Processo
0003/2024-LAB-C
Relator
Dra. Marilene Camate
Primeiro Adjunto
Dr. Lourenço José
Segundo Adjunto
Dra. Tânia Brás
Descritores:
Acção de Conflito Laboral. Irrecorribilidade. Valor da acção. Alçada
I. O ordenamento jurídico angolano, consagra o principio da não retroatividade das leis, plasmado no art.º 12.º C.C, "as leis só se aplicam para o futuro". Já o n° 2 deste artigo vem dizer que," quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistem á data da sua entrada em vigor".
No dizer de Ana Prata in dicionário Jurídico "A alçada de um tribunal é o limite de valor da acção dentro do qual um tribunal julga sem que das suas decisões caiba recurso ordinário".
II. No caso das alçadas dos tribunais e da admissibilidade do recurso, o legislador ordinário, resolve a questão com o plasmado no n° 3 do art.º 2° da Lei que altera a Lei sobre Actualização Das Custas Judiciais e Alçadas dos Tribunais "a admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei vigente à data da interposição de recurso, excepto quando se trata de causas relativas a bens imoveis, que deverão ser regulados pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção".
Processo:
003/2024
Relator:
Desembargadora Marilene Camate.
Data
do acórdão: 27 de Junho de 2024.
Votação:
Unanimidade.
Meio
processual: Apelação.
Decisão:
Anulação do despacho recorrido.
Palavras-chaves:
Irrecorribilidade.
Valor da acção.
Alçada
Sumário
do acórdão.
I.
O
ordenamento jurídico angolano, consagra o principio da não retroatividade das
leis, plasmado no art.º 12.º C.C, "as
leis só se aplicam para o futuro". Já o n° 2 deste artigo vem dizer
que," quando a lei dispõe sobre as
condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os
seus efeitos, entende-se em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas,
quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas,
abstraindo dos factos que lhe deram origem, entender-se-á que a lei abrange as
próprias relações já constituídas, que subsistem á data da sua entrada em
vigor".
No dizer de Ana Prata in dicionário Jurídico "A alçada de um tribunal é o limite de valor da acção dentro do qual um tribunal julga sem que das suas decisões caiba recurso ordinário".
II.
No
caso das alçadas dos tribunais e da admissibilidade do recurso, o legislador
ordinário, resolve a questão com o plasmado no n° 3 do art.º 2° da Lei que
altera a Lei sobre Actualização Das Custas Judiciais e Alçadas dos Tribunais "a admissibilidade dos recursos por
efeito das alçadas é regulada pela lei vigente à data da interposição de
recurso, excepto quando se trata de causas relativas a bens imoveis, que
deverão ser regulados pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a
acção".
Proc.
nº 003/2024/LAB-C-APELAÇÃO
Os Juízes da Câmara do Cível Administrativo,
Fiscal e Aduaneiro do Tribunal da Relação do Lubango, acordam em nome do Povo:
I.
RELATÓRIO
Na sala do Cível Administrativo,
Família e Trabalho do Tribunal da Comarca do Lubango, AUTOR, solteiro, de 31 anos de idade, natural do Lubango, província
da Huíla, filho de XXXX e de XXXX, intentou a Acção de Conflito Laboral contra a Ré, com sede na província da Huíla, rua XXXX, classificada como micro empresa, representada pelo senhor XXXX, aduzindo, para tal, os seguintes
fundamentos:
1-
O
autor foi admitido para trabalhar por conta e sob direcção da Ré no dia 18 de
Abril de 2016, com a categoria de chefe de equipa, auferindo mensalmente a
quantia de Kz 100.000,00 (cem mil kwanzas).
2-
O
autor trabalhou na empresa durante 1 ano e 10 meses, tendo sido suspenso e
posteriormente despedido no dia 27 de Fevereiro de 2018.
3-
Durante
o período em referência o A. nunca gozou férias nem recebeu qualquer subsídio
ou gratificação.
4-
O
autor tentou por várias vezes resolver o conflito de forma amigável, tendo
inclusive se dirigido à Inspecção Geral do Trabalho (IGT).
Conclui
pedindo que:
- Deve
a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência ser a ré
condenada a pagar ao autor os salários em atraso no valor de Kz 400.000,00
(Quatrocentos mil Kwanzas);
-Remunerações
correspondentes ao período de férias e gratificações dos anos de 2016, 2017 e
2018, no valor de Kz 516.666,65 (Quinhentos e dezasseis mil e seiscentos e
sessenta e seis Kwanzas);
-Indemnização
por não reintegração nos termos do art.° 237.° da L.G.T no valor de Kz
80.000,00 (Oitenta mil kwanzas);
-Ser
a Ré condenada no pagamento das custas processuais e demais encargos legais.
Junta
documentos de fls.6 a 19 dos autos.
Devidamente
notificada a fls.24 dos autos, a Ré contestou, aduzindo em síntese os seguintes
fundamentos:
1-
Existe
uma tremenda confusão porque o A. fez parte da primeira empresa constituída de
início no dia 15 de Março de 2018 e não da segunda, a XXXX que está a funcionar
actualmente.
2-
Existe uma data pela qual o A. começou a sua
actividade laboral como auxiliar nas instalações de out doors, de reclames, e
outros caracteres publicitários.
3-
À
media que se foi destacando, automaticamente o sócio deu o tratamento devido,
desde subsídios adequados e transporte dentro do horário normal de expediente.
4-
O
que consta do 4° articulado não é justo uma vez que a empresa teve sérios
prejuízos desde essa data, então as coisas não desencadearam da melhor forma.
5-
O A., no período laboral apresentou algumas
dificuldades serias, não tinha boa convivência laboral, não assinava o livro de
ponto, ou seja, o comportamento veio a declinar-se na empresa.
6-
Quando lhe foi retirada a viatura verificou-se
um custo para empresa de Kz 316.000.00 (trezentos e dezasseis mil kwanzas) mais
Kz 578.000.00 (quinhentos e setenta e oito mil kwanzas).
7-
Fora
os dias repetidos de ausência sem justificação que tem logo como consequência o
despedimento por justa causa, só que no dia que se não recorda, mas no mês de
Março de 2018, após ter o A. recebido a informação da suspensão nunca mais
apareceu na empresa.
Conclui
pedindo que:
Que seja recebida a referida
contestação, ser julgada procedente por provada e em consequência, ser o Autor
condenado a indemnizar pelos danos causados e empresa do Réu;
Que seja condenado o Autor pelos danos
por não ter concluído as tarefas solicitadas;
Ser o Autor condenado ao pagamento das
custas, procuradoria condigna e nos demais encargos legais;
Junta documentos e procuração forense
de fls. 32 a 45 dos autos.
Foi proferido o Despacho Saneador Sentença
a julgar a presente acção parcialmente procedente, fls. 66 a 94 dos autos.
Notificada da decisão, inconformada, a
Ré interpôs recurso a fls.99 dos autos que foi admitido como de apelação, com
subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo a fls. 101.
II.
QUESTÃO PRÉVIA
Cabe ao Tribunal ad quem nesta fase de
recurso exercer o controlo rigoroso da certificação dos pressupostos de
admissibilidade do recurso nos termos do art.º 704.º, 713.º n.º 2, 660.º do
CPC, sob pena de se conhecer decisões que por alguma razão sejam inadmissíveis.
Na verificação da admissibilidade do
recurso devemos ter em consideração o carácter jurisdicional da regularidade e
validade da instância, e a legalidade da pretensão do recorrente.
A acção de Conflito Laboral deu entrada
no dia 13 de Março de 2019, na Sala do Trabalho do Tribunal de Comarca do
Lubango, com o valor da acção fixado em 996.666,00 Kz (Novecentos e noventa e
seis e seiscentos e sessenta e seis kwanzas).
Em
sede de contestação o Requerido, vem dizer que o valor da acção é o mesmo da
P.I, fl. 25 a 31.
Findos os articulados, no dia 29 de
Junho de 2022, foi proferido Despacho Saneador-Sentença que julgou a acção
parcialmente procedente não alterou o valor da causa.
Dispõe o art.° 678. CPC, que se o
recurso tiver por fundamento a violação das regras de competência
internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou a ofensa do caso
julgado, é sempre admissível, seja qual for o valor da causa.
O mesmo artigo, diz ainda que,
tratando-se de recurso ordinário, só é admissível nas decisões proferidas em
causas de valor superior a alçada do tribunal de que se recorre.
Assim, deve-se atender que há dois
aspectos cruciais na admissibilidade do recurso, o que tem que ver com o valor
da causa e o com a alçada do tribunal.
Estabelece o art.º 305.º CPC que: "a toda a causa deve ser atribuído um
valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata
do pedido, relevante para determinar a competência do tribunal, a forma do
processo comum e a relação da causa com a alçada do tribunal”.
Segundo Alberto do Reis, in Código De Processo Civil Anotado, Vol. I pág. 408,
o valor da causa há-de representar a
utilidade económica imediata que com a acção se pretende obter e serve para se
aferir, quer o valor das custas do processo, a forma de processo e
admissibilidade do recurso.
O art.º 467.º dispõe que: deve o autor declarar o valor da acção na
PI, isto é, o ónus de declarar o valor é do autor, obedecendo os critérios
gerais e especiais previstos no art.º 306.º, 307.º e 312: CPC, dependendo do
tipo de acção, sob pena de esta não ser recebida.
No caso, à data em que a acção foi
intentada, o valor da acção declarado, 996.666,00 Kz (Novecentos e noventa e
seis e seiscentos e sessenta e seis kwanzas), era superior à alçada do Tribunal
de Comarca, que até então era de 8 000 UCF, correspondentes a Kz. 704 000.00
(setecentos e quatro mil kwanzas), nos termos do art.º 2º DA Lei 9/05 de 17 de
Agosto.
À data da interposição do recurso a 16
de Janeiro de 2023, já estava em vigor a Lei n° 5-A/21, de 5 de Março - Lei Que
Altera a Lei Sobre Actualização Das Custas Judiciais e Alçadas dos Tribunais.
Qual a lei a aplicar? A da data da
propositura da acção ou da interposição do recurso?
O ordenamento jurídico angolano,
consagra o principio da não retroatividade das leis, plasmado no art.º 12.º
C.C, "as leis só se aplicam para o
futuro". Já o n° 2 deste artigo vem dizer que," quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial
ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se em caso de
dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o
conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram
origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas,
que subsistem á data da sua entrada em vigor".
No dizer de Ana Prata in dicionário Jurídico "A alçada de um tribunal é o limite de valor da acção dentro do
qual um tribunal julga sem que das suas decisões caiba recurso ordinário".
No caso das alçadas dos tribunais e da
admissibilidade do recurso, o legislador ordinário, resolve a questão com o
plasmado no n° 3 do art.º 2° da Lei que altera a Lei sobre Actualização Das
Custas Judiciais e Alçadas dos Tribunais "a
admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei vigente
à data da interposição de recurso, excepto quando se trata de causas relativas
a bens imoveis, que deverão ser regulados pela lei em vigor ao tempo em que foi
instaurada a acção".
Assim, com a entrada em vigor da Lei n°
5-A/21, de 5 de Março, o artigo 2° da Lei n° 9/05, de 17 de Agosto, referente
às alçadas dos Tribunais, foi alterado e passou a ter a seguinte redacção: "em matéria cível, a alçada dos
Tribunais da Relação é fixada em Kz 6 160 000,00 (seis milhões, cento e
sessenta mil kwanzas) e a dos Tribunais de Comarca é fixada em Kz. 3 080
000,00 (três milhões e oitenta mil kwanzas).
In casu, tendo sido interposto recurso a
16 de Janeiro de 2023, a lei vigente é a Lei nº 5-A/21, de 5 de Março, e o
valor da causa fixado em kz 996.666.66 (Novecentos e noventa e seis e
seiscentos e sessenta e seis kwanzas) esta dentro da alçada do tribunal
recorrido.
Pelo
exposto a decisão não admite recurso ordinário.
III.
DECISÃO:
Nestes termos e fundamentos, acordam os
Juízes desta Câmara, em não conhecer do recurso por irrecorribilidade da
decisão.
Custas
pelo recorrente, reduzidas a 1/3 nos termos do art.º 15.º do C.C.J.
Registe e
Notifique.
Lubango, 27 de
Junho de 2024.
Os juízes Desembargadores:
Marilene Camate-Relatora
Lourenço José-1º Adjunto
Tânia Brás-2º Adjunta