Processo
018/2023
Relator
Dr. Domingos Astrigildo Nahanga
Primeiro Adjunto
Drª. Marilene Camate
Segundo Adjunto
Dr. Lourenço José
Descritores:
Conflito laboral, improcedência do despedimento, não reintegração, liberdade de vinculação, chefe de lavandaria.
ACÓRDÃO
Processo n.º: 018/2023
Relator: Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data do acórdão: 26 de Março de 2024
Votação: Unanimidade
Meio processual: Apelação
Decisão: Negado provimento ao recurso e declarado improcedente o despedimento.
Descritores: Conflito laboral, improcedência do despedimento, não reintegração, liberdade de vinculação, chefe de lavandaria.
Sumário do acórdão
I. Na nulidade do despedimento, a causa é a violação total ou parcial do formalismo na acção instrutória, por parte do titular do poder disciplinar; já na improcedência, está-se perante a falta de concretização de factos culpabilizantes. À cautela, impõe-se um cercado olhar a este pormenor, o que não parece ter sido aqui exercitado, ao se ter referido na decisão, indistintamente a questões de nulidade e improcedência sem a prejudicialidade que isso implicaria. Pois, ou se conhece da nulidade por razões procedimentais ou conhecendo-se das questões de substância, deixa-se de conhecer das primeiras.
II. Os trabalhadores, podem ser sancionados pelas acções ou condutas omissivas no âmbito do seu dever vinculado na relação laboral. Contudo, independente de qual seja a medida, a mesma tem que incidir nos comportamentos concretizados e com relevância infraccional.
III. Ninguém é punido juridicamente só por pensar; ainda que se trate de uma idealização vil. Qualquer tentativa de sancionar alguém só por imaginar, seria colocar-se numa pretensa supremacia, jamais alcançável por um ser humano. As normas em que se alicerça a decisão disciplinar não punem a intenção. Se era justificável a censura, também era exigível que a medida da sanção fosse comedida, atento às circunstâncias e antecedentes da trabalhadora.
IV. A manutenção da relação laboral não será defensável, aí onde a reintegração não se mostrar adequada ao bem-estar psíquico, moral, profissional do trabalhador e a sua liberdade de vinculação; pois, a dignidade humana do trabalhador, não pode estar refém do factor económico. Neste caso, quer pelas circunstâncias que serviram de pivô ao conflito, quer pelo lapso de tempo, de 4 anos de ruptura da relação; a justiça que se impõe é a cessação formal do vínculo, sem prejuízo dos colaterais deveres daí resultantes para a entidade empregadora; visto que a presente relação não pode jamais ser mantida nos marcos do respeito e confiança laboral, em que o contrato de trabalho está por excelência alicerçado.
V. Não se consegue surpreender na condenação, significativos laivos de extrapolação do jus judicandi, que não resulte, tão só, do dever vinculado material e de ofício, que pudesse configurar violação dos limites da decisão. Mesmo que se pudesse olhar para ela, como resultante da apreciação simultânea da nulidade e improcedência ajuizadas; ainda assim, da decisão não resulta substantivamente consequências diversas e relevantes; para que a mesma esteja inquinada pelos alegados vícios da extra condenação no pedido, nem da inconstitucionalidade.
ACÓRDÃO
Processo n.º: 018/2023
Relator: Desembargador Domingos Astrigildo Nahanga
Data do acórdão: 26 de Março de 2024
Votação: Unanimidade
Meio processual: Apelação
Decisão: Negado provimento ao recurso e declarado improcedente o
despedimento.
Descritores: Conflito laboral, improcedência do despedimento,
não reintegração, liberdade de vinculação, chefe de lavandaria.
Sumário do acórdão
I. Na nulidade do
despedimento, a causa é a violação total ou parcial do formalismo na acção
instrutória, por parte do titular do poder disciplinar; já na improcedência,
está-se perante a falta de concretização de factos culpabilizantes. À cautela,
impõe-se um cercado olhar a este pormenor, o que não parece ter sido aqui
exercitado, ao se ter referido na decisão, indistintamente a questões de nulidade e
improcedência sem a prejudicialidade que isso implicaria. Pois, ou se conhece
da nulidade por razões procedimentais ou conhecendo-se das questões de
substância, deixa-se de conhecer das primeiras.
II. Os trabalhadores,
podem ser sancionados pelas acções ou condutas omissivas no âmbito do seu dever
vinculado na relação laboral. Contudo, independente de qual seja a medida, a
mesma tem que incidir nos comportamentos concretizados e com relevância
infraccional.
III. Ninguém é punido juridicamente só por pensar; ainda que
se trate de uma idealização vil. Qualquer tentativa de sancionar alguém só por imaginar,
seria colocar-se numa pretensa supremacia, jamais alcançável por um ser humano.
As normas em que se alicerça a decisão disciplinar não punem a intenção. Se era justificável a censura, também
era exigível que a medida da sanção fosse comedida, atento às circunstâncias e
antecedentes da trabalhadora.
IV. A manutenção da relação laboral não
será defensável, aí onde a reintegração não se mostrar adequada ao bem-estar
psíquico, moral, profissional do trabalhador e a sua liberdade de vinculação;
pois, a dignidade humana do trabalhador, não pode estar refém do factor
económico. Neste caso, quer pelas circunstâncias que serviram de pivô ao
conflito, quer pelo lapso de tempo, de 4 anos de ruptura da relação; a justiça
que se impõe é a cessação formal do vínculo, sem prejuízo dos colaterais
deveres daí resultantes para a entidade empregadora; visto que a presente
relação não pode jamais ser mantida nos marcos do respeito e confiança laboral,
em que o contrato de trabalho está por excelência alicerçado.
V. Não se consegue
surpreender na condenação, significativos laivos de extrapolação do jus judicandi, que não resulte, tão só,
do dever vinculado material e de ofício,
que pudesse configurar violação dos limites da decisão. Mesmo que se pudesse
olhar para ela, como resultante da apreciação simultânea da nulidade e
improcedência ajuizadas; ainda assim, da decisão não resulta substantivamente
consequências diversas e relevantes; para que a mesma esteja inquinada pelos
alegados vícios da extra condenação
no pedido, nem da inconstitucionalidade.
* * *
Em conferência, os Juízes desta Câmara, acordam em nome do povo:
I. RELATÓRIO.
Na sala do Trabalho do Tribunal de Comarca do Lubango, A, solteira, residente nesta cidade do
Lubango, Bairro (…), Rua S/N, Casa S/N, intentou a acção de Recurso em Matéria
Disciplinar, contra a Empresa B, com
sede Social no Lubango, Bairro (…), sendo o representante legal o Sr. BB; pedindo a condenação da recorrida a:
a) Reintegrar
a Requerente no seu anterior posto de Trabalho;
b) Pagar
os salários e os devidos complementos que a Requerente deixou de receber desde
o despedimento;
Para sustentar o seu pedido, alegou em suma:
1. Esteve
vinculada à Requerida mediante um contrato por tempo indeterminado, com a função
de Chefe da Lavandaria da Divisão Administrativa e Operacional do (B) Lubango;
2. Que,
por 12 anos, trabalhou para a Requerida, sem antecedentes disciplinares;
3. Que
por ter sido encontrada a tentar usar os equipamentos para lavar algumas peças
de roupa, no dia 18 de Fevereiro de 2019, o que assumiu tendo, inclusive pedido
desculpas;
4. Não
obstante, a Requerida instaurou um processo disciplinar, com o envio da
convocatória, apenas no dia 20 de Maio de 2019, para entrevista aos 31 do
referido mês, violando os prazos legais para este efeito;
5. Realizada
a entrevista, no dia 29 de Junho de 2019, a Requerente foi comunicada da Medida
Disciplinar de Despedimento;
6. A
infracção disciplinar imputada a Requerente há muito que prescreveu, pois desde
a data do seu conhecimento pelos responsáveis da Requerente, passaram-se mais
de 22 (vinte e dois) dias úteis;
7. Se
por um lado a medida disciplinar aplicada a Requerente é nula por inobservância
das formalidades imperativas, por outro, não encontra acolhimento ao que
constitui justa causa, nos termos do art. 206.º LGT, o que demonstra um abuso
do exercício do poder disciplinar por parte da Requerida;
8. Há
que se determinar, se o comportamento da Requerente causou prejuízos graves á
empresa da Requerida; não parece ter causado qualquer dano. Quer isto dizer
que, os factos imputáveis a Requerente não constituem motivos objectivamente
imputáveis e verificáveis, que tornem impossível a manutenção da relação
jurídico-laboral;
Regularmente citada, a Requerida veio pedir a absolvição do processo e do pedido
ou a improcedência dos pedidos, porque não provados e, em consequência, seja
confirmado e homologado o processo disciplinar instaurado contra a Requerente,
alegando em suma excepções de caducidade da acção, ineptidão da Petição
Inicial, por contradição entre o pedido e a causa de pedir e impugnando nos
seguintes termos:
1. Que
decorrente de uma infracção, foi instaurado o processo disciplinar e a
consequente medida disciplinar, seguida da comunicação à infractora.
2. A
trabalhadora apanhada em flagrante delito, confessou os seus actos, além das
fotografias feitas, assumindo ter iniciado a sua execução, isto é lavagem, que,
entretanto, acabou sendo frustrada pela pronta e imediata intervenção dos
responsáveis em serviço;
3. A
Requerente tinha responsabilidade acrescida, como Chefe de Lavandaria, que
fiscalizava o trabalho de outras trabalhadoras sob sua direcção, controlava o
consumo dos produtos e detergentes, bem como a lavagem e outras exigências,
sendo que o cargo que ocupava era relevante para actividade de arrecadação de
receitas da empresa.
4. A
conduta da Requerente pôs em causa a continuidade da própria relação laboral,
comprometendo intencionalmente esse poder organizativo e institucional, criando
transtornos na sua estruturação e organização; procedeu contra instrução
expressa de não lavar no (B), roupas e jogos de cama estranhos ao (B);
5. A
relação entre a Empresa (requerida) e a trabalhadora (requerente), foi
corrompida por praticar actos proibidos por instrução do Empregador, usando
indevidamente equipamentos e meios da Empresa para fins pessoais e estranhos àquela,
provocando o consumo não permitido de detergentes e outros materiais, gastos de
água e máquinas de lavar, comprometendo a produtividade, desrespeitando
instruções e regras sobre procedimentos;
6. Pelas
razões supra descritas, é irrepreensível e legal a conduta adoptada pela
Requerida ao despedir a Requerente com fundamento na sua postura ilegal, por
ter atentado contra a produção, os bens (sabão, detergentes e água), materiais
e uso não autorizado de equipamentos (máquinas da lavandaria) para fins
pessoais;
Notificada a Requerente do conteúdo vertido na contestação, veio apresentar
respostas das excepções levantadas pela contra-parte (fls. 80-82).
Em seguida foi proferida sentença a julgar procedente a acção, declarando
nulo o despedimento e a condenar a Recorrida (B), a reintegrar a Recorrente e
pagar-lhe os salários e complementos que a mesma deixou de receber até ao limite
de seis meses (fls. 88-102).
Inconformada com a decisão, a Requerida interpôs recurso em fls. 111-112,
que foi admitido como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e
com efeito meramente devolutivo (fls.116).
A fls. 124-126, a Requerida veio juntar requerimento de reclamação, quanto
ao efeito atribuído ao recurso por ela interposto, o que veio a ser respondido
por despacho de fls. 127/v, indeferindo o mesmo e mantendo o despacho que
admite o recurso e fixa a espécie, o seu efeito e modo de subida.
Entregues os autos a esta instância e feita a revisão, foi proferido
despacho admitindo o recurso como
sendo o próprio e com o efeito atribuído (fls. 179-180).
A Apelante apresentou as suas alegações de
recurso (fls. 188 a 207), com as seguintes conclusões:
1. A
sentença recorrida proferida pelo Tribunal a
quo, violou gravemente normas legais imperativas e normas constitucionais,
encontrando-se em situação de inconstitucionalidade, devendo a mesma ser
revogada;
2. A sentença está inquinada de vícios
insanáveis, arrastando inelutavelmente a sua nulidade, por os fundamentos da
decisão (nulidade e improcedência), estarem indevida, ilícita e
injustificadamente cumulados, mostrando-se confusa;
3. A confusão na cumulação dos fundamentos com
consequências diferentes, viola claramente os princípios da legalidade (artigo
6.º, n.º 2 da CRA), do julgamento justo (artigo 72.º da CRA) e violação dos
limites de condenação (artigo 668.º n.º 1 al. e) do CPC);
4. Quanto
a violação do princípio do julgamento justo, pelo facto do Tribunal a quo, não ter apreciado com lisura e objectividade
que se lhe impunha, as excepções da caducidade da acção e da ineptidão do
requerimento inicial, e por outra, ter julgado errado e sem qualquer prova,
concluindo que a entidade empregadora terá tomado conhecimento da infracção e
do seu responsável a 20.02.2019, o que é contrário ao acto do empregador que
declarou ter tomado conhecimento a 20.05.2019;
5. Não houve de igual modo julgamento justo e conforme,
pelo facto de concluir pela violação do prazo legal, sem fundamentar ou
alicerçar em provas, contrariamente ao constante, nos autos do processo
disciplinar; o que torna ilegal e injusta a sua decisão;
6. Quanto a violação do princípio da limitação da
condenação ao pedido, pelo facto, da Apelada em momento algum ter requerido ou
peticionado que o Tribunal a quo,
apreciasse o processo disciplinar e declarasse a sua nulidade, contrariando
assim o disposto no artigo 668.º n.º 1 al. e) do CPC, por aplicação subsidiária
ao processo laboral do disposto no artigo 59.º n.º 1 do Dec. Exec. Conjunto n.º
3/82 de 11 de Janeiro;
7. Que seja atendida e julgada procedente a
excepção peremptória de caducidade da acção, pelo facto da Apelada ter proposto
o articulado adicional de aperfeiçoamento do pedido apenas a 31.10.2019,
volvidos mais de trinta dias da realização da audiência de conciliação,
ocorrida a 30.09.2019, violando o disposto no artigo 291.º n.º 1 da LGT, e as
disposições dos artigos 493.º, 496.º do CPC;
8. Que seja julgada procedente e a consequente
revogação da sentença na parte que indeferiu a excepção sobre ineptidão do
requerimento inicial, por haver contradição e incompatibilidade entre a causa
de pedir e os dois pedidos formulados; pois os pedidos que formulou são
substancialmente contraditórios e incompatíveis entre si e, absolutamente
contradizem a causa de pedir, afinal não se está numa acção de reintegração e
muito menos na de conflito laboral;
9. Que seja revogada a sentença, pelo facto de a
Apelante ter praticado todos os actos do procedimento disciplinar dentro dos
prazos; inclusive obedecido às disposições da lei, não se colocando nem se
verificando a aludida caducidade do procedimento disciplinar, erroneamente
declarada pelo Tribunal a quo;
10. É patente,
que o quesito da justiça formal, o aresto violou de modo grave e irreparável o
princípio da não contradição, que determina o dever de existir harmonia entre
os fundamentos e a decisão, e no caso sub
judice, ter o Tribunal a quo
decidido contrário ao que se lhe peticionou, (não foi peticionado a declaração
da nulidade do processo disciplinar e nem que o Tribunal a quo, se pronunciasse sobre a existência ou não da justa causa);
11. Seja
declarada inconstitucional a sentença recorrida, por violar o princípio do
julgamento justo e conforme, ao ter declarado e concluído que o acto da
trabalhadora, ora, Apelada, de ter voluntária e conscientemente trazido da sua
casa roupas, introduzido sorrateiramente na empresa, colocado no cacifo, usando
artimanhas para colocar na lavandaria da
empresa e misturar com roupas do (B), como não constituindo motivo para
despedir a trabalhadora; impondo a Apelante uma tolerância para actos de
deslealdade e furtos, e que reintegre no seu seio pessoas que gravemente a
prejudicaram. Se traduz tal sentença recorrida, num acto de injustiça e num
acto imoral.
A Apelada devidamente notificada das alegações
apresentadas pela Apelante (fls. 238), não se opôs.
Aberta vista ao Digno Magistrado do Ministério
Público, este no seu visto legal nada requereu e promoveu a prossecução dos
autos nos seus ulteriores termos.
Posto isso, seguiram-se os vistos legais sucessivos aos Juízes adjuntos
(fls.130/v, e 131/v)
* * *
II. OBJECTO DO RECURSO
Face às conclusões apresentadas pelas partes, que delimitam o objecto do
recurso (para além das excepções de conhecimento oficioso), que decorrem do
disposto nos artigos 660º, 664º, 684º nº 3 e 690º nº1, todos do Código de
Processo Civil; emergem como questões a apreciar e decidir, saber se:
1. O procedimento disciplinar é
extemporâneo;
2. Há caducidade da acção judicial e contradição
do pedido com a causa de pedir;
3. Da conduta da Apelada cabia despedimento;
4. A
sentença recorrida viola a limitação da condenação no pedido.
III. FUNDAMENTAÇÃO
Do rol da matéria em que se fundou a decisão recorrida extraem-se os
seguintes factos:
A recorrente foi admitida em data
não precisa nos autos e prestou trabalho para a recorrida durante 12 anos,
exercendo as funções de lavadeira e auferia, a data dos factos, um salário base
em Kz. 57.670,00 (cinquenta e sete mil e seiscentos e setenta kwanzas), cujo total
líquido era pelo menos em Kz. 87.111,00 (oitenta e sete mil e cento e onze
kwanzas);
No dia 9 de Fevereiro de 2019, a
recorrente trouxe de sua casa um saco contendo peças de roupa para proceder a
sua lavagem na empresa e, entregou o referido saco ao seu colega jardineiro,
para guardar no cacifo (fls.15 e 16);
A roupa não chegou a ser lavada na
empresa pelo facto de o jardineiro ter sido interpelado pelos seus superiores,
quando se dirigia à lavandaria, e a eles entregou o saco;
A direcção geral no dia 20
de Maio de 2019 ordenou a instauração do processo disciplinar contra a
recorrente por violação das disposições das alíneas a) e e) do artigo 44º,
devidamente previstos e fundados nas alíneas c), d), g) e j) do artigo 206º,
ambos da LGT (fls. 03 do processo disciplinar);
Nomeado o instrutor, na mesma data, 20 de Maio de 2019, foi a Requerente convocada para a entrevista
no dia 21 de Maio, por desrespeitar as normas de procedimento da empresa, por
usar os meios de trabalho para fins pessoais tendo trazido roupa e outros itens
pessoais para lavar na lavandaria do (B), Lubango, facto ilustrado com
fotografias, quando a trabalhadora sabia que lavar a roupa na lavandaria é uma
prática proibida pela direcção da empresa;
A entrevista realizou-se na data marcada, 31 de Maio de 2019 (doc.fls.8 e 9);
Em sede de entrevistas, a recorrente declarou que não se lembra da data,
mas sabe dizer que na ocasião pelo facto de se confrontar com o problema de falta
de água em sua casa, pegou em algumas peças pessoais de roupa e entendeu vir
passá-las por água no local de trabalho, o (B);
Declarou ainda, que, quem viu a roupa foram os senhores Ailton e Carlos,
tendo os mesmos interpelado o jardineiro a ir buscar a roupa e trazê-la para
verificação;
O relatório final foi elaborado no
dia 28 de Junho de 2019, no qual deram por provada a acusação e concluíram pela
medida de despedimento disciplinar com fundamento de que a requerente violou os
seus deveres laborais previstos no artigo 44º, alínea a), b) e e) da LGT;
No dia 29 de Junho de 2019, a entidade empregadora, na pessoa do seu
Director, aplicou a medida proposta-despedimento disciplinar, tendo a Requerente
tomado conhecimento da medida disciplinar aplicada (fls. 16 e 19 do processo
disciplinar em apenso).
* * *
IV. APRECIANDO
A)
Questões prévias
Denota-se nos autos um
aflorado de aspectos, com relevância para o conhecimento prévio, em que a Recorrente
vem opor-se a sentença, alegando: 1. inexistir a extemporaneidade no
procedimento disciplinar, 2. ter caducado a acção judicial contra
si intentada e haver na acção contradição do pedido com a
causa de pedir, de que o Tribunal a quo
não atendeu.
Este é o momento
de se debruçar sobre estas questões, suscitadas pela Apelante:
1.
Quanto
a extemporaneidade do procedimento disciplinar?
Dos fundamentos da
decisão recorrida, está a extemporaneidade do procedimento disciplinar.
A decisão recorrida tendo trazido na sua fundamentação o tardio
procedimento disciplinar, instaurado contra a trabalhadora baseado no intervalo
havido entre o conhecimento dos factos e o desencadeamento do processo, veio a
Apelante contra-argumentar o decidido, alegando não ter havido em momento
algum, tal caducidade como entendeu o Tribunal a quo.
O despacho que ordenou a instauração do processo disciplinar contra a
trabalhadora, sobre factos alegadamente ocorridos em 9 de Fevereiro de 2019, é
de 20 de Maio do mesmo ano e de autoria do Director dos (B).
Ora, sendo constatável nos autos, que o lapso de tempo que mediou a data
dos factos e a da decisão disciplinar é superior ao prazo previsto na alínea a)
do artigo 61º da LGT; no
entanto, não se depreende o momento em que a entidade empregadora teve
conhecimento dos factos, como em alguns momentos se refere na decisão recorrida.
Olhando para os 11 dias decorridos entre
a data da ocorrência dos factos (09.02.2019) e a emissão da informação
(18.02.2019); é de admitir a incerteza sobre a data do conhecimento, por parte
da Direcção, não havendo prova contrária, para se aferir a extemporaneidade do
procedimento disciplinar e concluir-se pela nulidade, conforme decidido. A Direcção
Geral dos (B) está sedeada, em Luanda, local distinto do suposto cometimento da infracção; sendo por isso hipoteticamente admissível que os
factos chegassem mais tarde ao conhecimento de quem detém o poder disciplinar.
Se é verdade que poderia admitir-se, por hipótese uma situação em que o
empregador sabendo dos factos, não tomou posição imediata, só para fazê-lo
quando lhe aprouvesse; apesar desta incúria, não ser desvalorizável em
condições normais; inexistem elementos que indiciem que a Direcção da entidade
empregadora detinha atempadamente a informação sobre a infracção; razão porque,
neste caso, o princípio in dubio pro operario esfuma-se; não sendo
por conseguinte operacionalizável ex
officio, para dar-se por verificado o vício apontado.
Assim compreendido e dada a fragilidade do fundamento esteio da decretada
nulidade; é de validar-se o processo disciplinar, reconhecendo razão à Recorrente,
quanto a sua tempestividade.
A Recorrente nas
suas alegações veio de igual modo referir que a decisão está inquinada de
vícios insanáveis, pelo facto de os fundamentos nela contidos em relação a nulidade
e a improcedência estarem indevida, ilícita e injustificadamente cumulados,
mostrando-se por isso confusa.
Pela importância da questão, importa dar nota de que a decisão declarando
nulo o despedimento disciplinar, com fundamento na extemporaneidade, não deixou
de enveredar pela apreciação do mérito, quando se embrenha nas questões materiais
em que é acusada a trabalhadora.
Sendo certo que a primeira-nulidade
prejudicaria a segunda-improcedência;
independentemente do processo em que se esteja, era evitável o labor que
culminou na questão substancial apreciada, como foi, donde se coloca a
dificuldade de se saber se a decisão versa sobre as questões adjectivas ou
substanciais, embora a norma do n.º 3 do artigo 209.º da LGT, invocada no
dispositivo indique a natureza do comando.
Ainda que a nulidade e a
improcedência possam contender materialmente para os mesmos efeitos imediatos
(reintegração), nos termos do número 3 do artigo 208º e número 1 do artigo
209º, todos da LGT; todavia, convém sempre não descurar os efeitos laterais de
cada um deles, como os previstos no número 4 do artigo 208º e 2/2ª parte do artigo
209º da mesma lei e nas causas desencadeantes que diferem na substância e
forma.
Dito doutro modo, na nulidade do
despedimento, a causa é a violação total ou parcial do formalismo na acção
instrutória, por parte do titular do poder disciplinar; já na improcedência,
está-se perante a falta de concretização de factos culpabilizantes.
Assim, à cautela, impõe-se
um cercado olhar a este pormenor, o que não parece ter sido aqui exercitado, ao
se ter referido na decisão, indistintamente a questões de nulidade e improcedência sem a
prejudicialidade que isso implicaria. Pois, ou se conhece da nulidade por
razões procedimentais ou conhecendo-se das questões de substância, deixa-se de
conhecer das primeiras.
Se nos presentes autos é apreensível a intenção da julgadora de conhecer de
forma esgotante o caso, de resto, nada desmerecido, se, se focar na natureza da
causa; porém, a decisão bastava-se com a nulidade ou a improcedência, não
havendo aquela. Por isso é razoável valorizar a inquietação da recorrente, nos
moldes em que alude a confusão.
2. Há caducidade
da acção judicial e contradição do pedido com a causa de pedir?
2.1. Quanto a
caducidade da acção:
Dispõe o artigo,
303º da LGT o seguinte: “O direito de
requerer judicialmente a reintegração na empresa, nos casos de despedimento
individual ou colectivo, caduca no prazo de cento oitenta (180) dias contados
do dia seguinte àquele que se verificou o despedimento”.
O processo
judicial foi desencadeado mediante requerimento de conciliação requerida ao
Ministério Público, mecanismo de resolução de conflito precedente ao judicial,
conforme disposto no artigo 274º da LGT.
O articulado
aperfeiçoado tendo dado entrada em juízo, em 4.09.2019, precedido da tentativa
de conciliação, conforme termo aposto em fls. 2; e a decisão disciplinar proferida
em 29 de Maio de 2019, entre as duas datas decorreram 94 dias, tempo
insuficiente para prescrever a acção judicial. Quanto muito, haveria outras
razões de cessação que poderiam decorrer de outros incidentes e não já da caducidade
nos termos do artigo citado.
A notificação de
que o processo seria remetido ao Tribunal não serve para efeitos de contagem de
prazos para o aperfeiçoamento. A contagem tem de partir da altura em que o tribunal
notifica a parte para apresentar a P.I. aperfeiçoada. E a razão está no facto
de que nem sempre se justificará o articulado adicional de aperfeiçoamento, contendo
o requerimento que desencadeou a tentativa de conciliação a substância para
conhecimento da acção, à luz da 2ª parte dos números 3 e 5 do artigo 291º. da
LGT, embora se desaconselhe na maioria dos casos, por causa da adequação do endereço
da P.I.
A Requerente,
ora, Apelada não tinha como saber se o processo já havia sido remetido ao
Tribunal para efeito de contagem de prazo, não constando nos autos a
notificação para o efeito. A notificação em acta de que o processo seria
remetido ao Tribunal não tem a equivalência, de remessa efectiva.
Mesmo que tal
fosse relevante no caso; a verdade é que o termo de remessa dos autos ao Tribunal
tem a data de 1.10.2019 (fls. 33) e o termo de entrada em juízo do articulado
aperfeiçoado é 31.10.2019 (fls. 34). Tal significa que mesmo que os autos
tivessem efectivamente dado entrada no Tribunal no mesmo dia constante no termo
de remessa (1.10.2019); ainda assim, a Petição da Apelada estava dentro do
prazo, previsto no número 1 do artigo 291º da LGT.
Não assiste
razão a Apelante com a tese de que a acção caducou. Primeiro, porque não há nos
autos qualquer termo que indique o momento em que a acção deu entrada em
Tribunal, para se aferir a partir de quando se deve contar os prazos, nos
termos do número e artigo acima referido; segundo, porque o articulado aperfeiçoado
deu entrada em juízo no dia 29, a contar da data do termo de remessa, portanto;
estando a acção em tempo, não assiste razão a Apelante, quanto a caducidade
invocada.
2.2.
Quanto a
contradição do pedido com a causa de pedir:
A Apelante veio invocar em
instância de recurso contradição
do pedido com a causa de pedir, arregimentando-o com uma alegada
inadmissibilidade dos pedidos formulados numa acção de recurso em matéria
disciplinar, porque esta, só visa a nulidade ou improcedência da medida
disciplinar. E acrescenta, que os pedidos salariais e complementos se adequam a
uma acção de conflito laboral, para defender a ideia de que tendo sido aqui
formulados os pedidos, esta não é a acção adequada.
Na situação presente, olhando para
os fundamentos e os pedidos formulados ao Tribunal recorrido, em fls. 34 a 38,
alcança-se facilmente que a requerente pretendia ver: 1-anulada a decisão do despedimento de que foi alvo e 2- pagos os salários e suplementos que deixou
de auferir em consequência do despedimento.
Ora, quanto ao conflito laboral, infere-se do artigo 272º da Lei número
7/15 de 15 de Junho, que é todo o litígio, podendo ser individual ou colectivo,
decorrente de uma divergência, com implicações no vínculo laboral, no que
respeita a constituição, manutenção, suspensão e extinção do mesmo e benesses
relacionados.
Sendo que o litígio
que eclodiu entre a entidade empregadora e a trabalhadora se consubstancia na
manutenção ou extinção do vínculo; e sendo esta a acção a adequada, para reivindicar-se
em juízo direitos creditícios e reintegratórios postos em causa e, não se
verificando a alegada contradição, nem cumulação indevida de pedidos; não há
lugar a ineptidão, retomada nesta instância; sendo pois, os pedidos consequência
lógica da causa desencadeadora-despedimento,
como dispõe o número 3 do artigo 208º e 1 do artigo 209º, todos da LGT; pelo
que, não assiste razão a Apelante, quanto a invocada contradição e cumulação
incompatível de pedidos.
Deste modo é de se anuir a fundamentação vertida na sentença em fls. 90, 91
e 92, em relação a este aspecto, de que não mais nos ocuparemos.
* * *
Prejudicadas as questões
1 e 2, olhemos sobre o tipo de conflito, cuja decisão se recorre.
O conflito coloca-se no
âmbito das relações laborais entre os (B) e a
trabalhadora Recorrida, cujo vínculo mediante contrato de trabalho por tempo
indeterminado com início em 5 de
Fevereiro de 2007, com prestação regular de trabalho na lavandaria, com
a categoria de lavadeira e posteriormente, Chefe da Lavandaria, mediante remuneração,
cuja extinção ocorre por alegadas razões respeitantes a trabalhadora.
A abordagem do caso está em volta da justeza na
extinção do vínculo laboral, importando por isso atentarmos às cláusulas do
contrato de fls. 9 dos autos e ao regime a que está submetida, pelas normas
esparsas quer seja no Decreto nº 3/81, de 11 de Janeiro, Lei nº 9/81, de 2 de
Novembro, na Lei nº 22-B/92, de 9 de Setembro, LGT quer em princípios
fundamentais do Direito de Trabalho e supletivamente, pelo Código Civil.
A decisão recorrida, fundou-se para além da já
tratada extemporaneidade do processo disciplinar, na fragilidade dos factos imputados
a trabalhadora para o despedimento.
B)
Da conduta da
Apelada cabia despedimento?
Os factos imputados
a trabalhadora consistem na alegada violação das normas, por usar meios de
trabalho para fins e uso pessoal, trazendo de casa, a roupa para ser lavada no
local de trabalho.
A entidade
patronal refere-se a acção da trabalhadora como se a mesma tivesse sido
consumada. Tanto assim é que todo o silogismo construído, quer pelo instrutor
do processo disciplinar, quer pelo detentor do poder disciplinar foi olhando
para o comportamento, os efeitos e sanção em concreto, o que inexistiu, pois o
que houve foi mera intenção, que nem sequer chegou a ser tentativa por ter
faltado actos concretizadores desta figura.
O erro não está
de per se em levar a roupa ao (B) nem
a mera intenção de alí ser lavada. O que estaria errado, de todo, é se a acção,
supondo-se concretizada, o que não é o caso, causasse prejuízos relevantes para
a organização.
Mesmo que tenha
havido confissão, por parte da trabalhadora quanto a intenção de lavar a roupa;
ainda assim, seria necessário olhar para as circunstâncias envolventes, para se
concluir por uma justa medida sancionatória, que se basearia na conclusão de
todos actos preparatórios, que consistiriam no essencial: 1-colocar os
detergentes, 2-colocar a roupa no interior das máquinas ou outro equipamento de
lavar e 3-ligar as máquinas, para dar-se como verificada a tentativa e a
frustração.
A Apelante em
algum momento da contestação faz referência aos actos preparatórios praticados
pela trabalhadora. No entanto, não é trazido ao processo disciplinar a
descrição do roteiro de actos preparatórios havidos para se chegar a conclusão
de que houve descontinuidade ou não
consumação devido a um brusco evento, alheio à vontade da infractora-frustração, que merecia a reprovação, nos
termos em que se fixou a medida disciplinar.
A infracção de
que é acusada a trabalhadora e constante na convocatória notificada, em fls. 5
do processo disciplinar consiste:
“A trabalhadora A, Chefe de Lavandaria, no
dia 09 de Fevereiro de 2019, desrespeitou as normas e procedimento da Empresa
por usar os meios de trabalho para fins e uso pessoal, tendo trazido roupa e
outros itens pessoais para lavar na Lavandaria do B, Lubango, facto ilustrado
com as fotografias. A Trabalhadora tem conhecimento que lavar roupa na
Lavandaria é uma prática proibida pela Direcção da empresa”. (sic).
Como se vê, na
convocatória não consta a descrição nem o roteiro dos alegados actos
preparatórios, praticados pela Apelada.
O “flagrante” referido na decisão
disciplinar, olhando para a figura semelhante, que se pode extrair do Direito
Penal exigiria que o facto delituoso ou disciplinar tivesse sido iniciado com
todos os actos preparatórios incorporados na acção.
Se no extremo, se entendesse que até
o pensar poderia configurar um acto preparatório; ainda assim,
questionar-se-ia, por que razão teria que se punir nas relações laborais, ainda
que esta se funde essencialmente na confiança; quando no direito mais gravoso,
o penal, os actos preparatórios são irrelevantes, conforme dispõe o número 2 do
artigo 19º do CP (Código Penal Angolano).
Excluindo o
facto de a roupa ter sido levada ao (B), tudo que se sabe sobre a intenção de
se lavar a roupa foi revelado pela própria
trabalhadora. Se assim não fosse, e inexistindo outras circunstâncias, muito
dificilmente se saberia a razão de a roupa estar naquele local, o que daria azo
a meras especulações sobre a atitude da trabalhadora ou, inclusive, a
possibilidade de a mesma roupa estar alí, em trânsito para outro local.
Tal como foi discutida a questão na fase do
procedimento disciplinar, conciliatório e judicial, ainda assim, não se
saberia, se tendo havido vontade de se lavar a roupa, a mesma seria lavada com
detergentes do serviço e qual seria então o prejuízo relevante para a empresa,
que justificasse a medida mais grave.
Os
trabalhadores podem ser sancionados pelas acções ou condutas omissivas no
âmbito do seu dever vinculado na relação laboral. Contudo, independente de qual
seja a medida, a mesma tem que incidir nos comportamentos concretizados e com
relevância infraccional.
Olhemos para a medida disciplinar aplicada à trabalhadora.
No uso do poder disciplinar a entidade empregadora exarou o despacho exprimindo-se
nos seguintes termos:
“DETERMINO
1- É aplicada à senhora A, com a
função de CHEFE DA LAVANDARIA DA DIVISÃO ADMINISTRATIVA E OPERACIONAL DOS (B)-LUBANGO,
a medida disciplinar de Despedimento Disciplinar, nos termos da alínea d) do nº
1 e nº 2 do artigo 47.º, com fundamento na justa causa prevista na al. b) do
artigo 206.º, ambos da LGT, pela violação dos deveres laborais plasmadas nas
alíneas a), b) e e) do artigo 44.º da citada Lei e tendo em conta os
fundamentos acima descritos.
2- Deve a instrução do processo Disciplinar dar conhecimento da presente
Ordem interna à interessada no prazo máximo de cinco (5) dias, a contar desta
data.
3- Registe-se na Ficha individual do(a) Trabalhador(a) Arguido(a) apresente
medida constante da presente Ordem interna para que conste e fique cadastrado
nos (B).
CUMPRA-SE
Luanda, aos 29 de Maio de 2019”. (sic)
As medidas estão tipificadas de acordo com os factos materiais que os
concretizam nos termos do artigo 47º da LGT. Isto é, a cada conduta, uma
medida.
Por tudo que se depreende do processo disciplinar, apensado aos presentes
autos, a conduta da trabalhadora não passou de mera intenção; pois, o que houve,
foi tão só a concepção do acto, a nível do imaginário.
No
inacessível mundo do pensamento, se a intenção não tiver assumido
exteriorização prática; qualquer interpretação que dela se faça, corre o risco
de ser mera especulação. E fazê-lo para imputar a infracção a alguém, é mesmo
que tentar punir a liberdade de pensamento, direito natural da
pessoa humana.
Ninguém é punido juridicamente
só por pensar; ainda que se trate de uma idealização vil. Qualquer tentativa de
sancionar alguém só por imaginar, seria colocar-se numa pretensa supremacia,
jamais alcançável por um ser humano.
As normas em que se alicerça a decisão disciplinar não punem a intenção, senão,
sigamos a ratio vertida no artigo 47º/1
da LGT dispõe:
“Pelas infracções disciplinares
praticadas pelos trabalhadores, pode o empregador aplicar as seguintes medidas
disciplinares: a) Admoestação verbal; b) Admoestação registada; c) Redução temporária
do salário e d) Despedimento disciplinar.”
Daqui, depreende-se que a censura do legislador está voltada às acções efectivamente
praticadas pelo trabalhador.
Sendo certo que o poder sancionatório é nos termos do artigo 46º da mesma
lei conferido a entidade empregadora; tal poder só deve incidir em condutas com
efeitos mensuráveis, cuja relevância tenha implicações sérias na vida das
organizações e não qualquer outra.
O conhecido
facto de que a trabalhadora trouxe para o local de trabalho, roupa de casa para
ser lavada na lavandaria da empresa só foi obtido com a confissão da mesma. E
esta atitude, porque revela uma auto-sensura, vinda de uma espontânea expressão,
deveria ser valorizada.
Se o
levar a roupa para o local de trabalho era censurável pelas normas
regulamentadoras, que todavia, não foram trazidas nos autos, para a sua
valoração; a confissão da trabalhadora, quanto a intenção, se ainda assim, não
pudesse ter o benefício de: “quem fala a
verdade não merece castigo”, só poderia resultar, quando muito, numa advertência
mediante admoestação, olhando-se para a inexistência de qualquer mácula, no
histórico laboral antecedente da trabalhadora, o que é apelável a entidade
empregadora, de resto, obrigação que se lhe impõe na ponderação da decisão, à
luz do que dispõem os artigos 51º e 52º da LGT.
Se era justificável a censura;
também era exigível que a medida da sanção fosse comedida, atento às
circunstâncias e antecedentes da trabalhadora.
Não se surpreende no processo disciplinar, qualquer
antecedente reprovável na conduta da trabalhadora, durante os 12 anos de
trabalho, de que se pudesse aferir a incorrigibilidade comprometedora, na
manutenção do vínculo laboral. Estamos alinhados à doutrina que serviu substancialmente de esteio a
decisão impugnada; pois, não se afigura possível formular um juízo de censura
diante de uma não acção ou melhor
dito, diante de um pensamento, só conhecido porque a trabalhadora o revelou.
O esperado é a preservação do
emprego. Porém, as relações laborais têm como seu maior suporte a confiança.
Não se alcançando nos autos acções ou omissões que materialmente fossem aptos a
levar a descrença deste factor, a razão do despedimento só pode ser extraída da
perca de confiança objectivamente infundada. Se o desejável é a manutenção da
relação de trabalho; o certo é que o tempo decorrido desde o despedimento, não
fez a entidade empregadora reconsiderar o posicionamento tomado, quanto a
extinção do vínculo.
Considerando a atitude
demostrada pela Apelada em não ter contra-alegado; sendo que o vínculo laboral
permanente não pode ser imposto a todo custo; daí a razão de o legislador ter
previsto a alternativa, dissolução, no caso de improcedência do despedimento
como se alcança no número 4 do artigo 76º da CRA; a solução que mais respeita, se não a
estabilidade no emprego, pelo menos, a dignidade da pessoa e a liberdade de
vinculação do trabalhador é a indemnização nos termos do artigo 209º nº 3
conjugados com a alínea a) do número 1, do artigo 239º da LGT.
A manutenção da relação laboral não
será defensável, aí onde a reintegração não se mostrar adequada ao bem-estar
psíquico, moral, profissional do trabalhador e a sua liberdade de vinculação;
pois, a dignidade humana do trabalhador, não pode estar refém do factor
económico. Neste caso, como já referido, quer pelas circunstâncias que serviram
de pivô ao conflito, quer pelo lapso de tempo, de 4 anos de ruptura da relação;
a justiça que se impõe é a cessação formal do vínculo, sem prejuízo dos colaterais
deveres daí resultantes para a entidade empregadora; visto que a presente
relação não pode jamais ser mantida nos marcos do respeito e confiança laboral,
em que o contrato de trabalho está por excelência alicerçado.
Sendo que os (B), são uma empresa
pública e pela sua natureza, equiparável a uma grande empresa, nos termos do
artigo 240º da LGT; a sua obrigação, decorrente do despedimento, por força do número 1/2ª parte do artigo 209º
combinados com a alínea a) do número 1 do artigo 239º da mesma lei, é o
pagamento dos salários e complementos que a Apelada deixou de auferir, por
efeito do despedimento até ao limite de seis meses, acrescido do pagamento da indemnização correspondente de
50% do salário base, multiplicado pelo tempo de efectividade, cujo início está
fixada no contrato de fls. 39, em 5 de Fevereiro de 2007; não havendo lugar a
reintegração, pelas razões acima apontadas.
C) Se há ilegalidade da sentença, quanto a limitação
da condenação no pedido.
Na situação presente, olhando para os fundamentos e os pedidos formulados
ao Tribunal recorrido, em fls. 34 a 38, alcança-se facilmente que a Requerente
pretendia ver: 1-anulada a medida disciplinar do despedimento de que foi alvo e 2-pagos
os salários e suplementos que deixou de auferir em consequência do despedimento.
A decisão proferida deu por procedente a acção reconhecendo razão a
Requerente, aqui Apelada.
Desta sentença,
a Apelante veio invocar ilegalidade e inconstitucionalidade quanto aos limites
da condenação da sentença.
A Recorrente
pretende com argumentação aludir as causas de nulidade da sentença, nos termos da alínea e) do artigo 668º. do CPC, de que a parte lesada
pode sempre impugnar. Porém, se atentarmos para a razão de ser, desse proteccionismo
conferido à parte prejudicada, chega-se à conclusão de que o transvaso dos
limites da decisão por parte do julgador, consistem, em a decisão versar sobre
quantidade superior ao pedido ou objecto diverso do trazido à lide. Isto é, a
decisão pronunciar-se diferentemente dos factos e pretensão das partes,
assumindo-se em última análise, como decisão surpresa, na parte extrapolada.
A decisão declarou nulo o despedimento, e condenou a entidade empregadora
na reintegração imediata da trabalhadora e pagamento de todos os créditos
salariais e conexos, nos termos do número 3 do artigo 209º da LGT, sendo que a
cominação da nulidade é a prevista no artigo 208º da mesma lei. Embora da norma
do artigo 209º também possa alternativamente obter-se solução diferente; nas
situações em que não há interesse da entidade empregadora em manter a relação, o
que parece ser o caso, olhando para a nítida ausência de fundamentos relevantes
que desencadearam o despedimento, a solução a ter em conta, no caso sub judice, é a extinção do vínculo; não
já por licitude do despedimento, mas por melhor preservar a dignidade da
trabalhadora.
Só se pode reconduzir a justa causa, segundo Monteiro Fernandes, citado por Ricardo Nascimento, quando o
comportamento do trabalhador determine uma crise contratual irremediável, não
havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória (in Cessação
do contrato de trabalho, em especial
por iniciativa do trabalhador, Coimbra editora (p.125).
Tal como defendido na sentença
impugnada, quanto a condenação, não conseguimos surpreender nela, significativos
laivos de extrapolação do jus judicandi,
que não resulte, tão só, do dever vinculado material e de ofício, que pudesse configurar violação dos
limites da decisão. Mesmo que se pudesse olhar para ela, como resultante da apreciação
simultânea da nulidade e improcedência ajuizadas; ainda assim, da decisão não
resulta substantivamente consequências diversas e relevantes; para que a mesma
esteja inquinada pelos alegados vícios
da extra condenação no pedido,
nem da inconstitucionalidade.
Os processos estão sujeitos a custas, decorrentes
da responsabilidade de quem dá causa a acção ou dela tira proveito, nos termos
combinados do nº 1 do artigo 446º do CPC, e do artigo 1º do Código das Custas
Judiciais. No caso e em sede de recurso; tal responsabilidade deve ser inteiramente
suportada pela Apelante, nos termos do número 2 do artigo 446º do CPC e nº 3 do artigo 3º da lei nº 5-A/21,
de 5 de Março.
Tudo
visto e ponderado, importa proferir;
IV. DECISÃO
Nestes termos, os juízes desta
Câmara acordam em negar provimento ao presente recurso, declarando improcedente
o despedimento e, em consequência, condenar a Apelante:
1. No pagamento dos salários e
complementos que a apelada deixou de auferir, até o limite de seis meses e;
2. Na indemnização correspondente a 50% do
salário base multiplicado por 12 anos de efectividade, dando-se por extinto o
vinculo laboral entre as partes.
Custas pela Apelante
Registe e notifique.
Lubango, 26 de Março de 2024
Os Juízes Desembargadores
Relator: Domingos Astrigildo
Nahanga
1.º Adjunto: Marilene Camati
2.º Adjunto: Lourenço José