas no ordenamento jurídico angolano, sobre
os requisitos exteriores das decisões.
- Cumulação de comandos num único acto.
No despacho de fls.
142/v para além de constar a admissão do recurso, verifica-se nele, de igual
modo, a ordem de subida dos autos para o tribunal recorrido; o que configura um
acumulado de actos.
Se os diferentes
comandos reguladores de actos podem ser praticados em simultâneo, num único despacho;
todavia, dependendo dos fins que visam, há que garantir o espaçamento temporal
necessário para que se exerça devidamente o contraditório e/ou a prática de
actos pelas partes, decorrente da posição que possam manifestar diante do autor
dos mesmos; não havendo aqui lugar a economia processual, para que possam indistintamente
ser cumulados comandos num único despacho, tal como foi no caso.
No mesmo despacho, ao
admitir o recurso e mandar subir os autos com única notificação, quando o acto
de admitir deve ser feito num momento anterior e diferente do despacho de
subida dos autos, ficam as partes coartadas de poderem, em devido tempo reagir;
ainda que seja só para usar da faculdade de alegar em primeira instância, precedida
da consulta do processo. Este direito é cabível às partes, nos termos do artigo
699º do CPC; e só é exercitável em condições normais, após conhecimento do
acto, que admite o recurso.
Os comandos, a notificar
a admissão e ordenar a subida do recurso, não são compatíveis, quando inseridos
no mesmo despacho, dependendo do tipo de recurso e aos efeitos daí advenientes.
A não ser que, por hipótese, os efeitos do último comando estivessem deferidos
no tempo, condicionados à observância do primeiro e de outros actos, o que
ainda assim seria uma extravagância, pela simples razão de que, sendo uma apelação,
as partes podem facultativamente consultar o processo e alegarem na 1ª
instância ou, não sendo, devem alegar ali, por força do número 1 do artigo 743º
do CPC. Esta irregularidade do procedimento não encontra amparo nem mesmo nos
princípios da economia e celeridade processuais. Esta é uma observação que tem
sido preterida por alguns julgadores, pelo que não é demais, nela insistir.
* * *
O problema que opõe as
partes está relacionado a um terreno, sendo que cada uma delas reclama a
titularidade do domínio sobre o mesmo, com a invocação de títulos diversos. O
conflito reconduz-se aos direitos sobre imóveis, sendo que a disputa versa
sobre direitos de superfície de uma das parcelas de terreno situado no Bairro
da Mapunda, na cidade do Lubango, em que se ergueu a residência do Apelante, cujo
regime, quanto a constituição, transmissão defesa e perda é o previsto nos termos
conjugados dos artigos 1251º, 1302, 1311º, 1316º seg. do CC e 2º, 46º, 49.º,
58.º, 59.º, 61.º seg. da lei 09/04 de 9 de Novembro (Lei de terras).
O inconformismo do
recorrente, motivador do presente recurso assenta no facto de considerar que a
análise fáctica e os fundamentos de direito em que se ancora a parte da decisão
impugnada, estão em dissonância com a justiça que se impõe a seu favor, no
caso; sendo que no restante e a luz da decisão recorrida foi tácitamente aceite
por força das disposições combinadas dos números 2 e 3 do artigo 681º e 684º nº 4 do CPC; razão porque esta
instância não se pronunciará na parte aceite pela recorrente, em obediência ao disposto
no artigo 661º, 668º aplicados por força do artigo 716º do mesmo Código.
Sendo este o momento para
dissecar o problema substantivo trazido em recurso, importa responder às
questões:
1.
O Apelante é titular do
direito de superfície sobre o imóvel em que construiu a sua residência?
A questão crucial não
está em saber se ao Apelante foi cedido, de alguma forma, um terreno por um
alegado procurador. O que importa é saber se, o terreno de que se alega ter
sido cedido, coincide no espaço, tamanho e localização ao terreno titulado por XB,
outorgante de poderes de representação, para daí se aferir se o conflito e a
reivindicação do Apelante é razoavelmente justificada, para se revogar a
decisão recorrida, tal como pretendido.
O Apelante veio invocar vícios no
processo de aquisição do terreno por parte da Apelada, alegando ter esta se
apossado de forma viciada.
Porém, atento ao que está carreado nos autos e para a justiça que se pretende ver alcançada na
questão em causa, importa ater-se ao roteiro dos actos administrativos havidos,
em que se alicerça a titularidade alegada por cada uma das partes, sobre o
terreno em litígio:
a)
Em relação ao Apelante
i.
Em 15 de Maio de 2015, a
Administração do Bairro da Mapunda a pedido do Apelante emitiu uma nota sob número
63/LT/ABM/10.14.16.02 remetendo
à Administração Municipal do Lubango o requerimento do Apelante e, no mesmo dia,
emitiu um parecer com número 52, com assunto Legalização de uma parcela de
terreno, dando nota de que o terreno
nunca foi requerido, não tem
conflitos e está localizado em zona urbanizada (fls. 59 e 60) e;
ii.
Em 21 de Maio de 2015 o
Apelante subscreveu e deu entrada nos Serviços de Gestão e Desenvolvimento
Urbano da Administração Municipal do Lubango, de um requerimento instruído com
uma planta de localização e guia de pagamento pedindo a concessão de um terreno
situado no Bairro da Mapunda, para edificação de uma moradia unifamiliar (fls.
61, 62, 63 e 64).
b) Em relação à Apelada:
i.
Em 04 e 24 de Março de
2011 a Administração Municipal do Lubango celebrou com a Apelada o contrato de
concessão de 5 terrenos localizados no Bairro da Mapunda (fls. 22 a 36) e;
ii.
Em 02 e 29 de Setembro de
2014 a Apelada efectuou o registo dos terrenos na Conservatória do Registo Predial
da Comarca do Lubango, conforme certidões de fls.8 a 21.
Ora, nos autos não há qualquer Acto
Administrativo subsequente praticado pelo Administrador Municipal do Lubango,
que tivesse conferido posse mediante um título de concessão do terreno
requerido pelo Apelante. Tudo que o reivindicante juntou aos autos foi o
requerimento pedindo a concessão e nada mais. Não se veem quaisquer outros Actos
Administrativos, donde se pudesse aferir a titularidade do espaço a favor do
Apelante.
Do acervo documental constante nos autos não se
retira literalmente o entendimento de que ao Apelante tivesse sido cedido o terreno
em causa por XA; para além de que a Apelada já detinha a seu favor os títulos
de concessão emitidos pela Administração Municipal do Lubango, em momentos
diferentes, como se vê nos autos, através das concessões outorgadas.
O direito que o Apelante invoca
sobre o terreno é tão só resultante de equivocado enquadramento do espaço ou,
não sendo assim, do pressuposto errado de que o terreno adquirido foi titulado
por XB; quando na verdade o mesmo espaço não corresponde nem na localização,
nem na descrição do terreno deste.
Se o problema que opõe Apelante e Apelada é materialmente sobre o mesmo
terreno, fazendo-se referência, inclusive, de que já há nele construções erguidas,
porém:
a) O
direito invocado pelo Apelante como sendo resultante da cedência de parte do terreno
de XB, não incide sobre o terreno deste, ainda que se diga, que quem o alienou é
seu procurador;
b) O direito
reclamado sobre o espaço em litígio está materialmente localizado no terreno
titulado pela Apelada; sendo que a alegada aquisição por parte do Apelante é
fundada num equivocado poder de disposição do transmitente procurador, pelo
facto de não resultar de nenhum poder especial conferido na procuração de fls.
52, em relação aquele terreno;
c) Na situação presente, a aquisição do terreno por
parte de XL, mediante cedência do procurador do titular do espaço, não é demostrada
nos autos, constando tão-só a declaração, que dá conta de a Empresa XA ter
recebido de BB, um valor em Kz. 1.020.000,00 (Um Milhão e Vinte Mil Kwanzas),
sem mencionar a fonte da obrigação da prestação e;
d) Não se
pode extrair da declaração de entrega do valor em Kz. 1.020.000,00 (Um Milhão e
Vinte Mil Kwanzas), como resultante do alegado negócio sobre o terreno a favor
do Apelante, para além de que o receptor do montante monetário é uma pessoa colectiva,
diferente do detentor de poderes de representação; ainda que a sua designação coincida
em nome, com o procurador (fls. 65).
A transmissão definitiva de imóveis, para efeitos de
titularidade de propriedade faz-se validamente mediante escritura pública, nos
termos do artigo 875º ou alínea c) do artigo 1267º do CC. Aqui, não se pode
falar de transmissão neste sentido, havendo documentos que atestam a pretensão do
Apelante para a legalização do terreno detido pelo Apelante, situação que é
contraposta, se não, por um título de propriedade, pelo menos, por um título de
concessão, donde se afere a posse válida detida pela Apelada, sobre o imóvel.
Em momento algum, se verificou a legalização a
favor do Apelante, pelo menos demostrada, por algum título de concessão. O que
consta nos autos em fls. 59,60,61, 62, 63 e 64, é um conjunto de documentos
nomeadamente: ofício da Administração
do Bairro a remeter o requerimento do Apelante à Administração do Lubango, parecer da Administração do Bairro para
efeitos de legalização, Modelo 06 e 16, planta
de localização e comprovativo do pagamento
da taxa à Administração Municipal.
Nenhures nos autos se surpreende qualquer título
de concessão ou licença para construção no espaço reivindicado pelo Apelante,
que indiciasse ter sido deferido o pedido de legalização a seu favor, nem a
favor de outros demandados, que pudesse pôr em causa a posse titulada pela
Apelada mediante certidões de registo predial, título de concessão e croqui de localização
de fls. 8 a 37.
Se o espaço de
que o Apelante refere ter adquirido do procurador não coincide com o terreno
sob o qual supostamente se tem o poder de administração em nome de XB; há um
vício na formação de vontade ou um suposto erro sobre o objecto do negócio, nos
termos do artigo 251º do CC. Ademais, o alegado negócio havido entre o Apelante
e o procurador poderia reconduzir-se à venda de bens alheios e sujeitar-se ao
regime previsto no artigo 892º e ss. do CC.
Se, se admitisse
por hipótese que, efectivamente, houve tal negócio entre procurador e Apelante
na transmissão de terreno, os poderes daquele cingir-se-iam nos limites
conferidos no instrumento que está disposto no artigo 258º do CC.: “ o negócio jurídico realizado pelo
representante em nome do representado, produz os seus efeitos na esfera
jurídica deste último”.
Em nada o
terreno da Apelada corresponde ao de XB, que se alega ter sido adquirido pelo
Apelante; senão tão-só o facto de ambos terrenos estarem separados pela mesma
rua, como está demostrado pelas plantas de localização de fls.100, resultante
da inspecção efectuada pela Direcção Municipal de Infraestruturas, Ordenamento
do Território e Habitação, da Administração do Lubango.
Não se pode, sequer,
extrair o entendimento de que o negócio teria resultado de um abuso de poderes
previstos no artigo 269º do CC, do representante de XB, porque como referido,
não se surpreende nos autos qualquer acto concretizador da transmissão de
direitos sobre o terreno, a favor do Apelado, realizado pelo procurador, sem
descurar o facto de que, da procuração de fls. 52 só se visualizam poderes de
administração ordinária.
O Apelante foi
devidamente notificado do relatório da inspecção, que dá nota de não haver
qualquer sobreposição entre os dois terrenos, conforme se vê em fls.100 e não
se opôs. Esta atitude de conformação com a realidade constatada, inutiliza
qualquer pretensão de se persistir na reivindicação do terreno, nos moldes em
que se pretende reverter o decidido.
Aliás, a posse
sobre o terreno de que o Apelante pretende fazer crer ser titular do direito
encontra-se registado na Conservatória dos Registos Predial do Lubango.
Os direitos
sobre imóveis constituem factos sujeitos a registo, cujo efeito central é a oponibilidade
a terceiros, nos termos do número 1 do artigo 7º do Código de Registo Predial
que tem fim publicitário e é obrigatório nos termos do artigo 14º do mesmo diploma.
Como se prova nos autos, o Apelante não
é titular de nenhum direito, pelo menos, por via formal, que incida sobre o
terreno, cuja posse é detida pela Apelada mediante título de concessão e
registo do respectivo direito na Conservatória Predial do Lubango, conforme
certidões de fls. 8 a 21 dos autos.
O que há por parte do
Apelante é uma tentativa de defender um pseudodireito, só alicerçado no
expediente administrativo de legalização, que o reivindicante não prova nos
autos ter chegado a obter de jure.
Aliás, o despoletar do procedimento de legalização e sem concessão, sublinhe-se,
só pode confirmar a não titulação do imóvel a seu favor, atendo-se ao facto de
que se presume titular do direito, quem a seu favor esteja inscrito, conforme
dispõe o artigo 8º do Código do
Registo Predial (CRP).
Dispõe o artigo 342º do
CC: aquele que invocar um direito cabe
fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
No caso vertente, o Apelante não foi capaz de demonstrar
o direito que reivindica; não sendo, pois, de se lhe reconhecer tal direito
sobre o terreno.
2.
Impõe-se a necessidade de anulação do registo de todos os
documentos referentes às parcelas de terra da Apelada?
O Apelante pede o cancelamento dos registos de todos os documentos feitos a
favor da Apelada. No entanto, para além de os alegados documentos, sendo
registos, não se referirem unicamente ao terreno em litígio; a razão que o
Apelante invoca é que a parcela do terreno foi adquirida pela Apelada, em
momento posterior.
Ora, quanto ao que fica demostrado, no trato sucessivo em relação aos direitos
sobre os terrenos, o momento de aquisição, registos e a titularidade, não
deixam dúvidas sobre a realidade dos factos, a favor ou desfavor de qualquer
uma das partes em conflito.
Não sendo despiciendo, importa ainda reiterar o seguinte:
a)
Os bens imóveis estão
sujeitos a registo na Conservatória competente por força do artigo 2º e 14º do
CRP;
b)
O trato sucessivo não
indica inscrição anterior a favor do Apelante, donde se pudesse fundar o pedido
formulado;
c)
Podendo o registo de
qualquer facto ser cancelado por quem tem legitimidade, e não sendo oponível
nas condições actuais, produz efeitos contra o Apelante e terceiros nos termos conjugados
do artigo 2º, número 1 do artigo 7º e 14º do citado Código;
d)
Não se verificam
quaisquer vicissitudes que pudessem conduzir à nulidade, tendo sido os actos
registais requeridos por quem tinha legitimidade e imaculados dos vícios
previstos nos artigos 83º e 84º do referido Código;
e)
As razões invocadas pelo
Apelante, atento a todos os elementos constantes nos autos; se não chegam para
invalidar a inscrição registal do terreno em litígio; tão pouco serão bastante
para os restantes terrenos.
Diante da apreciação feita e sentido tomado na questão precedente, tem-se
por prejudicada qualquer outra abordagem, sobre a questão presente; não sendo
de atender a pretensão do Apelante, quanto à anulação dos registos.
3.
A propriedade sobre o terreno ocupado pelo Apelante e incertos
foi a eles reconhecida em sentença anterior transitada em julgado?
O
Apelante vem invocar o caso julgado referindo-se a decisão de uma providência
cautelar julgada anteriormente. Os pressupostos do caso julgado, são os previstos
nos artigos 497º e 498º do CPC.
Na situação
vertente, as partes, o objecto e a causa de pedir diferem da acção cuja decisão
se impugna. Mais, a decisão cautelar à luz do artigo 386º do CPC, não sendo
vinculativa, nem tendo condão de inviabilizar a pretensão na acção principal,
dado o fundo perfunctório em que a mesma assenta; dela só pode aproveitar-se os
efeitos imediatos da decisão, antes de decorridos os trinta dias, sem
interposição da acção ou por outra razão prevista no artigo 382º do CPC.
A decisão
sobre uma providência cautelar só constitui estorvo a outra, quando haja
identidade de partes, da causa de pedir e do pedido, conforme se depreende do
número 1 do artigo 387º do CPC; e não sendo o caso, não assiste razão ao Apelante
na parte impugnada; sendo que, no restante vai a questão prejudicada; razão porque, dela, não mais nos ocuparemos.
Os processos estão
sujeitos a custas, decorrentes da responsabilidade de quem dá causa a acção ou
dela tira proveito, nos termos combinados do nº 1 do artigo 446º do CPC, e do
artigo 1º Código das Custas Judiciais. No caso sub judice, e em sede de recurso, tal responsabilidade deve ser
suportada pelo Apelante.
Tudo visto e ponderado,
eis o momento de proferir;
V. DECISÃO
Nestes termos e
fundamentos acima expendidos, os Juízes desta Câmara acordam em negar
provimento ao presente recurso e em consequência confirmam a decisão recorrida,
na parte impugnada.
Custas pelo
Apelante.
Registe e
notifique.
Lubango, 09 de Maio de
2024
Os Juízes
Desembargadores
Relator: Domingos
Astrigildo Nahanga
1.º Adjunto: Marilene
Camate
2.º Adjunto: Lourenço
José