Processo
007/2024-CIV3-A
Relator
Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Marilene Camati
Segundo Adjunto
Lourenço José
Descritores:
Acção executiva, título executivo, termo de autenticação; contrato de mutuo, forma.
Sumário do acórdão
A validade dos efeitos de um determinado
negócio, dependendo da sua natureza, não se bastará pela vontade nem do livre
arbítrio das partes contraentes. Tal é o caso, dos contratos de mútuo a partir
de um determinado valor, conforme dispõe a nova redacção feita ao artigo 1143º
do CC, pela Lei 9/11, de 16 de Fevereiro - Lei de alteração do CC, no seu
artigo 1º.;
ACÓRDÃO
Processo
n.º: 007/2024
Relator: Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data
do acórdão: 05
de Dezembro de 2024
Votação: Unanimidade
Meio
processual: Agravo
Decisão: Negado provimento ao recurso.
Palavras-chaves: Acção executiva, título executivo, termo de
autenticação; contrato de mutuo, forma.
Sumário
do acórdão:
A validade dos efeitos de um determinado negócio, dependendo da sua natureza, não se bastará pela vontade nem do livre arbítrio das partes contraentes. Tal é o caso, dos contratos de mútuo a partir de um determinado valor, conforme dispõe a nova redacção feita ao artigo 1143º do CC, pela Lei 9/11, de 16 de Fevereiro - Lei de alteração do CC, no seu artigo 1º.
* * *
Os
juízes desta Câmara reunidos em conferência, acordam em nome do povo:
I. RELATÓRIO.
Na
sala do Cível e Administrativo do Tribunal de Comarca de Moçâmedes, J.A, casado, de (…) de idade, natural
do Lubango, Província da Huíla, residente na Centralidade do (…), podendo ser
contactado pelo terminal telefónico n.º (…); intentou Acção Executiva para
Pagamento de Quantia Certa, sob forma de Processo Comum Ordinário, contra:
X.A,
solteiro, natural do Lubango, Província da Huíla, residente em Moçâmedes,
Bairro (…), casa s/n.º, contactável pelo terminal telefónico n.º (…);
X.B,
solteiro, natural de Caconda, Província da Huíla, residente em Moçâmedes,
Bairro (…), casa s/n.º, contactável pelo terminal telefónico n.º (…), e;
X.C, solteiro, natural da Província do Namibe,
residente em Moçâmedes, Bairro (…), casa s/n.º, contactável pelo terminal
telefónico n.º (…);
A acção entrou em juízo,
e foi proferido pela Mmª. Juíza o despacho de aperfeiçoamento da P.I,
convidando a parte para juntar aos autos Escritura Pública do contrato de mútuo
(fls. 12-13).
Notificado
o Exequente do despacho, veio em requerimento de fls. 16-17, pedir se aceite que o termo de autenticação exarado
por notário é Escritura Pública de obrigações; nestes termos que se prossiga a
acção, ordenando que se cite os executados; não sendo aceites os argumentos
apresentados pela mesma razão motivacional do Tribunal, que seja dada a
oportunidade ao Exequente aperfeiçoar para acção declarativa.
Ante
o requerimento, a Mmª. Juíza, com o fundamento de falta de cumprimento do
despacho de aperfeiçoamento no prazo que lhe foi marcado, veio indeferir
liminarmente a presente acção executiva, (fls. 19).
Inconformado
com o decidido, veio o Exequente interpor o presente recurso de agravo a subir imediatamente, nos próprios
autos e efeito suspensivo assim admitido (fls. 24); ao que se seguiu a junção
das alegações de fls. 31-35, cujos fundamentos, atento à fase, resumem-se no
seguinte:
1.
O
Tribunal a quo andou mal ao indeferir
liminarmente a P.I, da acção executiva sem entender melhor que o documento é
Escritura Pública;
2. Que
o documento que serviu à acção executiva é Escritura Pública, atento o
conteúdo, o acordo de pagamento, o valor pago pelo selo e assinatura dos
mutuários;
3. Que
não existe um modelo rigorosamente de Escritura Pública à luz do princípio da
liberdade de forma; o importante é estar presente os elementos essências do
documento;
4. Que
não foi violado o artigo 220.º do CC, já que, se cumpriu com o artigo 1143.º do
CC;
5. As
alegações apresentadas devem ser recebidas e aceites como provadas e, em
consequência disso, considerar o documento de Escritura Pública, por ter sido
exarado pelo Notário e por conter os elementos essenciais da vontade das
partes; e revogar o despacho de indeferimento da P.I.
Notificados
os Apelados, vieram estes contra-alegar, concluindo em suma:
Que
seja julgado improcedente o recurso interposto;
Remetidos
os autos a esta instância de Recurso e feita revisão (fls. 72), com as notas
nele insertas, foi proferido despacho, nos termos dos artigos 749.º e 701.º do
CPC, admitindo-se o recurso, como sendo o próprio (fls. 74).
Aberto
o termo de vista ao MºPº, este, veio dar o seu parecer, fundamentado no sentido
de improceder o recurso (fls.76 a 80).
Posto
isso, seguiram-se os sucessivos vistos legais aos Juízes adjuntos (fls. 82-83).
* * *
II.
OBJECTO DO RECURSO
Face às conclusões apresentadas pelo Agravante,
que delimitam o objecto do recurso, para além das excepções de conhecimento oficioso,
que decorrem do disposto nos artigos 660º nº 2, 664º, 684º nº 3 e 690 nº1,
todos do Código de Processo Civil; emerge como questão a apreciar e decidir em
sede do presente recurso saber se:
O
documento apresentado pelo Agravante é um título executivo bastante.
III.
APRECIANDO
Antes de debruçarmo-nos sobre a questão
suscitada em recurso, importa atentar para o disposto no artigo 744º do CPC (Sustentação do despacho ou reparação do
agravo).
Nos recursos de agravo, dada a especificidade
do objecto e ao momento a que se reportam, mormente às questões laterais ao
fundo motivador do conflito; impõe o formalismo processual e o dever de
imparcialidade, que o juiz da causa faça uso do direito-dever de, no momento posterior às alegações, expor as
razões da manutenção do acto impugnado ou a sua “retratação”.
Porém, não poucas vezes, este direito-dever tem sido esquecido por
quem, tem de exercitá-lo em homenagem quer a celeridade processual, no sentido
de se evitar o desencadeamento de actos inúteis, ao curso normal do processo;
quer quanto a economia processual; fins que devem guiar a tramitação de
qualquer processo, com o fito na realização da justiça útil.
Ora, por todas as razões sobre a utilidade do
despacho de sustentação, previsto no artigo 744º do CPC, o juiz deve usá-lo, no
momento pós alegações, para elencar as razões da manutenção ou alteração do seu
acto impugnado, reparando-o; para se aferir, na primeira situação, a
razoabilidade da suspensão da instância, com a deslocalização vertical do
processo, a que se sujeita; quando se convoca a instância de recurso, como é a
situação vertente.
Não tendo a juíza feito uso expresso do
despacho de sustentação e, em despacho de fls. 40 ordenado a remessa dos autos
a esta instância; tem-se por irrelevada a omissão; 1º por não ter sido alegada,
2º por não ter qualquer influência, no caso presente, e 3º pelo facto de a
mesma reconduzir-se ao número 1 do artigo 201º do CPC, que dispõe:
“Fora
dos casos previstos nos artigos anteriores a prática de um acto que a lei não
admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva,
só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida
possa influir no exame ou na decisão da causa” (itálico e sublinhado nosso).
In
caso, só nos referimos a ela, pela importância
casuística que pode ter em cada situação em concreto e, no geral, para
sinalizar a utilidade da sua prática, no âmbito do dever de imparcialidade a
que se sujeitam os juízes, no seu munus
judicandi.
* *
*
O
documento apresentado pelo Agravante é um título executivo bastante?
O
presente recurso sendo interlocutório é suscitado em torno da questão saber, o
que se pode ter como título, para efeitos de execução, nos presentes autos. Se termo de autenticação ou Escritura Pública.
Sendo
certo que qualquer um destes actos, podendo reflectir vinculação, expressa por
vontade livre das partes e, conferidos o cunho de autenticidade da obrigação,
pelo Notário ou agente substituto com poderes para o efeito; a sua validade
para determinados fins está, todavia, restringida pela lei, atento a natureza
da obrigação.
Diante
do documento - termo de autenticação - trazido aos autos e que serve de
suporte a execução, a Mmª. Juíza depois de proferir despacho-convite ao Exequente para juntar documento válido, para os
fins que pretende com o processo; e, diante da “relutância” deste, em não
juntar título válido, conforme se retira de fls. 16 e 17; proferiu a
magistrada, o despacho de fls. 19, com os fundamentos nele vertidos, cujo
esteio é no essencial, o facto de que os documentos particulares ainda que
autenticados não têm validade bastante para efeitos de execução, quando se
reportem a valores em Kwanzas, superiores a 3.000 UCF, ou seja superiores em
Kz. 264.000,00 (duzentos e sessenta e quatro mil).
Indeferindo
com estes fundamentos a pretensão do Exequente, veio este impugnar o despacho
por via do presente recurso; sendo esta a razão porque temos de nos debruçar.
No
cumprimento de obrigações creditórias, a forma, sendo um requisito externo
exigível a determinados actos serve, sobretudo, para proteger interesses
públicos e entre partes contratantes, nas situações em que tenha sido
suscitado, pelo seguinte:
1. A
validade dos efeitos de um determinado negócio, dependendo da sua natureza, não
se bastará pela vontade das partes contraentes. Tal é o caso, dos contratos de
mútuo a partir de um determinado valor, conforme dispõe a nova redacção feita
ao artigo 1143º do CC, pela Lei 9/11, de 16 de Fevereiro - Lei de alteração do
CC, no seu artigo 1º.;
2. Embora
assista às partes, a liberdade de forma; ocorrem, no entanto, restrições, que
resultam da especificidade e natureza do contrato, atento aos interesses em
causa;
3. No
caso para efeitos de execução, a validade decorrente da forma, não depende da
vontade das partes, prevista na 1ª parte do artigo 219º do CC, afastado que
fica, pela excepção, contida na 2ª parte, do mesmo artigo; já que o espírito
nesta contido visa proteger interesses do Estado e de terceiros de boa fé, dado
o facto de que, determinados bens sujeitos ao tráfico jurídico e sem
observância de determinadas formas, podem ter o potencial de lesar interesses
doutrem e;
4. A
denominação termo de autenticação,
tem a vocação de identificar o acto notarial, que se apõe sobre um documento
existente, de autoria das partes, que requerem a intervenção do oficial do
Notário com poderes públicos no exercício das suas funções, para conferir
validade pública.
Qualquer
inconsideração da forma, no alegado mútuo havido, ainda que por hipótese
corresponda na substância a veracidade das declarações, nele contidas,
decorrentes da liberdade de estipulação, aceite à luz do artigo 405º do CC; não
pode ser levado em conta, porque violadora da forma Escritura Pública, devido ao valor em causa; reconduzindo-se, pois,
a um documento particular, nos termos da alínea c), 2ª parte do artigo 46º do
CPC.
Se
é verdade que não se pode fixar, a Escritura Pública, só olhando para a sua
epígrafe nominativa, descurando a sua substância e seus intervenientes (oficial
da justiça com competência - Notário -
credor e devedor, presença pessoal ou por procurador, assinaturas); o certo
é que, a forma não se sujeita ao livre arbítrio das partes contraentes, no caso
de mútuo de valor superior ao estipulado no artigo 1143º do CC, com a nova
redacção dada, pela citada lei, no despacho impugnado.
O
inconformismo do Agravante, pelo despacho de indeferimento tende a este
raciocínio:
Não
importa a designação que tenha sido dada à vontade das partes, se termo de autenticação ou Escritura Pública.
O que releva para a sua validade de vinculação como título é a veracidade e
autenticidade da vontade expressa, e confirmada pelo oficial com poderes
públicos, mediante autenticação.
Sendo
certo que, no nosso ordenamento jurídico, o termo de autenticação é ainda
correntemente um acto praticado por um oficial da justiça, com poderes públicos
para efeito - diferente de outros
ordenamentos jurídicos, em que já intervêm notários particulares - e por
essência corporizado pelo documento de que se apõe o termo, conferindo-o
validade pública; in casu, não se surpreende tal documento senão, tão só, a referência de
que tal termo de compromisso existe, como se depreende no §4 do termo de
autenticação, que dispõe:
“…Cuja identidade verifiquei e certifico por
me ter apresentado seus documentos. E que para fim de Autenticação me
apresentou um documento que é um TERMO DE COMPROMISSO”, celebrado entre eles,
este que será devolvido em uma única prestação até ao dia 31 de Maio do ano
corrente, que disseram haver lido e assinado e que mesmo exprime a sua
vontade...” (itálico e sublinhado nosso).
Quanto
à validade, refere o professor Alberto
dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, pag. 165 Vol. I, que a lei
de forma por ter carácter imperativo, parece que não é lícito às partes
derroga-las por meio de convenção.
Aqui,
estamos no âmbito do direito creditício, em que a obrigação mutuária tem o
valor nominal em Kz. 8.000.000,00 (oito milhões de kwanzas) e está sujeito a
determinada forma, sobreponente à vontade das partes.
Tal
como exaurido nos despachos-convite e de indeferimento de fls. 12, 13 e 19, com a invocação das disposições
legais, a que nos remetemos; em nada mais, temos de nos ocupar sobre a questão;
dando-se por válido o decidido.
Os processos estão sujeitos a custas
decorrentes da responsabilidade de quem dá causa a acção ou dela tira proveito,
nos termos combinados do nº 1 do artigo 446º do CPC, e do artigo 1º Código das
Custas Judiciais. No caso e, em sede de recurso, tal responsabilidade deve ser
suportada pelo Agravante.
Tudo visto e ponderado, eis o momento
de proferir;
IV.
DECISÃO
Nestes termos
e fundamentos acima expendidos, os Juízes desta Câmara acordam em negar
provimento ao presente recurso, confirmando em consequência o despacho
recorrido, nos seus precisos termos.
Custas pelo Agravante.
Registe
e notifique.
Lubango,
05 de Dezembro de 2024.
Os Juízes Desembargadores
Relator: Domingos Astrigildo Nahanga
1.º Adjunto: Marilene Camati
2.º Adjunto: Lourenço José